Rodrigo Lefèvre
Texto
Biografia
Rodrigo Brotero Lefèvre (São Paulo, São Paulo, 1938 - Guiné-Bissau, África, 1984). Arquiteto, urbanista e professor. Ingressa na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo (FAU/USP), em 1957. No ano seguinte, vence o Concurso de Decoração dos Salões do Jardim de Inverno para o restaurante Fasano, no Conjunto Nacional, São Paulo, juntamente com Sérgio Ferro (1938), com quem inicia parceria. Três anos depois, Flávio Império (1935-1985) se integra ao ateliê, no qual trabalham coletiva ou individualmente, desenvolvendo textos e projetos de arquitetura, urbanismo, cenografia e programação visual, cujo impacto leva a revista Acrópole a lhes dedicar um número especial em 1965. A parceria marca sua produção individual, mesmo depois de desfeito o grupo, nomeado posteriormente Arquitetura Nova, cujas bases são lançadas no texto Proposta para um Debate: Possibilidade de Atuação (1963).
A casa Juarez Brandão Lopes (São Paulo, 1968) é o último projeto do grupo, que se dissolve em 1970 com a prisão de Lefèvre e Ferro, membros da Ação Libertadora Nacional (ALN)1 desde 1968. Durante a prisão, Lefèvre estabelece novas parcerias com os arquitetos Nestor Goulart Reis Filho (1931), Ronaldo Duschenes (1943) e Félix Alves de Araújo. Nos anos 1970, continua as pesquisas iniciadas com o grupo e apresenta a dissertação Projeto de um Acampamento de Obras: Uma Utopia (1976-1981). Em 1972, é contratado pela Hidroservice Engenharia de Projetos Ltda. para atuar no Departamento de Arquitetura, que começa a dirigir em 1973. A experiência como assalariado o faz refletir sobre a prática profissional e docente, resultando no texto Notas de um Estudo sobre Objetivos do Ensino da Arquitetura e Meios para Atingi-los em Trabalho de Projeto (1977). Desde 1962, quando se torna instrutor de ensino do Departamento de História de Arquitetura da FAU/USP, se dedica à docência. Participa do 2º Fórum de Ensino da FAU/USP (1968) e transfere-se para o Departamento de Projeto. Em 1968, Lefèvre, Ferro e os arquitetos Mayumi e Sérgio de Souza Lima, ao lado dos sociólogos Francisco de Oliveira (1933) e Gabriel Bolaffi, criam uma proposta alternativa ao ensino da FAU/USP e FAU/UnB, implementada pela Faculdade de Arquitetura e Urbanismo de Santos (Faus). A experiência termina em 1970 com a prisão de professores. Durante a detenção, é demitido da FAU/USP por excesso de "faltas".
Em 1975, muda-se para Grenoble, França, colaborando com a socióloga Françoise Du Boisberrange na Unité Pedagogique d´Architecture, e escreve Notes Sur le Travail de Projet dans une École d´Architecture (1976). É readmitido pela FAU/USP em 1977 e participa da comissão de reestruturação do ensino, que dá origem ao Relatório 1977, do qual é redator e, no ano seguinte, do Fórum de 1978. Ainda em 1977, começa a dar aulas na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Pontifícia Universidade Católica de Campinas (PUC/Campinas), onde fica até 1979. Retorna à FAU/USP em 1981 e é eleito vice-diretor, cargo que ocupa até 1982, quando se muda para a Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Fundação de Ensino de Belas Artes de São Paulo. Em 1983, encerra sua atividade docente, mudando-se para a Guiné-Bissau, na África, encarregado pela Hidroservice de implantar o Projeto de Formação de Pessoal e de Gestão dos Serviços de Saúde. Morre no ano seguinte num acidente de carro. É homenageado com números especiais das revistas Espaço & Debates e Novos Estudos Cebrap, em 1984 e 1985, respectivamente.
Análise
Apesar de ter se formado durante a construção de Brasília na FAU/USP, Rodrigo Lefèvre não compartilha com a maioria dos arquitetos de sua geração o entusiasmo com o programa desenvolvimentista encampado pelo governo de Juscelino Kubitschek (1956-1960). Sua crítica ao programa é formulada com Sérgio Ferro (1938) e Flávio Império (1935-1985), com base em um conjunto de experiências que marcam profundamente a carreira dos três arquitetos e que tem como questões centrais a democratização da produção e do consumo da arquitetura no país.
Ainda estudante, Lefèvre vivencia ao lado de Ferro as péssimas condições de vida e trabalho dos operários nos canteiros de obra da nova capital, onde realizam os edifícios São Paulo e Goiás (1960-1961). Os dois arquitetos - discípulos de Vilanova Artigas (1915-1985) - constatam a precariedade da indústria de construção civil, flagrante em Brasília. Essa deficiência é confirmada por Ferro durante as obras da casa Boris Fausto (São Paulo, 1961), levando-o a buscar alternativas para superar o atraso e a desigualdade do país por meio da modernização da construção civil. Uma proposta é formulada no ateliê dos arquitetos e testada no cenário da peça Morte e Vida Severina (1960) e nas casas Simão Fausto (Ubatuba, 1961) e Bernardo Issler (Cotia, 1961) e radicalizada após o Golpe Militar de 1964. Ela tem como premissa a aposta na produção manufaturada da arquitetura por meio da racionalização de materiais e técnicas construtivas muito simples, disponíveis no mercado da construção civil e acessíveis à maioria da população. Tomando a carência não como obstáculo, mas como fator constituinte da obra, tal como faziam os propositores do cinema novo, os arquitetos declaram no artigo Proposta Inicial para um Debate: Possibilidade de Atuação (1963):
"Assim é que do mínimo útil, do mínimo construtivo e do mínimo didático necessários tiramos, quase, as bases de uma nova estética que poderíamos chamar a 'poética da economia', do absolutamente indispensável, da eliminação de todo o supérfluo, da 'economia' de meios para a formulação da nova linguagem, para nós, inteiramente estabelecida nas bases da nossa realidade histórica."2
A expressão arquitetônica dessa proposta, há um tempo técnica, estética e ética, é sintetizada pela abóbada, sistema construtivo econômico que utiliza materiais prosaicos, facilmente manejados pelos operários - como tijolos, vigotas pré-fabricadas de concreto armado e madeira - e transparece nas instalações aparentes e nas paredes sem revestimento. Testado inicialmente na casa Bernardo Issler, o sistema é aprimorado por Lefèvre nas residências Pery Campos (São Paulo, 1970), em coautoria com Nestor Goulart Reis Filho (1931); Dino Zammattaro (São Paulo, 1970), em colaboração com Ronaldo Duschenes (1943) e Félix Alves de Araújo; e Carlos Ziegelmeyer (Guarujá, 1972).
Em seu mestrado, Projeto de um Acampamento de Obra: uma Utopia (1981), Lefèvre retoma essas experiências, reafirmando o compromisso com o trabalho coletivo, a democratização do conhecimento e a transformação das relações de produção no campo da arquitetura, propondo um canteiro-escola em que a autoconstrução de habitações populares é pensada como uma forma futura de conscientização dos construtores e como integração entre teoria e prática, próxima ao método pedagógico do educador Paulo Freire (1921-1997).
O engajamento permanente do arquiteto em sua carreira é visível ao participar dos debates sobre a produção do espaço urbano, como atesta o texto Notas sobre o Papel dos Preços e dos Terrenos em Negócios Imobiliários de Apartamentos e Escritórios na Cidade de São Paulo, publicado na coletânea A Produção Capitalista da Casa (e da Cidade) no Brasil Industrial, organizada por Ermínia Maricato, em 1979. Por outro lado, também é claro seu embate com a assimilação das suas propostas pela elite paulista, vistas como uma expressão arquitetônica moderna a mais, desprovidas de seu conteúdo político, tal como revelam as residências Thomas Farkas (Guarujá, 1971), em coautoria com Duschenes e Paulo Madeira; e Frederico Brotero (São Paulo, 1971), projetada com Araújo. Trabalhando como arquiteto assalariado na Hidroservice Engenharia de Projetos Ltda. desde 1972, Lefèvre experimenta a contradição entre seu discurso e a atuação numa empresa comprometida com o projeto de modernização que ele criticava no início da carreira. Isso fica evidente ao participar de projetos de grande porte, como a sede do Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (DNER), em 1972, em Brasília, e o Instituto dos Ambulatórios do Hospital das Clínicas (1973), em São Paulo. Recusando-se agora a abandonar a sua atuação como arquiteto em seu compromisso de construir o país, mas já consciente de seus limites, Lefèvre aproveita a experiência para denunciar o processo de proletarização da profissão e ao mesmo tempo apontar as possibilidades de se estabelecer uma dimensão mais coletiva e democrática, ao menos no âmbito do projeto. Nesse sentido, o arquiteto "deveria arrefecer o subjetivismo do processo criativo, esclarecer as suas escolhas e estabelecer um trabalho concreto de cooperação com os profissionais de outras áreas, reconhecendo o seu papel dentro de um processo produtivo, que envolve várias áreas de conhecimento, várias etapas de concepção e de produção da obra."3
São essas questões que dão sentido ao seu trabalho na Hidroservice, como revela o seu depoimento no evento Arquitetura e Desenvolvimento Nacional, promovido pelo Departamento Paulista do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB/SP), em 1978, e que o animam a repensar o ensino da arquitetura como revela o artigo Notas de um Estudo sobre Objetivos do Ensino da Arquitetura e meios para Atingi-los em Trabalho de Projeto.
Notas
1. Organização revolucionária de esquerda, criada em 1967, que participa da luta armada contra a ditadura militar implantada no Brasil em 1964.
2. FERRO, Sérgio; LÉFEVRE, Rodrigo. Proposta inicial para um debate: possibilidade de atuação, In: Encontros GFAU 63, São Paulo, GFAU, 1963.
3. KOURY, Ana Paula. Grupo Arquitetura Nova: Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro. São Paulo, Romano Guerra Ed./Edusp/Fapesp, 2003, p. 107. IN: GUIMARÃES, H. P. Rodrigo Brotero Lefèvre: a construção da utopia. 2006. 206f. Dissertação (Mestrado) - Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, São Carlos, 2006, p. 81.
Espetáculos 2
Espetáculos de dança 1
Fontes de pesquisa 8
- ARANTES, Pedro Fiori. Arquitetura nova: Sérgio Ferro, Flávio Império e Rodrigo Lefèvre, de Artigas aos mutirões. São Paulo: Editora 34, 2004. 254 p., il. p&b.
- ARENA conta Zumbi. São Paulo: Teatro de Arena, 1965. 1 programa do espetáculo realizado no Teatro de Arena. Não catalogado
- BUZZAR, Miguel Antonio. Rodrigo Brotero Lefèvre e a idéia de vanguarda. 2001. 409 f. Tese (Doutorado em Estruturas Ambientais Urbanas) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2001.
- GUIMARÃES, Humberto Pio. Rodrigo Brotero Lefèvre, a construção da utopia. 2006. 204 f. Dissertação (Mestrado em Arquitetura e Urbanismo) - Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
- KOURY, Ana Paula. Grupo Arquitetura Nova: Flávio Império, Rodrigo Lefèvre e Sérgio Ferro. São Paulo: Edusp: Fapesp: Romano Guerra, 2003. 136 p., il. p&b. (Olhar arquitetônico, 1).
- ROCHA, Angela Maria. No Horizonte do Possível. AU/Arquitetura e Urbanismo, São Paulo, n. 18, p. 82-87, jun./jul. 1988.
- TEIXEIRA, Isabel (Coord.). Arena conta arena 50 anos. São Paulo: Cia. Livre da Cooperativa Paulista de Teatro, [2004]. CDR792A681
- TODO Anjo É Terrível. São Paulo: Teatro Oficina Uzyna Uzona, [1962]. 1 programa do espetáculo realizado no Teatro Oficina.
Como citar
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RODRIGO Lefèvre.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa438187/rodrigo-lefevre. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7