Arena Conta Zumbi

Arena Conta Zumbi, 1965
Derly Marques
Centro Cultural São Paulo.Divisão de Pesquisas/Arquivo Multimeios
Texto
Marco da trajetória do Teatro de Arena, o espetáculo inaugura o Sistema Coringa, modelo dramatúrgico criado por Augusto Boal (1931-2009), para viabilizar a encenação de qualquer peça com elencos reduzidos. Alterando a estrutura tradicional do gênero dramático, com suporte em uma proposta épica e crítica, Boal e Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006) dividem a autoria do texto e Edu Lobo (1943) assina a música.
A classe teatral se vê num contexto em que as peças existentes não dão conta de refletir as densas mudanças ocorridas no Brasil após o golpe civil-militar de 1964. Nesse ano, Boal dirige, no Rio de Janeiro, Opinião, realização que reúne as experiências de ex-integrantes do Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), apoiados fundamentalmente nos esquemas dramatúrgicos propostos pelo agit-prop, ferramenta que agrupa militância, propaganda e arte. Opinião é uma colagem de fontes diversas: músicas, notícias de jornal, citações de livros, cenas esquemáticas e depoimentos pessoais contextualizando três realidades na cena: a classe média intelectualizada, representada por Nara Leão (1942-1989), o migrante nordestino por João do Vale (1934-1996) e o sambista de morro por Zé Kéti (1921-1999).
Com essa experiência dramatúrgica na bagagem, Boal integra o coletivo de artistas que cria Arena Conta Zumbi. Trata-se de colocar em cena um episódio complexo da história brasileira: a luta dos quilombolas de Palmares e sua resistência ao jugo português. Mas o Arena enfrenta dificuldades materiais: o palco e espaço cênico são pequenos e o elenco é reduzido. Escolhidos o tema, os locais de ação e as principais personagens, a criação cênica toma o aspecto de uma narrativa dramatizada, com oito atores representando todas as personagens, revezando-se no desempenho das pequenas cenas focadas sobre os pontos fortes da trama, deixando a um ator coringa a função de fazer as interligações entre os fatos, pessoas e processos, como um professor de história organizando uma aula e expondo seu ponto de vista sobre os acontecimentos. O emprego da música ajuda as passagens de cena, acrescentando tons líricos ou exortativos de grande efeito.
O crítico Décio de Almeida Prado (1917-2000) explica os aspectos narrativos do espetáculo: "(...) o título é perfeito: a história não é vivida mas apenas narrada pelos atores. Estes não se apresentam como personagens, mas como narradores, atuando sempre coletivamente. A mesma pessoa - Zumbi, por exemplo - é representada por este ou aquele intérprete, dependendo das circunstâncias e sem nenhum prejuízo para a clareza do espetáculo. É uma técnica original e bastante efetiva dramaticamente. O cenário compõe-se somente de dois ou três acessórios e um opulento tapete vermelho, que faz as vezes de pano de fundo; Boal, como encenador, tende cada vez mais a projetar os atores sobre o chão. Não há nomes a destacar no elenco, a não ser o de Dina Sfat, entre as mulheres, todas elas particularmente jovens e bonitas, e, entre os homens, Gianfrancesco Guarnieri, um prodigioso ator de farsa que, neste terreno, ainda não foi devidamente explorado. (...)". E completa fazendo uma provocação ao conjunto de artistas e à tendência político-teatral do momento: "Arena Conta Zumbi lembra freqüentemente um comício político cantado e dançado: um frenesi de movimentos, de rumor, com muito poucas perspectivas realmente novas, Sound and fury - será esse por acaso o novo ideal do nosso teatro de esquerda?"1
A montagem de Arena Conta Tiradentes, em 1967, aprofunda a experiência de Arena Conta Zumbi e surge explicada teoricamente em O Sistema Coringa, redigido por Boal. O sistema evolui conceitualmente e sua aplicação permite tanto o barateamento da produção quanto a implantação de proposições estéticas, ligadas a um modo épico e dialético de expor a trama.
