Escola de Arte Dramática (EAD)
Texto
Histórico
Instituição fundada por Alfredo Mesquita (1907-1986), em São Paulo, em 1948, voltada para a formação de profissionais de teatro – especialmente atores. Estabelecendo-se como paradigma do ensino teatral nacional, a partir de então permanece sob a direção de seu fundador, até 1968. É em seguida incorporada à Universidade de São Paulo (USP) e sofre reformulações para adaptar-se às mudanças da sociedade e do teatro, sendo, até os anos 2010, uma das principais instituições de formação de atores no Brasil.
A Escola de Arte Dramática (EAD) surge como uma iniciativa empreendida na década de 1940 para a renovação do teatro brasileiro. Até esse momento, dominam o panorama teatral, de um lado, as companhias lideradas por grandes estrelas - como Procópio Ferreira (1898-1979) e Dulcina de Moraes (1908-1996) e, de outro, o teatro de revista. Nesse contexto, mais do que os personagens e a dramaturgia, destacam-se o carisma e a capacidade de improvisação dos protagonistas. Além disso, pouco se ensaia, não se decoram textos (o ponto “sopra” em voz baixa as falas para os atores) e a preocupação artística é menor do que a comercial.
Nascem assim, em oposição a esse cenário, grupos amadores como o Teatro do Estudante do Brasil (TEB), liderado por Paschoal Carlos Magno (1906-1980), no Rio de Janeiro, e o Grupo de Teatro Experimental, liderado por Alfredo Mesquita, em São Paulo. A EAD surge com o objetivo de criar um “novo ator para um novo teatro”,1 que valoriza a dramaturgia e a qualidade da encenação. Também desse esforço de renovação nasce, pouco depois, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC).
Para as atividades da escola, Mesquita se baseia em cursos que realiza na França e nos Estados Unidos, vasta bibliografia, centenas de espetáculos vistos no Brasil e na Europa e em sua experiência como diretor amador. Há também uma forte influência dos diretores franceses Jacques Copeau (1879-1949) e seus discípulos Gaston Baty (1885-1952) e Louis Jouvet (1887-1951), de quem Mesquita é aluno em curso na França e cujo teatro se caracteriza pelo respeito ao texto, o aprofundado trabalho como ator para a criação de seu personagem e o acabamento do espetáculo.
A EAD surge como escola particular, de ensino médio, ficando a maioria dos custos a cargo do próprio Mesquita (principalmente até o fim da década de 1950, quando a escola passa a receber um pequeno auxílio financeiro do governo do estado de São Paulo e pode contratar outros professores). Nos primeiros meses, funciona à noite no Externato Elvira Brandão (o horário noturno, aliás, é mantido nas décadas seguintes, criando-se inclusive a tradição da sopa que, servida antes das aulas, dá ensejo à confraternização de alunos e professores). Passa em 1949 para o prédio do TBC.
Em 1952, a escola ganha sede própria, na Rua Maranhão, e, na década de 1960, ocupa o prédio do Liceu de Artes e Ofícios (onde atualmente se encontra a Pinacoteca do Estado de São Paulo), até se mudar, no começo dos anos 1970, para as instalações da Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo (ECA/USP).
Há na EAD, na gestão de Mesquita, um inabalável compromisso com a disciplina e o aprimoramento técnico e cultural dos alunos. Pode-se dizer que a linha de ensino, nesse período, segue a intuição do seu fundador e professores, uma vez que, na época, não existem parâmetros pedagógicos estruturados para uma escola de teatro. Predominam o espírito empreendedor de Mesquita, a abnegação dos professores (que, nos três primeiros anos da escola, nem sequer recebem salários), o empirismo para a montagem do currículo (experimentando-se de ano para ano o que dá certo) e, acima de tudo, o desejo de oferecer ao teatro brasileiro um novo padrão de atuação.
Tal cenário faz com que a EAD, já na década de 1950, supere as mais otimistas expectativas e forneça pessoal para diversas companhias, como o TBC, o Teatro dos Sete e o Teatro de Arena, criado pelo também aluno José Renato (1926-2011). Além de atores, são formados nas décadas de 1950 e 1960 diretores, como o próprio José Renato e Celso Nunes (1941), e dramaturgos, como Jorge Andrade (1922-1984), Renata Pallotini (1931) e Lauro César Muniz (1938).
Passam pela escola nos primeiros anos, como professores ou diretores convidados para a encenação de espetáculos com os alunos, alguns dos profissionais que capitaneiam o salto qualitativo do teatro nacional em meados do século XX: Ruggero Jacobbi (1920-1981), Alberto D’Aversa (1920-1969), Gianni Ratto (1916-2005), Luís de Lima (1925-2002) e Maurice Vaneau (1926-2007); alguns dos principais nomes da primeira geração de encenadores brasileiros, como Antunes Filho (1929), Ademar Guerra (1933-1993); e estudiosos como Décio de Almeida Prado (1917-2000), Anatol Rosenfeld (1912-1973) e Sábato Magaldi (1927-2016).
Desde o início, o currículo é fundamentado num tripé: formação cultural, técnica e montagem de espetáculos. O primeiro item inclui matérias como história do teatro, literatura e literatura dramática. A técnica é transmitida por meio de dois eixos: expressão corporal e técnicas de voz, que inicialmente, devido à carência, não apenas brasileira, de estudiosos sobre o tema e de professores, têm de ser construídas praticamente do zero. Destacam-se como professora de expressão corporal Chinita Ullman (1904-1977), bastante influenciada pelas ideias do bailarino eslovaco Rudolf Laban (1879-1958); e como mestres de técnicas vocais Maria José de Carvalho e Mylène Pacheco.
