Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Teatro

O Rei da Vela

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 26.08.2021
29.09.1967 Brasil / São Paulo / São Paulo – Teatro Oficina
Registro fotográfico Fredi Kleemann

Cena de O Rei da Vela, 1967
Fredi Kleemann
Acervo Idart/Centro Cultural São Paulo

O Rei da Vela (1967) é a primeira montagem da peça de Oswald de Andrade (1890-1954), realizada pelo Teatro Oficina de São Paulo, sob a direção de José Celso Martinez Corrêa (1937). Estreia em 29 de setembro de 1967 como manifesto satírico e insurgente contra as relações de poder no capitalismo e a posição de subserviência do Brasil na geopolític...

Texto

Abrir módulo

O Rei da Vela (1967) é a primeira montagem da peça de Oswald de Andrade (1890-1954), realizada pelo Teatro Oficina de São Paulo, sob a direção de José Celso Martinez Corrêa (1937). Estreia em 29 de setembro de 1967 como manifesto satírico e insurgente contra as relações de poder no capitalismo e a posição de subserviência do Brasil na geopolítica internacional. Por sua radicalidade estética e política, é considerada marco do modernismo e do tropicalismo.

Publicado em 1937, O Rei da Vela rompe paradigmas da estética burguesa em um período de convulsão social – à iminência do Estado Novo (1937-1943), que instituiria vedações às liberdades individuais. A peça reflete a investigação formal iniciada por Oswald de Andrade com a Semana de Arte Moderna (1922) e com o movimento antropofágico. É um caso particular de texto teatral que permanece inédito por três décadas, explicitando a distância entre os palcos brasileiros e as propostas modernistas.

Na peça, o agiota Abelardo I é um novo rico interessado na ascensão social pelo casamento com a aristocrata Heloísa, que deseja reverter sua decadência econômica. A transação matrimonial acontece sob interferência de um representante do capital estrangeiro. A crítica às relações de poder perfaz um enredo que vincula operações de crédito pessoal às transações entre nações imperialistas e colonizadas, ao mesmo tempo em que a sexualidade despudorada fere a moral de uma burguesa conservadora e reacionária.

Nos anos 1960, em plena Ditadura Militar e às vésperas do AI-5, o Teatro Oficina compartilha com outros artistas de estéticas distintas, como o Teatro de Arena, a preocupação de não alienar o palco do contexto histórico e social do país. Para responder ao complexo momento econômico, cultural e político, José Celso Martinez Corrêa recorre às insubordinações formais e conceituais de O Rei da Vela.

O texto que anos antes parecera “mudo”, “modernoso e futuristoide”1 ao diretor é resgatado por seu caráter de obra aberta, avessa ao racionalismo e às convenções teatrais. O Teatro Oficina multiplica as citações e acirra os tons grotesco, obsceno, violento e irreverente da obra original, criando um universo cênico com vida própria. O espírito paródico e anárquico, que ataca o público presente, institui um “teatro da agressão”, conforme nomeia o crítico Anatol Rosenfeld (1912-1973).

Formas artísticas eruditas e populares contrastam com uma profusão de referências de outras artes, tempos e geografias. O primeiro ato, dedicado às operações de agiotagem de Abelardo I, é montado em linguagem circense. O segundo, às voltas com transações sexuais em uma ilha tropical na baía de Guanabara, evoca o teatro de revista. E o terceiro, retornando ao cenário inicial para substituição do protagonista por seu sócio e homônimo, recebe tratamento operístico.

O ator Renato Borghi (1937) confere caráter debochado a Abelardo I, conciliando referências europeias à memória de atores cômicos populares como Oscarito (1906-1970) e Grande Otelo (1915-1993), em atuação que lhe rende os prêmios Molière e Associação Paulista de Críticos Teatrais (APCT). Ítala Nandi (1942), no papel de Heloísa de Lesbos, Dina Sfat (1938-1989), Dirce Migliaccio (1933-2009), Otávio Augusto (1945) e Othon Bastos (1933) também integram o elenco.

No palco giratório, um boneco fálico de grandes dimensões metralha as vítimas de Abelardo I. O cenário expressionista, criado por Hélio Eichbauer (1941-2018), também figurinista, acopla signos da antropofagia modernista em versão kitsch. Personagens ostentam maquiagens excessivas e saqueiras, que aludem ao recalque das pulsões sexuais.

Nas primeiras apresentações, alguns espectadores criticam o mau gosto e a virulência, outros apelam à censura da Divisão de Diversões Pública, e há os que apenas saem sem aplaudir, conforme solicita o texto. Após uma reação inicial de incompreensão da ruptura estética empreendida, a crítica teatral passa a reconhecer as qualidades de uma obra que apresenta um país contraditório e que desfaz o mito do brasileiro cordial.

Em passagem de O Rei da Vela por Paris em maio de 1968, o teórico francês Bernard Dort (1929-1994) observa que o cruzamento paródico de gêneros operários e burgueses, a escalada do deboche e o espelhamento (deformador) do contexto social brasileiro elevam à última potência o jogo teatral de “massacre”, encenado pelo Oficina como um apelo por um “teatro de insurreição”.2

A montagem coincide com os movimentos de contracultura que eclodem no Maio de 1968, na França, e geram novas formas na música, no cinema e nas artes plásticas brasileiras, como o Cinema Marginal. Nesse contexto, une-se a outras obras icônicas que revisam a experiência de país, como o filme Terra em transe (1967), de Glauber Rocha (1939-1981) – cujas imagens inspiram José Celso.