Notas
1. PRADO, Décio de Almeida: Exercício Findo, São Paulo: Perspectiva, 1987, p. 68.
Ficha Técnica
Augusto Boal
Gianfrancesco Guarnieri
Direção
Augusto Boal
Cenografia
Flávio Império (Prêmio Governador do Estado)
Luiz Kupfer
Maria Cecília C. Guarnieri
Maurice Capovilla
Rodrigo Lefèvre
Thomaz Farkas
Figurino
Flávio Império (Prêmio Governador do Estado)
Iluminação
Orion de Carvalho
Direção musical
Carlos Castilho
Trilha sonora
Edu Lobo
Ruy Guerra
Música
Vinicius de Moraes
Elenco
Anthero de Oliveira
Antônio Anunciação
Carlos Castilho
Chant Dessian
David José
Dina Sfat (Prêmio Governador do Estado - atriz revelação)
Gianfrancesco Guarnieri
Izaías Almada
Lima Duarte
Marília Medalha
Milton Gonçalves
Nenê
Sylvio Zilber
Vanya Sant'Anna
Zezé Motta
Produção
Myrian Muniz
Montagem
Antonio Ronco
Obras 1
Espetáculos 8
Fontes de pesquisa 15
- ARENA conta Zumbi. São Paulo: Teatro de Arena, 1965. 1 programa do espetáculo realizado no Teatro de Arena.
- BOAL, Augusto. 'O Sistema Coringa'. In: BOAL, Augusto; GUARNIERI, Gianfrancesco. Arena conta Tiradentes. São Paulo: Sagarana, 1967. Republicado In: BOAL, Augusto. Teatro do oprimido e outras poéticas políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1977.
- BOAL, Augusto. Teatro do Oprimido e Outras Poéticas Políticas. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1980.
- CAMPOS, Cláudia de Arruda. Zumbi, Tiradentes e outras histórias contadas pelo Teatro de Arena de São Paulo. São Paulo: Perspectiva: Edusp, 1988.
- MAGALDI, Sábato. Moderna dramaturgia brasileira. São Paulo: Perspectiva, 1998.
- MAGALDI, Sábato. Um palco brasileiro: o Arena de São Paulo. São Paulo: Brasiliense, 1984. (Tudo é história, 85).
- MAGALDI, Sábato; VARGAS, Maria Thereza. Cem anos de teatro em São Paulo (1875-1974). São Paulo: Senac, 2000.
- MICHALSKI, Yan. O palco amordaçado: 15 anos de censura teatral no Brasil. Rio Janeiro: Avenir, 1981.
- MICHALSKI, Yan. O teatro sob pressão: uma frente de resistência. Rio de Janeiro: Zahar, 1985.
- MOSTAÇO, Edelcio. Teatro e política: Arena, Oficina e Opinião. São Paulo: Proposta, 1982.
- Montenegro Talents. Atores, Cantores, faixa 70 anos, Negros. Zezé Motta. Montenegro Talents. Rio de Janeiro. Disponível em: https://montenegrotalents.com.br/talentos/zeze-motta/. Acesso em: 18 out. 2022.
- ROCHA, Elaine Pereira. Milton Gonçalves - Memórias históricas de um ator afro-brasileiro. São Paulo: e-Manuscrito, 2019. pp. 268-270.
- ROSENFELD, Anatol. O mito e o herói no moderno teatro brasileiro. 2. ed. São Paulo: Perspectiva, 1996.
- TEATRO de Arena. Dyonisos, Rio de Janeiro, n. 24, 1978.
- ZILBER, Sylvio. [Currículo]. Enviado pelo artista em: 2 out. 2017.
Como citar
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ARENA Conta Zumbi.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/evento391941/arena-conta-zumbi. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7