Procópio Ferreira
Texto
Procópio Ferreira (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1898 - idem, 1979). Ator. Narigudo, baixinho e sem pescoço, o antigalã interpreta não apenas os principais coadjuvantes cômicos, como, com seu lugar de primeiro ator do teatro brasileiro de seu tempo, leva os autores a escreverem inúmeras peças para um protagonista interpretado no melhor estilo Procópio: o cômico inteligente que arma confusões, o feioso esperto que termina com a moça bonita. Dono de uma riqueza vocal rara, que ele usa nas mínimas nuances, o ator dá vida a cerca de 500 personagens.
Estuda na Escola Modelo Afonso Pena e em seguida ingressa na Faculdade de Direito, que não chega a concluir; matriculando-se em segredo na Escola Dramática Municipal, é expulso de casa pelo pai. Em 1916, ingressa na companhia de Lucília Peres e estréia em Amigo, Mulher e Marido, de Robert Flers e Gaston de Caillavet. No Politeama do Méier, atua em operetas e revistas. No ano seguinte ingressa na Companhia Dramática Nacional (CDN), de Itália Fausta (1879-1951). Em 1919, passa para a Companhia de Operetas do Teatro São Pedro e, em 1920, para a companhia de comédias de Alexandre Azevedo e Antônio Serra, com atores portugueses.
Seu ingresso no Teatro Trianon se dá por meio do convite para integrar a Companhia Brasileira de Comédia, organizada por Viriato Corrêa, o empresário Nicolino Viggiani e Oduvaldo Vianna (1892-1972), responsável pela direção artística. Atua em Onde Canta o Sabiá, de Gastão Tojeiro (1880-1965), em 1921, entre outros, geralmente com direção de Oduvaldo Vianna. Começa a ter êxito no papel de fogueteiro na comédia A Juriti, de Viriato Corrêa (1884-1967), 1922, gênero que abraça a partir de então. Com a dissolução da sociedade, um ano mais tarde, o ator decide fundar sua própria empresa, aos 26 anos. A companhia estreia em São Paulo, em 1924, com Dick, de Max Dearly, em espetáculo dirigido por Christiano de Souza. Monta em seguida Meu Bebê, de Margaret Mayor, já o primeiro sucesso financeiro do empreendimento. Ainda em 1924, estréia no Rio de Janeiro com O Tio Solteiro, de Ricardo Hichen. Em 1932, com a montagem do texto de Joracy Camargo (1898-1973), Deus lhe Pague, interpreta um inventor frustrado, que enriquece pedindo esmola na porta de uma igreja, gastando o dinheiro em champagne, caviar e amantes caras. Esse é seu maior êxito, realizando várias temporadas ao longo da carreira, num total de mais de 3.600 apresentações.
Depois de vê-lo representar, o diretor francês Louis Jouvet escreve-lhe uma carta convidando-o para viver Sganarelo, em Don Juan, de Molière (1622-1673), que ele sonha há muito tempo montar. Depois de ver Procópio em cena, não pensa em outro ator que possa interpretar a personagem. O convite não é aceito. Provavelmente porque Procópio não admite coadjuvar - é o primeiro e absoluto ator de sua companhia, em um tempo em que o carisma e a popularidade do primeiro ator garantem a fluência de público, o principal objetivo do espetáculo. Segundo o crítico Macksen Luiz (1945), ele "adaptava a seu estilo toda e qualquer peça, não tendo qualquer pudor em ajustá-la às suas características, o que explicaria o repertório eclético da companhia"1.
De Molière, interpreta O Avarento, 1940. Em Meus Oito Anos, de Casimiro de Abreu (1839-1860), faz o público rir mostrando como ficaria o poema se fosse recitado por uma garota de 8 anos, no dia de seu aniversário. Em O Bobo do Rei, de Joracy Camargo, 1931, é contratado pelo "rei do açúcar" para diverti-lo e arma muitas confusões.
Em 62 anos de carreira, Procópio atua em 461 peças. Publica quatro livros sobre a interpretação, baseado em sua própria experiência de ator e empresário.
Os homens de seu tempo escrevem muito a seu respeito. Como é o caso do autor Viriato Corrêa: "A natureza deu a Procópio a mais rica e a mais bela flama de comicidade que um ator pode ter. E é realmente inconcebível a extensão da riqueza dessa comicidade nas suas surpreendentes variações de colorido, nas suas infinitas nuances inflexivas"2.