De acordo com o crítico Décio de Almeida Prado, a subversão do ufanismo praticada em favor de uma celebração selvagem do “subdesenvolvimento material, mental e artístico”[3] do país, faz com que O Rei da Vela inaugure o tropicalismo no teatro. No cinquentenário do espetáculo, em 2017, José Celso e Renato Borghi estreiam no Teatro Oficina uma remontagem de O Rei da Vela, reafirmando a atualidade da obra para além do seu tempo.

O Rei da Vela é um retrato das relações político-sociais baseadas nos interesses financeiros e de concentração de poder. Por um lado, é um exercício de encenação de diferentes gêneros teatrais; por outro, um exercício político de resistência e contracultura diante de um sistema de censura e autoritarismo.

Notas

1 FOLHA de São Paulo. Noite do “Rei da vela” foi sucesso no Oficina. 30 set. 1967. Disponível em: Acesso em 13 mai. 2019.

2 DORT, Bernard. Uma comédia em transe. Le Monde, Paris, abr. 1968, traduzida e republicada no segundo programa de O Rei da Vela, cit.

3 PRADO, Décio de Almeida. O teatro brasileiro moderno. São Paulo: Perspectiva, 2009. p. 113.

Ficha Técnica

Abrir módulo
Autoria
Oswald de Andrade

Direção
José Celso Martinez Corrêa (Prêmio Molière e APCT - Melhor Direção)

Direção (assistente)
Frei Betto

Cenografia
Helio Eichbauer (Prêmios Governador do Estado e APCT - Melhor Cenografia)

Figurino
Helio Eichbauer

Trilha sonora
Caetano Veloso
Damiano Cozzella
Rogério Duprat

Coreografia
Maria Esther Stockler

Elenco
Abrahão Farc / O Americano
Adolfo Santana / O Apresentador
Chico Martins / O Cliente, Coronel Belarmino
Dina Sfat / Heloísa de Lesbos - Substituição
Dirce Migliaccio / Dona Polaca
Edgard Gurgel Aranha / O Intelectual Pinote, Totó Fruta do Conde
Esther Góes / Heloísa de Lesbos - Substituição
Etty Fraser / Dona Cesarina, A Baiana
Fernando Peixoto / Abelardo II
Henriqueta Brieba / Dona Polaca - Substituição
Ítala Nandi / Heloísa de Lesbos
Liana Duval / A Secretária, Joana ou João dos Divãs
Otávio Augusto / Perdigoto, Apresentador
Othon Bastos / Totó Fruta do Conde - Substituição
Renato Borghi / Abelardo I (Prêmio Molière e APCT - Melhor Ator)
Renato Dobal / O Índio
Yolanda Cardoso / Dona Cesarina, A Baiana - Substituição

Obras 5

Abrir módulo

Fontes de pesquisa 12

Abrir módulo
  • BARSANELLI, Maria Luísa; SÁ, Nelson. Hoje é mais violento que em 1967, diz Zé Celso, que reencena O Rei da Vela. Ilustrada. Folha de S. Paulo, 29 set. 2017. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2017/09/1922559-hoje-e-mais-violento-que-em-1967-diz-ze-celso-que-reencena-o-rei-da-vela.shtml. Acesso em: 14 maio 2019
  • BERNSTEIN, Ana. A crítica cúmplice. Décio de Almeida Prado e a formação do teatro brasileiro moderno. São Paulo: Instituto Moreira Salles, 2005.
  • BORGHI, Renato. Existem dois Renatos, um antes e outro depois de 'Rei da Vela', diz Borghi. In: Ilustríssima. Folha de S. Paulo, 27 mai. 2018. < https://www1.folha.uol.com.br/ilustrissima/2018/05/existem-dois-renatos-um-antes-e-outro-depois-de-rei-da-vela-diz-borghi.shtml >. Acesso em: 14 maio 2019
  • DORT, Bernard. Uma comédia em transe. Le Monde, Paris, abr. 1968, traduzida e republicada no segundo programa de O Rei da Vela, cit.
  • FARIA, João Roberto (Dir.). História do teatro brasileiro II: do modernismo às tendências contemporâneas. São Paulo: Perspectiva, Edições Sesc SP, 2013.
  • FOLHA de São Paulo. Noite do “Rei da vela” foi sucesso no Oficina. 30 set. 1967. Disponível em: < http://almanaque.folha.uol.com.br/ilustrada_30set1967.htm >. Acesso em: 13 maio 2019
  • MAGALDI, Sábato. Teatro da ruptura: Oswald de Andrade. São Paulo: Global Editora, 2015.
  • MAGALDI, Sábato. Teatro sempre. São Paulo: Global, 1985.
  • O REI da Vela. São Paulo: Teatro Oficina Uzyna Uzona, [1967]. 1 programa do espetáculo realizado no Teatro Oficina.
  • PRADO, Décio de Almeida. O teatro brasileiro moderno: 1930-1988. São Paulo: Perspectiva, 1988. (Debates, 211).
  • ROSENFELD, Anatol. Texto/contexto 1. 5ª ed. São Paulo: Perspectiva, 1996.
  • XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: