Teatro Brasileiro de Comédia (TBC)
Texto
Companhia paulistana, fundada em 1948, o Teatro Brasileiro de Comédia (TBC) tem início com os anseios do empresário Franco Zampari (1898-1966) para formar um conjunto teatral de alto nível e com repertório sofisticado. Ao empregar diretores e técnicos italianos e encenar obras fundamentais da dramaturgia internacional, o TBC colabora para a estruturação da experiência moderna no teatro brasileiro.
Após montagem de uma peça de sua autoria, em 1945, Zampari se aproxima do movimento amador paulistano. Com a escassez de salas disponíveis para as apresentações, toma a iniciativa de fundar o TBC. Com recursos próprios, aluga uma mansão na rua Major Diogo, no bairro paulistano da Bela Vista, e o reforma para abrigar a infraestrutura de um teatro.
A estreia do teatro se dá em 1948, com La voix humaine, texto do escritor francês Jean Cocteau (1889-1963) interpretado pela atriz Henriette Morineau (1908-1990), e A mulher do próximo, de Abílio Pereira de Almeida (1906-1977), apresentado pelo Grupo de Teatro Experimental (GTE) e dirigido por Alfredo Mesquita (1907-1986). Em 1949 o conjunto se profissionaliza, lançando Nick bar… Álcool, brinquedos, ambições, do dramaturgo estadunidense William Saroyan (1908-1981), com direção do italiano Adolfo Celi (1922-1986).
A contratação do encenador italiano, formado pela Academia Nacional de Arte Dramática de Silvio D'Amico, é decisiva para o futuro da companhia. Com Celi, o elenco permanente inicia um longo aprendizado técnico e artístico, pautado por elementos do teatro moderno. A contratação do também italiano Aldo Calvo (1906-1991) como cenógrafo é fundamental para a construção da identidade modernista do TBC. Cacilda Becker (1921-1969) é a primeira atriz profissionalizada a compor o elenco, seguida de artistas como Paulo Autran (1922-2007), Madalena Nicol (1917-1996), Marina Freire (1910-1974), Ruy Affonso (1920-2003), Elizabeth Henreid (1928-2006), Nydia Licia (1926-2015), Sergio Cardoso (1925-1973) e Cleyde Yáconis (1923-2013).
Os textos são escolhidos tanto por suas características técnicas, como pelo apelo do público. Na temporada de 1949, são apresentados Arsênico e alfazema, do dramaturgo estadunidense Joseph Kesselring (1902-1967), e Luz de gás, do escritor britânico Patrick Hamilton (1904-1962). Consecutivamente são apresentadas as primeiras direções do italiano Ruggero Jacobbi (1920-1981): Ele, de Alfred Savoir (1883-1934), e O mentiroso , de Carlo Goldoni (1707-1793).
A temporada de 1950 é feita de montagens primorosas assinadas por Celi, Jacobbi e Cacilda Becker, como Entre quatro paredes (Huis clos), do escritor francês Jean-Paul Sartre (1905-1980), trazendo à cena o existencialismo como pano de fundo para a atitude amoral dos protagonistas. O mesmo não se dá com A ronda dos malandros, do autor britânico John Gay (1685-1732), controvertida montagem de Ruggero Jacobbi, que abandona abruptamente a peça e marca o desligamento do diretor da companhia.
Ziembinski (1908-1978) passa a integrar o conjunto de encenadores, assinando a montagem de O homem de flor na boca, do autor italiano Luigi Pirandello (1867-1936). A importância de ser prudente, de Oscar Wilde (1854-1900), marca a estreia do diretor Luciano Salce (1922-1989) na companhia. Ainda nessa temporada, numa criação considerada antológica, Cacilda Becker interpreta um garoto de 13 anos, em Pega fogo, peça do escritor francês Jules Renard (1864-1910), composta também por Paiol velho, de Abílio Pereira de Almeida, um dos raros textos nacionais levados ao palco no primeiro ciclo do TBC.
Seis personagens à procura de um autor, de Luigi Pirandello, montagem de 1951, registra mais um trunfo de Adolfo Celi, seguida imediatamente de outra produção ambiciosa: Convite ao baile, do dramaturgo francês Jean Anouilh (1910-1987), encenação de Luciano Salce. Duas novas realizações merecem destaque: Ralé, do escritor russo Máximo Gorki (1868-1936), com Maria Della Costa (1926-2015), única produção em que a atriz atua no TBC, e A dama das camélias, de Alexandre Dumas Filho (1824-1895), grandiosa encenação de Luciano Salce para a comemoração dos três anos de existência do TBC, que ocupa o Theatro Municipal e tem Cacilda Becker como protagonista.
Em 1952, apresenta um programa com duas montagens para Antígone, tragédia clássica de Sófocles (c. 496 a.C-406): uma versão de Adolfo Celi, seguida da versão moderna de Jean Anouilh. No ano seguinte, Treze à mesa, de Marc-Gilbert Sauvajon (1909-1985), marca o retorno de Ruggero Jacobbi à direção de espetáculos na casa e a estreia do jovem Antunes Filho (1929-2019), como assistente de direção.
