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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Carlos Heitor Cony

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 04.07.2024
14.03.1926 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
05.01.2018 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
Carlos Heitor Cony (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1926 - idem, 2018). Romancista, contista, cronista, jornalista. Nasce em 1926, no Rio de Janeiro. Pronuncia suas primeiras palavras somente aos cinco anos, e devido a problemas de dicção, o pai opta por alfabetizá-lo em casa. Ingressa no Seminário Arquidiocesano de São José, no Rio de Janeiro, ...

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Carlos Heitor Cony (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1926 - idem, 2018). Romancista, contista, cronista, jornalista. Nasce em 1926, no Rio de Janeiro. Pronuncia suas primeiras palavras somente aos cinco anos, e devido a problemas de dicção, o pai opta por alfabetizá-lo em casa. Ingressa no Seminário Arquidiocesano de São José, no Rio de Janeiro, em 1938. Ali aprende latim, grego, francês, filosofia e teologia, e o abandona em 1945, antes de ordenar-se padre. No ano seguinte, ajuda o pai na redação do Jornal do Brasil, e recebe sua carteira de jornalista em 1947. Contudo, só se torna efetivamente redator em 1952, na Rádio Jornal do Brasil. A partir dessa época, inicia sua produção literária.

Sua primeira obra, O Ventre (1956), concorre ao Prêmio Manuel Antônio de Almeida na categoria romance; o júri, apesar de reconhecer lhe a qualidade, a qualifica como inapropriada para vencer o concurso. Escreve, então, - em nove dias - outro romance, A Verdade de Cada Dia (1957), vencedor do mesmo prêmio no ano seguinte. Em 1962, faz crônicas para o "Segundo Caderno" do Jornal do Brasil, e, a partir de 1963, colabora com a Folha de S.Paulo, dividindo com Cecília Meireles (1901-1964) a seção "Opinião" do jornal. Torna-se, como muitos outros intelectuais do período, vítima da repressão militar, e tem censurada uma novela escrita para TV-Rio.

Em 1967, escreve Pessach: a Travessia, romance que tem como tema a militância política contra a ditadura. É preso em dezembro de 1968, ano do AI-5. Após ser libertado, lança a revista Ele Ela e começa uma pesquisa sobre as memórias do ex-presidente Juscelino Kubitschek. É detido novamente, em 1970. Em 1972, anuncia o preparo de sua última obra, o romance Pilatos, e ingressa na Revista Manchete, primeira de suas parcerias com Adolpho Bloch. Depois da conclusão do romance, passa um ano tentando publicá-lo, o que ocorre em 1974. A primeira edição, de cinco mil exemplares, esgota-se rapidamente. Distante da literatura desde então, trabalha ao longo da década de 1980 para a televisão.  Apesar das promessas que antecedem a publicação de Pilatos, lança em 1995 o romance Quase Memória. Sua obra seguinte, O Piano e Orquestra (1996), vence os prêmios Jabuti e Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras (ABL). Em 2000, é eleito para a ABL.

Análise

Carlos Heitor Cony iniciou sua vida literária no momento em que, substituindo o pai, começou a trabalhar como redator na Rádio Jornal do Brasil. Antes disso, sua experiência juvenil com o universo das letras, segundo entrevista ao Cadernos de Literatura Brasileira, havia sido mediada, sobretudo, por problemas de fala que o faziam trocar letras. Superadas as dificuldades de dicção, por meio de tratamento médico, o autor não mais se desvinculou do universo literário, produzindo uma obra que engloba o romance, o conto e a crônica.

Em seu livro de estreia, O Ventre (1958), verifica-se, logo de início, algumas características que, como notara Antonio Hohlfeldt, serão quase constantes em outros trabalhos. Primeiramente, a escolha de uma narrativa em primeira pessoa que, iniciando-se no tempo presente, retorna em flashback ao passado, para depois voltar ao ponto que principiou a ação. No caso, esse primeiro romance apresenta como narrador um jovem rejeitado que conta sua história desde a infância, passando pela relação problemática com os pais, o período de formação escolar, cuja descrição se aproxima muito de O Ateneu, de Raul Pompéia, para finalmente chegar à vida adulta.  O tom da narrativa é violento e pessimista e, como aponta o autor,  influenciado pelo existencialismo da obra de Jean Paul Sartre (1905 - 1980). Os temas da romance - o cinismo burguês, a hipocrisia e o adultério -, assim como a escrita precisa e irônica, fazem referência, sobretudo, à obra machadiana.

