Maysa

Maysa, 1959
Texto
Biografia
Maysa Figueira Monjardim (São Paulo, São Paulo, 1936 - Niterói, Rio de Janeiro, 1977). Cantora, compositora, atriz. Toca violão em festas familiares e compõe seu primeiro samba, Adeus, aos 12 anos, registrado mais tarde em seu disco de estreia, em 1956. Aos 18 anos casa-se com André Matarazzo (1919-1964), com quem tem seu único filho, o diretor de cinema e televisão Jayme Monjardim (1956).
Incentivada pelo jornalista Roberto Côrte Real (?-1988) grava o primeiro disco autoral, Convite Para Ouvir Maysa (1956). Por imposição do marido, não pode se vincular ao meio artístico, por isso seu rosto não aparece na capa do disco e a renda obtida é revertida a caridade. Em 1957, apresenta pela TV Record um programa exclusivo e grava seu segundo disco, com suas canções “Ouça”, “Escuta Noel”, e de outros compositores, como “Se todos fossem iguais a você”, de Tom Jobim (1927-1994) e Vinícius de Moraes (1913-1980). Apresenta-se nas boates paulistanas Oásis e Cave. Aos poucos, o caráter beneficente de sua obra dá lugar a carreira profissional, o que leva seu casamento ao fim.
É premiada com o Troféu Roquette Pinto de cantora revelação (1957) e melhor cantora do ano (1958). Em 1958, lança Convite Para Ouvir Maysa nº 2 – que traz o samba-canção “Meu Mundo Caiu”. Participa de quatro filmes, entre os quais O Cantor e o Milionário (1958) e O Batedor de Carteira. Em 1959 grava Maysa é Maysa... É Maysa... É Maysa, LP com as canções “A felicidade” e “Eu sei que vou te amar”, de Tom Jobim e Vinícius de Moraes, entre outras.
Em 1960, lança o disco Voltei. Na mesma época, faz um concerto em Tóquio, sendo a primeira artista brasileira a se apresentar na televisão japonesa. Faz temporada na boate Blue Angel, em Nova York, e assina contrato com a Columbia, com o álbum Maysa Sings Songs Before Dawn. De volta ao país, aproxima-se dos compositores da bossa nova, e grava o LP Barquinho (1961).
Em 1962, faz temporada em Buenos Aires e lança o LP Canção do Amor Mais Triste. Casada pela segunda vez com o empresário belgo-espanhol Miguel Azanza, vive em Madri entre 1963 e 1965. Com o marido, cria a produtora Guelmay. Em 1966, participa do 2o Festival da Música Popular Brasileira, produzido pela TV Record, no qual defende “Amor-paz”, parceria com Vera Brasil (1932-2012). Participa do 1o Festival Internacional da Canção, com “Dia das Rosas”, de Luiz Bonfá (1922-2001) e Maria Helena Toledo (1937-2010).
No final da década de 1960, participa de shows na TV italiana e, convidada pelo maestro Ennio Morricone, grava dois temas para a trilha sonora do filme A Qualquer Preço (Ad Ogni Costo). Defende “Ave Maria dos Retirantes”, de Alcyvando Luz (1937-1998) e Carlos Coqueijo (1924-1988), na 4a edição do Festival da Música Brasileira.
Em 1969, volta ao Brasil e apresenta a série Maysa Especial, na TV Tupi e a temporada de shows A Maysa de Hoje no Canecão, origem do disco Canecão Apresenta Maysa. ). Em 1970, lança Ando Só Numa Multidão de Amores, cuja capa, uma foto reticulada em preto e branco com os olhos verdes da cantora destacados, causa frisson na época. Em 1971, interpreta a peça Woyzeck, de George Büchner (1813-1837), da qual também é produtora. Atua na novela O Cafona (1971), da Rede Globo, e depois em Bel-Ami (1972), na TV Tupi. Durante seus últimos anos de vida, divide-se entre a pintura, a escultura e algumas aparições na TV. Faz sua última temporada oficial em 1975, na boate Igrejinha, em São Paulo.
Análise
Com uma vida particular tumultuada e devassada pela imprensa, a obra de Maysa se confunde com sua persona, em constante conflito emocional, enfrentando a depressão e o alcoolismo. Conhecida como intérprete de canções de “fossa” ou “dor de cotovelo”, seu repertório inclui boleros passionais de Jair Amorim (1915-1993) e Evaldo Gouveia (1930). Destaca-se nos anos 1950 como principal compositora de samba-canção, ao lado de Dolores Duran. O gênero romântico, influenciado pelo bolero, aborda a temática das paixões e amores acabados, da solidão, do indivíduo perdido em meio à existência – como no samba-canção “O que” (1957), de sua autoria:
O que eu estou procurando
No vago aflita olhando
De canto em canto buscando
O que...
Muitas das críticas a sua obra tendem a enfatizar suas composições como reflexo de seus fracassos amorosos. Entre elas “Ouça” (1957), que prenuncia o fim de seu casamento. Apesar da ligação entre vida e obra, o aspecto melancólico que assume já se faz presente na tradição da canção popular das décadas anteriores – os chamados sambas de meio de ano, que contrastam com o tom efusivo dos sambas carnavalescos. Maysa, crescendo sintonizada com a música do rádio e do cinema, recebe estas influências românticas, perceptíveis desde “Adeus” (1956), composição da adolescência, quase infantil, mas que ganha roupagem densa ao ser gravada, com os arranjos do maestro da RGE, Rafael Puglielli. Este disco de estreia, com composições só suas, marca também a inserção da RGE, que até então grava apenas publicidade, no mercado fonográfico.