Em 1953, Assim é...(se lhe parece), de Luigi Pirandello, com direção de Luciano Salce, reconduz o conjunto ao sucesso e é considerado pelo crítico Décio de Almeida Prado (1917-2000) como "o melhor espetáculo que o TBC apresentou até hoje"1. Com Uma certa cabana, que marca a entrada de Tônia Carrero (1922-2018) no grupo, Franco Zampari tenta atrair um público mais amplo para suas realizações. No final do ano, o TBC é um empreendimento artisticamente consolidado, mas amarga dívidas e afastamentos, como os de Leonardo Villar (1923-2020) e o casal Sergio Cardoso e Nydia Licia (1926-2015), que criam a Companhia Nydia Licia-Sergio Cardoso.
No ano de 1954 é a vez de Mortos sem sepultura, de Jean-Paul Sartre, com direção de Flaminio Bollini (1924-1978), e Leonor de Mendonça, de Gonçalves Dias (1823-1864), dirigido por Adolfo Celi, realizações alternadas com comédias e vaudevilles sem significado maior. A crise econômica, todavia, continua rondando o empreendimento. Como alternativa, Franco Zampari abre uma sucursal do TBC no Rio de Janeiro. Pensa, desse modo, explorar mais longamente as produções.
Após um incêndio que destrói parte dos equipamentos e figurinos, a companhia retoma as encenações de 1955 com Ziembinski na direção de Volpone, de Ben Johnson (1572-1637), peça que confirma o talento de Walmor Chagas (1930-2013), e Maria Stuart, do autor alemão Friedrich Schiller (1759-1805), em um grande embate cênico entre as irmãs Cacilda Becker e Cleyde Yáconis. O ano é também marcado pela saída de Tônia Carrero, Adolfo Celi e Paulo Autran, que fundaram a própria companhia no Rio de Janeiro.
Os próximos anos serão oscilantes para o TBC. Em 1957, Rua São Luís, 27 – 8º andar, de Abílio Pereira de Almeida, é escolhido porque o autor, após triunfo de Moral em concordata, insiste com Franco Zampari para que invista no texto e entregue a encenação a Alberto D'Aversa (1920-1969), o novo diretor artístico. O sucesso da escolha adia parcialmente nova crise, mas a saída de Cacilda Becker, levando consigo Walmor Chagas para fundar o Teatro Cacilda Becker (TCB), configura-se como um novo golpe.
Em 1958, um novo momento artístico se delineia no cenário nacional com a encenação de peças de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006), que expõem a realidade brasileira. Ao insistir em privilegiar textos estrangeiros, em detrimento da pujante e engajada nova dramaturgia, Franco Zampari leva o TBC a uma incontornável crise financeira, artística e de repertório. Compõem esse quadro de crise a saída de Fernanda Montenegro (1929) em 1959, que funda o Teatro dos Sete com Sergio Britto (1923-2011), Gianni Ratto (1916-2005) e Ítalo Rossi (1931-2011).
A condução da casa é entregue a uma sociedade administradora e, em 1960, Flávio Rangel (1934-1988) assume a direção artística, sendo o primeiro diretor brasileiro à frente da companhia. Após uma injeção de verbas públicas, visando sanear as despesas, há o redirecionamento do repertório. A primeira encenação é O pagador de promessas, de Dias Gomes (1922-1999), que inaugura a fase nacionalista do TBC. Em 1961 Rangel dirige obras como A semente, de Gianfrancesco Guarnieri; A escada, de Jorge Andrade (1922-1984); em 1962, A revolução dos beatos, de Dias Gomes; e em 1964 Vereda da salvação, de Jorge Andrade, última produção da companhia.
O TBC é o empreendimento que transforma o rumo da cena cultural nacional, trazendo uma perspectiva moderna e a profissionalização no meio teatral. Colaboram para isso a criação de uma casa de espetáculos com infraestrutura organizada de produção (ateliê, guarda-roupa, marcenaria, arquivo); a visão de que o treinamento e a formação do ator devem estar atrelados ao conceito do espetáculo; e a simbiose entre divertimento e cultura, em produções de qualidade, sem que se perca de vista a saúde financeira da companhia.
Nota
1. PRADO, Décio de Almeida. Revista Anhembi, n. 36, v. 12, nov. 1953.
Espetáculos 114
Fontes de pesquisa 7
- GUZIK, Alberto. TBC: crônica de um sonho. São Paulo: Perspectiva, 1986.
- GUZIK, Alberto; PEREIRA, Maria Lúcia (Org.). Teatro Brasileiro de Comédia. Dionysos, Rio de Janeiro, n. 25, set. 1980. Edição especial.
- PRADO, Décio de Almeida. Exercício findo: crítica teatral (1964-1968). São Paulo: Perspectiva, 1993. (Coleção debates; 199).
- PRADO, Décio de Almeida. O teatro brasileiro moderno. 2.ed. São Paulo: Perspectiva, 1996. (Debates, 211).
- PRADO, Décio de Almeida. Teatro em progresso: crítica teatral, 1955-1964. São Paulo: Martins, 1964.
- ______. Depoimento. In: DEPOIMENTOS II. Rio de Janeiro: Serviço Nacional de Teatro, 1977. p. 32-54.
- ______. Sobre o Teatro Brasileiro de Comédia, in Teatro Brasileiro, nº 2, dezembro de 1955, reproduzido in DYONISOS, nº 25, Rio de Janeiro, SNT-MEC-DAC-FUNARTE, setembro de 1980, p. 185-186.
Como citar
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TEATRO Brasileiro de Comédia (TBC).
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/grupo112774/teatro-brasileiro-de-comedia-tbc. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7