Ruy Guerra

Ruy Guerra, 1972
Texto
Ruy Alexandre Guerra Coelho Pereira (Maputo, Moçambique, 1931). Diretor de cinema, dramaturgo, compositor, ator e cronista. É um dos nomes do cinema novo. Destaca-se por seus roteiros originais e adaptações literárias, com filmes voltados para a preocupação social, os questionamentos morais e a problemática humana, por meio de linguagens e temáticas heterogêneas.
Em Lourenço Marques, atual Maputo, o jovem de família portuguesa milita pela independência do país e escreve críticas de cinema. Em 1952, ingressa no Institut des Hautes Études Cinématographiques (Idhec), em Paris. Como trabalho de final de curso, realiza o curta-metragem Quand le Soleil Dort (1954), inspirado em romance do escritor italiano Elio Vittorini (1908-1966). Ainda na França, é assistente de direção no longa-metragem Chiens Perdus Sans Collier [Crianças sem Destino] (1955), do diretor francês Jean Delannoy (1908-2008), e estuda interpretação. Atua no papel de um telegrafista no longa S.O.S. Noronha (1956), do diretor francês Georges Rouquier (1909-1989).
Em 1958, estabelece-se no Brasil. No ano seguinte, trabalha como roteirista e diretor de curtas-metragens para o Canal 1001. Em 1962, estreia na direção de longa com Os Cafajestes, polêmico pela nudez de Norma Bengell (1935-2013). O filme, censurado, desafia padrões morais em retrato cínico da classe média centrado nas ações de dois jovens inescrupulosos. Guerra aproxima-se dos colegas do cinema novo e faz a montagem de Escola de Samba Alegria de Viver, do diretor de cinema Carlos Diegues (1940), episódio do longa coletivo Cinco Vezes Favela (1962).
Atua pela primeira vez no cinema brasileiro em Os Mendigos (1962), dirigido por Flávio Migliaccio (1934-2020), no papel de um morador de rua cego. Realiza a montagem de Esse Mundo É Meu (1963), do diretor Sérgio Ricardo (1932-2020). Com este, compõe sua primeira letra de música, utilizada no filme. O ofício de letrista rende, até os anos 1980, uma centena de obras. Dirige espetáculos musicais e enfrenta novamente a censura com o segundo longa, Os Fuzis (1963). Nele, explora o contexto social que o aflige, no choque entre o urbano e o sertão, quando um grupo de soldados ocupa um vilarejo onde se teme saques. Além de se inserir na exigência de engajamento político da época, Guerra adota modelos em sintonia, como o realismo de cenas, a linguagem híbrida de documentário e ficção, e uma fotografia em preto e branco de luz estourada sob o sol nordestino.
Em 1968, interpreta o papel principal do capitão de um navio negreiro espanhol que enfrenta rebelião em Benito Cereno, longa do diretor francês Serge Roullet (1926). Dirige Os Deuses e os Mortos (1970), longa alegórico que converge exploração, violência e coronelismo na Bahia cacaueira dos anos 1930. Interpreta o conquistador espanhol Pedro de Ursúa em Aguirre, a Cólera dos Deuses (1972), do diretor alemão Werner Herzog (1942), rodado na Amazônia. Com o cantor Chico Buarque (1944), escreve Calabar, O Elogio da Traição (1973), musical censurado que estreia em 1980. A tese de traição do militar Domingos Calabar (1609-1635), ao se aliar aos holandeses na invasão do Nordeste, é revista e aproximada do regime militar.
Em 1976, dirige nos palcos Trivial Simples, texto do ator Nelson Xavier (1941-2017). Xavier protagoniza e corroteiriza A Queda (1978), longa em que Guerra revisita personagens de Os Fuzis, agora trabalhadores da construção civil oprimidos na metrópole. A carga moral é novamente discutida pela consciência do protagonista ante a injustiças. Retorna a Moçambique e dirige Mueda, Memória e Massacre (1979), docudrama que reafirma seu pensamento político ao encenar a matança na guerra pela independência do país.
