Helio Eichbauer (Rio de Janeiro, RIo de Janeiro, 1941 - idem, 2018). Cenógrafo. Um dos principais renovadores da cenografia brasileira moderna, transita por várias gerações de artistas, colaborando com idias arrojadas para muitas encenações importantes da produção nacional. Em lugar dos recursos ilustrativos ou descritivos, propõe a metáfora, a livre-interpretação, o papel autoral do cenário na concepção artística do espetáculo.

De 1962 a 1966 estuda cenografia e arquitetura cênica em Praga, na Tchecoslováquia, atual República Tcheca, sob orientação de Josef Svoboda (1920-2002), considerado nos anos 1970 o maior profissional da área do mundo. Estagia no Berliner Ensemble e na Ópera de Berlim, na antiga Alemanha Oriental e na França e na Itália, em meados dos anos 1960. Em 1967, trabalha no Teatro Studio de Havana, com o célebre ator e diretor Vicente Revuelta (1929-2012), em Cuba.

De volta para o Brasil, trabalha em óperas, balés, teatro de prosa e concertos de música popular brasileira. Desenha a cenografia e indumentária de O Rei da Vela, de Oswald de Andrade (1890-1954), na montagem histórica do Teatro Oficina, em 1967, obtendo os prêmios Governador do Estado de São Paulo e Associação Paulista de Críticos Teatrais (APCT). A cenografia se renova a cada ato: o primeiro une um realismo crítico ao expressionismo, ao compor o escritório do agiota Abelardo I; o segundo, aludindo ao teatro de revista, mostra a Baía da Guanabara como telão pintado, inspirando-se nos quadros de Tarsila do Amaral (1886-1973) e Lasar Segall (1889-1957); o terceiro emoldura o palco com uma cortina vermelha para ambientar a morte do agiota. Também em 1967 é premiado com o Molière pelo cenário de Verão, de Romam Weingarten (1926-2006), sob a direção de Martim Gonçalves (1919-1973), com quem trabalha de novo em Álbum de Família, de Nelson Rodrigues (1912-1980), na Venezuela, em 1969. Nessa produção, o palco se torna uma grande tela fracionada, superfície de projeção de imagens em fragmentos, que servem de contraponto ao diálogo, apresentando o mundo interior das personagens.

No Grupo Opinião, assina o cenário de Antígone, de Sófocles (496 a.C.-406 a.C.), pelo qual recebe o Prêmio Molière de 1969. No mesmo ano, recebe a medalha de ouro na 10ª Bienal Internacional de São Paulo pelo conjunto da obra, e, em 1971, a Triga de Ouro na 2ª Quadrienal de Praga. Três anos depois, destaca-se novamente por A Viagem, adaptação de Carlos Queiroz Telles (1936-1993) para Os Lusíadas, de Luís de Camões (1524-1580), direção de Celso Nunes (1941), Prêmio Molière de cenografia de 1972. Repete o feito em 1981, pelo cenário de O Percevejo, de Vladímir Maiakóvski (1894-1930), direção de Luís Antônio Martinez Corrêa (1950-1987), assim como seu trabalho em Grande e Pequeno, de Botho Straus (1944), em 1985. Ao completar 30 anos de profissão, na década de 1990, tem 130 trabalhos realizados em teatro, 13 exposições e acumula 28 prêmios. Nas décadas de 1970 e 1980, destacam-se ainda sua concepção cenográfica em:  Hoje É Dia de Rock, de José Vicente (1945-2007), direção Emílio Di Biasi (1939), para o Teatro Ipanema, 1973; Os Veranistas, de Máximo Gorki (1868-1936), direção Sergio Britto (1923-2001), pelo Teatro dos Quatro, 1978; Calabar, de Chico Buarque (1944) e Ruy Guerra (1931), dirigido por Fernando Peixoto (1937-2012), com produção de Renato Borghi (1937), Othon Bastos (1933) e Martha Overbeck (1938), 1980; e, ressaltando a beleza natural do Parque Lage, em A Tempestade, de William Shakespeare (1564-1616), concepção de Paulo Reis (1952) e do Pessoal do Despertar, 1982.

Com direção de Ulysses Cruz (1952), realiza as cenografias de Macbeth, de William Shakespeare, 1992; O Anjo Negro, de Nelson Rodrigues, 1994; e, para o Teatro Popular do Sesi (TPS), Péricles, de William Shakespeare, 1995, recebendo por esses dois últimos cenários os prêmios Shell (1994), Associação Paulista de Críticos de Artes (APCA), 1995, e Sharp, 1996. Trabalha em O Mercador de Veneza, em 1996 e, no ano seguinte, em Noite de Reis, de William Shakespeare, direção de Amir Haddad (1937), e, em 1998, em Somos Irmãs, espetáculo musical de Sandra Louzada (1950-2017), direção de Ney Matogrosso (1941) e Cininha de Paula (1956); em 1999 assina As Três Irmãs, de Anton Tchekhov (1860-1904), direção de Enrique Diaz (1967).

Leva suas criações para outras áreas artísticas, colaborando em shows, óperas, vídeos, artes gráficas e cinema. Participa dos filmes Tudo Bem, de Arnaldo Jabor (1940), Dragão da Maldade contra o Santo Gerreiro, de Glauber Rocha (1939-1981), O Homem do Pau-Brasil, de Joaquim Pedro de Andrade (1932-1988) (melhor direção de arte e cenografia no Festival de Cinema de Brasilia - Prêmio Candango, 1981), Gabriela, de Bruno Barreto (1955), Kuarup, de Ruy Guerra. Em 1997, Bela Donna, de Fábio Barreto (1957-2019). Cenografa os vídeos Arthur Bispo do Rosário, de Miguel Przewodowski, e a A Sede do Peixe, 1997, de Carolina Jabor (1975) e Lula Buarque (1963), sobre o cantor Milton Nascimento (1942). Cenografa os espetáculos de música popular brasileira de Caetano Veloso (1942) O Estrangeiro; Caetano Acústico, Circuladô; Tropicália II - Caetano Veloso e Gilberto Gil; Fina Estampa, apresentados em diversos países. Trabalha com as cantoras Gal Costa (1945), Marisa Monte (1967) e Adriana Calcanhoto (1965), obtendo três Prêmios Sharp por seus projetos gráficos e cenográficos. Desenha para o Theatro Municipal do Rio de Janeiro e São Paulo as óperas I Pagliacci, de Ruggero Leoncavallo (1857-1919), Il Matrimonio Segreto, de Domenico Cimarosa (1749-1801), Orfeo, de Christoph Willibald Gluck (1714-1787), O Navio Fantasma, de Richard Wagner (1813-1883), Porgy and Bess, de George Gershwin (1898-1937), com Ebony Opera de New York, Tosca e La Bohéme, de Giacomo Puccini (1858-1924), Don Giovanni, de Wolfgang Amadeus Mozart (1756-1791), entre outras realizações. Leciona cenografia na Escola de Belas Artes da Universidade Federal do Rio de Janeiro, Escola de Artes Visuais, Universidade do Rio de Janeiro, Ateneo de Caracas, Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM/RJ), Escola de Teatro Martins Pena. Em 2006, reúne desenhos, fotos e maquetes de seus trabalhos na mostra Helio Eichbauer - 40 Anos de Cenografia, realizada no Centro Cultural dos Correios, no Rio de Janeiro.

Do primeiro mestre, Josef Svoboda, Eichbauer herda o gosto pela exploração do espaço, numa linha arquitetônica não pictórica e simbolista, vinda de Adolphe Appia (1862-1928) e Gordon Craig (1872-1966). Segundo o crítico Sábato Magaldi (1927-2016), a cenografia de Hélio Eichbauer "não cria apenas um ambiente, mas funciona como um órgão vivo, que projeta, ilustra e até contradiz a ação dramática".¹ Mas o artista não sobrepõe o cenário ao espetáculo: sua obra traduz em linguagem plástica o sentido profundo da obra, de forma anticonvencional e autoral.

Nota

1. MAGALDI, Sábato. Hélio Eichbauer: o cenário como linguagem exata. Jornal da Tarde, São Paulo, 17 maio 1972.