O terceiro item do tripé básico da EAD, a interpretação exercitada por meio da montagem de cenas e espetáculos inteiros, é aquele que conta, inicialmente, com alguns dos mais importantes diretores estrangeiros radicados no Brasil e, depois, com encenadores brasileiros de diferentes estilos. Entre os que passam pela escola estão Celso Frateschi (1952) (de 1982 a 2005), José Rubens Siqueira (1945) (de 1984 a 1998), Georgette Fadel (1974) (2005) e Cristiane Paoli-Quito (1960) (de 1996 a 2010).
Quanto ao repertório, a EAD se destaca pela encenação tanto dos clássicos – teatro grego (Ésquilo, com Prometeu Acorrentado, Sófocles, com Antígone, Eurípides, com As Bacantes), classicismo francês (Molière, com diversas peças), teatro inglês elisabetano (Shakespeare, com diversas peças), grandes autores do século XIX (Anton Tchekhov, com As Três Irmãs; Ibsen, com A Sonata dos Espectros; Gorki, com Pequenos Burgueses) – quanto de peças do teatro moderno (Brecht, com diversas peças; Lorca, com Yerma; Albee, com Zoo Story; Peter Weiss, com Marat-Sade; Nelson Rodrigues, com várias peças). Há também, desde os primeiros anos da escola, atenção à dramaturgia vanguardista: é pelas montagens da EAD que chegam pela primeira vez ao Brasil textos de autores como Beckett (Esperando Godot, Ato sem Palavras) e Ionesco. A partir da década de 1990, a escola desempenha papel importante na promoção dos espetáculos criados coletivamente por meio de processos colaborativos. São exemplos disso Trinta e Três (1998), Agora Eu Sou Normal!!! (2006) e Na Retentiva da Gente (2007).
Como bom exemplo do trabalho da escola na década de 1960, pode-se citar o processo de concepção do espetáculo A Falecida, dirigido por Antunes Filho, em 1965. O diretor utiliza, ainda que de maneira embrionária, muitos dos exercícios que se tornam mais tarde marca de seu trabalho, realizando com os atores intensos laboratórios para a descoberta dos valores arquetípicos dos personagens. Alberto Guzik (1944-2010), por exemplo, no papel de um dono de funerária e, fugindo completamente à psicologia convencional do personagem, representa por meio de sua atuação, seu figurino e sua impostação vocal aspectos simbólicos da morte, da morbidez e do humor negro, transcendendo completamente o realismo. O espetáculo tem poucas apresentações, mas o resultado é surpreendente. Apesar disso, Antunes acaba saindo da escola por discordância de Alfredo Mesquita em relação ao experimentalismo de seu trabalho e a conflitos com os atores.
Já como exemplo mais recente, pode-se mencionar, entre muitos outros espetáculos, A Cozinha, em 1997, com texto de Arnold Wesker e direção de Iacov Hillel (1949). O espetáculo é fruto de minuciosa preparação dos atores e de seus movimentos em cena: trata-se quase de um balé em que os muitos personagens, trabalhadores de uma cozinha industrial, discutem seus dramas pessoais e sociais segundo um dinamismo fortemente acentuado na encenação.
Em meados da década de 1960, o aumento dos gastos torna inviável a Mesquita continuar a arcar com parte dos custos da EAD. Em 1966, tem início o processo de sua incorporação à USP, o que na prática ocorre em 1968. Nesse ano, Mesquita dá por encerrada sua participação na direção da EAD.
De 1968 a 1970, as atividades da escola são transferidas para a Cidade Universitária, mas as condições materiais são precárias. A EAD divide espaço com a ECA, ocupando o turno da noite, e certos entraves burocráticos dificultam a criação de melhores condições de trabalho para alunos e professores, o que se deve ao fato de a EAD ser uma instituição de ensino médio sediada dentro de uma universidade.
De qualquer modo, a transformação da escola de um projeto pessoal de Mesquita em instituição estatal permite a elaboração de parâmetros que, principalmente a partir do fim da década de 1980 (na gestão do ex-aluno e então diretor da EAD, Cláudio Luchesi), aperfeiçoam o ensino teatral por meio de uma sistematização da linha pedagógica a ser seguida, fartamente discutida e elaborada por todo o corpo docente. O novo cenário define de uma vez por todas a vocação fundamental da escola – a formação de atores – e assegura seu lugar como uma das mais importantes do país.
Por isso, há mais de 60 anos, a EAD forma nomes como Bertha Zemmel (1934), Francisco Cuoco (1934), Myrian Muniz (1931-2004), Aracy Balabanian (1942), Celso Nunes, Alberto Guzik, Antônio Petrin (1938), Nelson Xavier (1941), Ney Latorraca (1944), Esther Góes (1946), Luciano Chirolli (1962), Gero Camilo (1970), Paula Cohen (1974), Marat Descartes (1975), Luiz Päetow (1979), Luciana Paes (1980) e Janaína Leite (1981).
Nota
1 SILVA, Armando Sérgio da. Uma oficina de atores: a escola de arte dramática de Alfredo Mesquita. São Paulo: Edusp, 1987. p. 19.
Espetáculos 27
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
ESCOLA de Arte Dramática (EAD).
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/instituicao444355/escola-de-arte-dramatica-ead. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7