O samba-canção não figura exclusivamente entre os gêneros explorados pela cantora. Sua voz “quente e sedutora”, como define a contracapa do álbum de estreia nos Estados Unidos, favorece que ela transite também pelo samba com pitadas de cool jazz da Bossa Nova, e se torne uma das primeiras divulgadoras do movimento no Brasil e no exterior.Há uma continuidade do universo sonoro do samba-canção na década de 1960, que não é descartado com a invenção da Bossa Nova. Isto justifica, em parte, que Maysa consiga fazer a ponte entre os dois estilos, cristalizando os padrões estéticos na orquestração da música popular gravada, que se definem na primeira metade do século XX.
Seu repertório também abarca a canção norte-americana e francesa (é muitas vezes comparada a Édith Piaf), e revisita clássicos do cancioneiro nacional das décadas anteriores, como “Chão de estrelas” [Silvio Caldas (1908-1998) e Orestes Barbosa (1893-1966)], “Agora é cinza” (Bide e Marçal) e “Rasguei a minha fantasia” [Lamartine Babo (1904-1963)]. Ela chega a reverenciar a “velha guarda” em composições como “Escuta Noel”, homenagem ao poeta da Vila, Noel Rosa (1910-1937), um de seus ídolos.
Como intérprete, destaca-se pelo repertório cuidadosamente selecionado desde os primeiros trabalhos, acompanhados por arranjos orquestrais sofisticados. Entre suas interpretações marcantes estão “Ne me quitte pas” [Jacques Brel (1929-1978)], “Por causa de você” [Tom Jobim e Dolores Duran (1930-1959)], “Se todos fossem iguais a você” (Tom Jobim e Vinícius de Moraes), “Buquê de Isabel” [Sérgio Ricardo (1932)], “Meditação” [Tom Jobim e Newton Mendonça (1927-1960)], “Preciso aprender a ser só” [Marcos Valle (1943) e Paulo Sérgio Valle (1940)], “Tristeza” [Haroldo Lobo (1910-1965) e Niltinho Tristeza (1936)], “Canto de Ossanha” [Baden Powell (1937-2000) e Vinicius de Moraes], “Dindi e demais” [Tom Jobim e Aloysio de Oliveira (1914-1995)], “Bom dia tristeza” [Adoniran Barbosa (1910-1982) e Vinicius de Moraes].
Sua atitude transgressora e rebelde desde a adolescência, quando escandaliza o colégio de freiras com seu comportamento – do vestuário provocante ao tabagismo precoce –, marca sua obra artística. Nos anos 1960, mostra-se capaz de quebrar os próprios cânones, fazendo uma apresentação arrojada no Canecão, desde a formatação do espetáculo (que conta com trinta músicos e troca de figurinos), até o repertório, que inclui, ao lado dos clássicos de sua carreira, “Daqui Pra Frente” [Roberto Carlos (1941) e Erasmo Carlos (1941)], “Light My Fire” [banda norte-americana The Doors (1965)], em uma releitura bossa-novista, e “Pra quem não quiser ouvir meu canto” [César Roldão Vieira (1944)]. Ela também inova ao trocar as boates requintadas por um lugar considerado popular.
Conhecida por uma postura agressiva e temperamental, a cantora entra em embates com gravadoras e emissoras de televisão ao longo da carreira. Rompe contratos por não conseguir cumpri-los, devido ao alcoolismo, ou por não se identificar com a proposta e não ceder a um esquema comercial que desvirtue de seus propósitos artísticos. Por essa razão, renega a canção “História de Amor” [versão para o tema de “Love Story” (1971), de Carl Sigman (1909-2000) e Francis Lai (1932)], a qual é forçada a gravar por uma cláusula contratual com a Philips, demitindo-se logo em seguida. Uma das composições que melhor definem sua postura diante da vida e da arte é “Resposta” (1956):
E só digo o que penso, só faço o que gosto
E aquilo que creio
Se alguém não quiser entender
E falar, pois que fale
Eu não vou me importar com a maldade
De quem nada sabe.
Ao lado de outros cantores que se destacam nos anos 1950, entre os quais, Nora Ney (1922-2003), Ângela Maria (1929), Cauby Peixoto (1931-2016) e Dolores Duran, Maysa contribui para um novo padrão vocal, em que se registra um rebaixamento das tessituras. Assim, abre-se um espaço maior para cantores de vozes graves ou médio-graves, principalmente femininas, que atuam em região aguda até então. Influencia cantoras das gerações posteriores, como Ângela Ro Ro (1949), Leila Pinheiro (1960), Fafá de Belém (1956) e Simone (1949). Suas músicas são regravadas por diversos artistas, como Ná Ozetti (1958), Waleska (1941), Ney Matogrosso (1941), Alzira Espíndola (1957), Arnaldo Antunes (1960) e Filipe Catto (1987).
Obras 4
Espetáculos 2
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 4
- LENHARO, Alcir. Fascínio e Solidão: As Cantoras do rádio nas ondas sonoras do seu tempo. Luso-Brazilian Review. Wisconsin, v. 30, n 1, p. 75-84, Summer, 1993.
- MAYSA. Blog oficial da cantora. Disponível em: < http://maysamonjardimoficial.blogspot.com.br/ >. Acesso em: 11 ago. 2015.
- NAPOLITANO, Marcos. Seguindo a canção: engajamento político e indústria cultural na MPB (1959-69). São Paulo: Annablume, 2001.
- NETO, Lira. Maysa: só numa multidão de amores. São Paulo: Globo, 2007.
Como citar
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MAYSA.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa359580/maysa. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7