O segundo ponto, como observa o crítico Malcolm Silverman, é o de uma estrutura memorialística, muitas vezes com ênfase biográfica ou autobiográfica, de modo que os limites entre autor empírico e narrador sejam fluidos. Não que se deve ler a narrativa em primeira pessoa como relato de experiências pessoais do escritor, mas sim entendê-la como resultante de experiências que ora se aproximam ora se afastam, em maior ou menor grau, da vivência do autor empírico. Assim, um romance cujo tema central é a relação entre o indivíduo e a religião, como Informação ao Crucificado (1961), pode ocasionar uma leitura autobiográfica, uma vez que Cony desejava ingressar, quando criança, no clero.

Essa ambiguidade entre ficção e biografia na obra do autor de Matéria de Memória (1962) é ainda mais aguçada, tendo em vista que Cony é um grande contador de histórias, capaz de romancear as próprias dúvidas e experiências. O melhor exemplo disso é o romance Pessach: a Travessia (1967), que narra uma série de acontecimentos que faz Paulo Simões, um escritor burguês sempre ocupado com encomendas editoriais e preocupações existencialistas, ingressar na luta armada contra o regime militar.

Com um andamento épico, recheado de viravoltas, ação, sexo e violência, além da forte carga dramática proporcionada diálogos vívidos, o autor apresenta, em Pessach, um dos grandes dilemas do escritor, nos anos sessenta e setenta: a relação entre a escolha pelo engajamento político e a necessidade de sobreviver do próprio trabalho. No caso do narrador desse romance, a ênfase recai na opção pela resistência, o que, de algum modo, mantém contato estreito com as próprias escolhas de Cony. Basta lembrar, por exemplo, que ele fora preso duas vezes pela ditadura, por conta de opiniões que costumava publicar em suas crônicas no Jornal do Brasil.

Os elementos humorísticos que ora se revelavam na história de Paulo Simões ganharam primeiro plano no romance que Cony elegeu como o seu predileto. Trata-se de Pilatos (1974), obra com a qual o escritor pretendia encerrar sua carreira de romancista, após ter publicado oito romances, um livro de contos e uma biografia de Getúlio Vargas. Segundo palavras do próprio autor, Pilatos é um romance que, apesar de seguir uma estrutura padrão de princípio, meio e fim, apresenta uma história "completamente louca, inviável". De fato, soam quase inverossímeis as aventuras de um narrador que, após ser mutilado por conta de um acidente, guarda o próprio órgão sexual dentro de um vasilhame de compota. Como nota Mário da Silva Bueno, e também Otto Maria Carpeaux, as principais características dessa obra são o apelo ao grotesco e à escatologia, e a mordacidade aliada a uma aguda crítica social, tendo em vista que os tipos com os quais o narrador cruza são, em sua maioria, marginalizados da sociedade, vítimas da violência policial e de uma estrutura econômica injusta.

Vinte anos após a publicação de Pilatos, Cony retornou ao romance com Quase memória, um livro que o próprio autor define como "quase ficção". Por meio de um estilo ao mesmo tempo lírico e irônico, que também permeia suas crônicas, o narrador parte de um fato inusitado - um "gordo envelope", cujo remetente, pelo perfume e pela letra, parecia ser seu pai, morto há dez anos. Esse inusitado presente faz com que o protagonista passe a rememorar sua infância e sua relação com a família, momento em que Cony inclui dados autobiográficos ao mesmo tempo em que os romances, deixando não muito claro os limites entre autor empírico e narrador.

Fontes de pesquisa 8

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  • AJZENBERG, Bernardo. Cronista agudo e lírico, Carlos Heitor Cony morre aos 91 anos no Rio. Folha de S. Paulo, São Paulo, 06 jan. 2018. Ilustrada. Disponível em: http://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2018/01/1948512-carlos-heitor-cony-morre-aos-91-anos-no-rio.shtml. Acesso em 09 jan. 2018.
  • ARRIGUCCI JR., Davi. Jornal, realismo, alegoria: o romance brasileiro recente. In: ______. Achados e Perdidos: ensaios de crítica. São Paulo: Polis, 1979.
  • BUENO, Mário da Silva. Advertência a Pilatos (orelha). In: CONY, Carlos Heitor. Pilatos. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1973.
  • CARPEAUX, Otto Maria. “Pilatos”. In: CONY, Carlos Heitor. Pilatos. Rio de janeiro: Civilização Brasileira, 1973.
  • FRANCO, Renato. Itinerário político do romance pós-64: A Festa. São Paulo: Ed. Unesp, 1998.
  • HOHLFELDT, Antonio. “O caso Cony”. In: VV. AA. Cadernos de literatura brasileira, n. 12. São Paulo: Instituto Moreira Sales, dezembro de 2001.
  • MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira: modernismo. São Paulo: Cultrix, 1989. v.5.
  • SILVERMAN, Malcolm. O mundo ficcional de Carlos Heitor Cony. In: _______. Moderna ficção brasileira. Rio de Janeiro/Brasília: Civilização Brasileira/INL, 1978.

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