Newton Mendonça
Texto
Biografia
Newton Ferreira de Mendonça (Rio de Janeiro RJ 1927 - idem 1960). Compositor, pianista, violinista e gaitista. Seus pais são da cidade de Manaus. Miguel, professor de francês e inglês e militar, e Celeste, de origem pernambucana com ascendentes holandeses, toca piano e violino. Aos 2 anos, vai morar em Mato Grosso por causa do trabalho do pai, mas em 1939, com 12, volta para o Rio de Janeiro com a mãe e os dois irmãos, pois os pais estão separados. Nessa época, aprende violino e piano com a mãe. Ingressa no Colégio Militar do Rio de Janeiro (CMRJ), em regime de semi- internato. E a gaita é o instrumento que mais gosta de tocar principalmente no período em que está fora da sala de aula. Em 1940, vai morar no Bairro de Ipanema. Dois anos depois, conhece o compositor Tom Jobim (1927 - 1994). Sua amizade com Jobim, desde os 15 anos de idade, é decorrência não somente das afinidades musicais e da convivência de vizinhança, mas da prática de esportes na praia, principalmente o jogo de peteca, realizado com frequência em Ipanema, nas décadas de 1940 e 1950. Mas é nos primeiros anos da década de 1950 que começam a trabalhar juntos, de maneira formal - todas as noites Newton e Tom vão para a casa de um ou de outro para compor até de manhã.
Mendonça inicia a carreira profissional em 1950, como pianista da Orquestra do Waldemar, trompetista que faz bailes em várias boates da cidade. Assina contrato, em 1952, como pianista da boate Posto Cinco, revezando a função com Jobim. Atua também no French Can Can e na boate Tasca. O cantor Mauricy Moura (1926 - 1977) grava em 1953 a canção Incerteza, primeira música da dupla Mendonça/Jobim, no mesmo ano em que Dora Lopes registra Você Morreu pra Mim, parceria com Fernando Lobo. No mesmo ano, trabalha como pianista nas boates Mocambo e Mandarim e reveza, nesta, com o pianista e compositor Johnny Alf.
São gravadas em 1956 outras músicas de sua parceria com Jobim: Só Saudade, por Osny Silva e Cláudia Morena; Luar e Batucada (1957), Foi a Noite (1956), ambas por Sylvinha Telles. Ainda nesse ano atua como pianista em casas noturnas como Le Carroussel, Posto Cinco e nas boates do Beco das Garrafas. O cantor João Gilberto (1931) grava Desafinado, em 1959, uma das canções mais representativas da bossa nova, parceria com Jobim. No ano seguinte, mais duas composições de sua parceria com Jobim são gravadas: Meditação, pela cantora Isaurinha Garcia, e Discussão, por Sylvinha Telles.
Em 1960, João Gilberto lança o LP O Amor, o Sorriso e a Flor. Estão presentes no disco as músicas Meditação, Samba de uma Nota Só e Discussão, todas em parceria com Jobim. Sua música Seu Amor, Você se classifica em oitavo lugar no Festival do Rio - As Dez Mais Lindas Canções de Amor, no Tijuca Tênis Clube.
Morre aos 33 anos, no dia 22 de novembro de 1960, em decorrência do terceiro infarto. No mês seguinte, a Canção do Pescador vence, na interpretação do cantor Roberto Amaral (1925), a Festa da Música Popular (Guarujá, São Paulo), primeiro festival de âmbito nacional do Brasil.
Comentário Crítico
Newton Mendonça é considerado um pianista inovador, um indivíduo arredio, tímido, que prefere viver um pouco afastado do convívio social, mas interessado em tocar piano nos bares de Copacabana. Autodidata, não tem uma educação musical formal em escola ou conservatório de música, pois sua família não tem recursos financeiros e vive com dificuldades. Estuda sozinho, gosta de ler, procura ouvir de tudo e aprender com quem se dispõe a ensinar e responder às suas dúvidas. Politizado, apreciador de cinema e literatura, escreve as letras para suas composições. Ouve os clássicos da música norte-americana por meio dos discos e frequenta o cinema com Tom Jobim, pois ambos gostam de escutar as trilhas sonoras e assistir aos musicais. Entre os compositores que mais admira na época estão George Gershwin, Cole Porter, Glenn Miller.