O longa Erêndira (1982) é sua primeira adaptação de romances do escritor colombiano Gabriel García Márquez (1927-2014). Guerra expõe a crueldade humana na trama da garota vendida aos homens pela avó. Em 1989, filma no Xingu o romance Kuarup, de Antonio Callado (1917-1997). Sob o painel sociopolítico de uma época, o longa acompanha a saga de um missionário desde a década de 1950, sua transição para indigenista e a luta contra a ditadura.
Publica o livro de crônicas 20 Navios (1996), oficializando uma faceta exercitada desde os anos 1940. No estilo informal comum ao gênero, adota tom autobiográfico e relembra com lirismo temas como identidade, política, a língua portuguesa ou reflexões sobre a humanidade.
Dirige o longa Estorvo (1998), baseado no romance de Chico Buarque. Drama existencial, abre nova perspectiva de linguagem mais enxuta e rarefeita, embora com o recorrente tema das aflições do homem, no caso, um anônimo da grande cidade que cisma estar sendo perseguido. A noção de asfixia prossegue com fotografia soturna no longa O Veneno da Madrugada (2005), outra adaptação de García Márquez, que o interessa pela sordidez humana. Na trama, uma vila é tomada por bilhetes que denunciam crimes, traições e segredos.
Atua como um vendedor de frangos em birosca no episódio Arroz com Feijão, do longa 5 X Favela: Agora por Nós Mesmos (2009), com direção coletiva2. Dirige Quase Memória (2015), longa sobre romance do jornalista Carlos Heitor Cony (1926-2018). Em dois tempos, narra a conversa deste quando jovem com sua persona mais velha, enquanto relembra o pai.
A criação de Ruy Guerra atribui sentido mais amplo à manifestação política e à problemática social tanto no Brasil quanto no exterior. Tendo como núcleo a palavra, Guerra molda seus múltiplos interesses e ofícios, seja quando a transforma em imagens cinematográficas ou cênicas, seja na literatura ou na música.
Notas
1. O Canal 100 é um cinejornal fundado em 1957 pelo produtor de cinema Carlos Niemeyer (1920-1999). No canal, Guerra realiza, mas não conclui, dois curtas: o documentário Orós (1960), é resultado de sua visita à barragem do açude de Orós, no Ceará, e marca sua primeira visita ao Nordeste e a visão da seca. Em coprodução com o canal, O Cavalo de Oxumaré (1961) dramatiza a manifestação do candomblé.
2. O longa-metragem de cinco episódios retoma o projeto Cinco Vezes Favela, realizado por diretores do cinema novo em 1962, com a proposta de atualizar a temática do cotidiano nas comunidades cariocas visto pelos próprios moradores.
Obras 1
Espetáculos 14
Fontes de pesquisa 16
- ARENA conta Zumbi. São Paulo: Teatro de Arena, 1965. 1 programa do espetáculo realizado no Teatro de Arena. Não catalogado
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- CARVALHO, Rafael. Os Cafajestes. In: SILVA, Paulo Henrique (org.). 100 Melhores Filmes Brasileiros. Belo Horizonte: Letramento, 2016, p. 191.
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- Programa do Espetáculo - Calabar Breviário - 2008. Não catalogado
- RAMOS, Fernão Pessoa; MIRANDA, Luiz Felipe (Orgs.). Enciclopédia do cinema brasileiro. 3. ed. ampliada e atualizada. São Paulo: Senac, 2012.
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- SILVA, Thiago de Faria e. Audiovisual, memória e política: os filmes Cinco vezes favela (1962) e 5 X Favela: agora por nós mesmos (2010). Dissertação (Mestrado em História Social) – Departamento de História da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo/USP. São Paulo, 2011. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/8/8138/tde-13092012-093106/publico/2011_ThiagodeFariaeSilva_VCorr.pdf. Acesso em: 13 ago. 2020.
- TBC apresenta Arena-Opinião. São Paulo: TBC, 1965. 1 programa do espetáculo realizado no Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Não catalogado
- TEIXEIRA, Isabel (Coord.). Arena conta arena 50 anos. São Paulo: Cia. Livre da Cooperativa Paulista de Teatro, [2004]. CDR792A681
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RUY Guerra.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa4050/ruy-guerra. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7