Como o dramaturgo Raimundo Magalhães Júnior (1907-1981): "Nenhum autor teatral destes últimos 50 anos deixou de dever alguma coisa a Procópio. Mesmo os que nunca foram por ele representados, só de vê-lo no palco se sentiam estimulados a escrever peças. Porque Procópio lhes revelava uma vasta quantidade de efeitos teatrais, o valor de um gesto, de uma pausa, de uma inflexão. Ninguém declamou tão bem quanto ele em nosso teatro"3.
Procópio Ferreira mantém sua companhia em atividades até o final dos anos 50, resistindo às mudanças que tomam conta da platéia e do palco. Nos anos 1960, desfaz a companhia e trabalha como ator convidado em espetáculos como Boa Noite Betina, musical sob a direção de Gianni Ratto (1916-2005), 1962, e A Infidelidade ao Alcance de Todos, de Lauro César Muniz (1938), dirigido por Walter Avancini (1935-2001), 1966. Remonta O Avarento, de Molière, em 1969. Em 1973, monta seu texto O Vendedor de Gargalhadas, que encena até 1978.
Símbolo de uma época em que o teatro era o maior divertimento popular e gozava, ao mesmo tempo, de prestígio, Procópio Ferreira prezava a liberdade total em cena, tendo sido criado, segundo ele conta, na regra do círculo de giz: fazia-se um giz no meio do palco e, neste, só o primeiro ator dava largas à sua inventividade, mantendo-se os coajuvantes respeitosamente afastados. Para ele escreveram: Henrique Pongetti (1898-1979), Joracy Camargo, Viriato Corrêa, Raimundo Magalhães Júnior, Dias Gomes (1922-1999), Pedro Bloch (1914-2004), Guilherme Figueiredo (1915-1997), entre os 27 autores brasileiros que o ator encena.
O crítico Décio de Almeida Prado (1917-2000) registra as diferenças de idéias e princípios entre o grande ator e os modernistas que o procederam: "Por quase três décadas ele reinara inconteste - o ator mais engraçado de um teatro que se queria unicamente cômico. Recebera inclusive a mais alta homenagem prestada aos seus grandes homens pela opinião pública brasileira - perdera o sobrenome. Quando se falava em Procópio, ninguém tinha dúvidas de que se tratava naturalmente de Procópio Ferreira. Pois eis que de repente chegávamos nós, com outras idéias, outros métodos, outra dicção cênica, outra concepção de teatro. No mesmo ano - 1948 - em que ele fazia cinquenta, inaugurava-se, fruto de um decênio de esforço amador, o TBC. [...] Tudo o afastava, no entanto, do teatro moderno, desde a obrigação de decorar o papel, até a idéia ridícula de que o ator necessitava de alguém - o encenador - para o guiar na criação do papel. Ele se fizera no palco e ao contato com o público, os únicos mestres que reconhecia como legítimos"4.
Notas
1. LUIZ, Macksen. Um estilo pessoal. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 9 de dezembro de 1999, Caderno B, páginas 1 e 2.
2. CORRÊA, Viriato. Procópio. A Noite, Rio de Janeiro, 01 de abril de 1944.
3. MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Meu Amigo Procópio. Revista de Teatro, Rio de Janeiro, julho-agosto de 1979, página 3.
4. PRADO, Décio de Almeida: Peças, Pessoas, Personagens. São Paulo: Cia. das Letras,1993, p. 43, 44.
Espetáculos 108
Fontes de pesquisa 4
- BARCELLOS, Jalusa. Procópio Ferreira, O Mágico da Expressão. Rio de Janeiro, Funarte, s/data.
- COMPANHIA Procópio Ferreira. Rio de Janeiro: Funarte / Cedoc. Dossiê Grupos e Companhias.
- FERREIRA, Procópio. Procópio Ferreira Apresenta Procópio. Rio de Janeiro, Ed. Rocco, 2000.
- FERREIRA, Procópio. Rio de Janeiro: Funarte / Cedoc. Dossiê Personalidades Artes Cênicas.
Como citar
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PROCÓPIO Ferreira.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa8154/procopio-ferreira. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7