É no Clube da Chave que o cantor santista Mauricy Moura toma conhecimento de uma de suas músicas, o samba-canção Incerteza, parceria com Tom Jobim e resolve gravá-la em 78 rpm, com o maestro Lyrio Panicali e orquestra. A canção apresenta características dos anos 1950, principalmente pela letra que narra mais um caso de amor malsucedido e tem como referência os boleros que fazem sucesso na época: "Ando à procura de alguém / Sei que não vou encontrar / pois esse alguém já perdi / sem forças para lutar".
No fim da década de 1940, Mendonça compõe uma música diferente daquela que se faz na época. Uma nova estrutura harmônica se integra a uma melodia complexa e a um ritmo de pontuações originais, interpretações diferentes e letras coloquiais. Das composições com Jobim, o samba-canção Foi a Noite, de 1956, que tem gravação de Sylvia Telles, é considerado inovador para a época. Com "arranjos simples, impecável, fornecia uma sequência harmônica que enaltecia a melodia de um modo incomum",1 ainda não é bossa nova, mas já traz o prenúncio de um novo estilo na música brasileira, que se concretiza com a batida do violão de João Gilberto.
Desafinado, também feita em parceria com Jobim, é uma das músicas emblemáticas da bossa nova. Soando como a coisa mais estranha que aparece até então na música brasileira, a primeira gravação de Desafinado, 1959 (com o cantor João Gilberto), traz o canto intimista, a letra sintética, despojada, o emprego de acordes alterados e, sobretudo, um jogo rítmico entre o violão, a bateria e a voz do cantor,2 características definidoras do estilo bossa-novista. O saxofonista Stan Getz e o guitarrista Charlie Byrd vendem, em 1962, 1 milhão de cópias do single com a versão instrumental da música Desafinado, tanto é que Tom Jobim se torna conhecido nos Estados Unidos como o compositor de Desafinado, lançando o álbum norte-americano com o título The Composer of Desafinado Plays. Os músicos de jazz são influenciados e começam a gravar versões de músicas de bossa nova.
Na música Samba de Uma Nota Só, da mesma dupla, a letra dialoga com a melodia. É uma das composições com mais integração entre texto e melodia que se conhece no repertório da música popular brasileira e tem como referência a poesia concreta. Nos dois primeiros versos da primeira parte: "Eis aqui este sambinha feito numa nota só / Outras notas vão entrar, mas a base é uma só...". Jobim e Mendonça usam apenas a nota sol na melodia (considerando a tonalidade de dó maior)3 e mudam somente a harmonia. No terceiro verso, passam para a nota dó e a letra comenta essa mudança: "Esta outra é consequência do que acabo de dizer". No quarto verso, criam uma divisão rítmica complexa, novamente sobre a nota sol (somente a última nota da frase é dó): "Como eu sou a consequência inevitável de você". Na segunda parte a melodia é construída com várias notas, sobre escalas ascendentes e descendentes: "Já me utilizei de toda a escala e no final não sobrou nada / Não deu em nada". Retomam a primeira parte da melodia, com as notas sol e dó: "E voltei pra minha nota como eu volto pra você". E para terminar: "E quem quer todas as notas: ré, mi, fá, sol, lá, si, dó / Fica sempre sem nenhuma / fique numa nota só", fechando o diálogo entre letra que descreve a melodia e a relação com o amor fiel à mulher amada. João Gilberto, Tom Jobim, Baden Powell, Sylvia Telles são os principais intérpretes dessa canção, mas existem também muitas gravações feitas no exterior com o título One Note Samba. Entre essas gravações estão as versões dos músicos Count Basie, Coleman Hawkins, Dizzy Gillespie e Errol Garner.
Um trecho dos versos da música Meditação dá nome ao disco O Amor, o Sorriso e a Flor, ao show de música popular brasileira, com produção de Ronaldo Bôscoli (1928 - 1994), e lançamento do disco de João Gilberto e a um slogan do movimento da bossa nova: "Quem acreditou / no amor, no sorriso e na flor / então sonhou, sonhou / e perdeu a paz / o amor o sorriso e a flor / se transformam depressa demais..." Quando surgem divergências ideológicas da turma da bossa nova, em meados de 1960, os defensores da arte pela arte passam a ser pejorativamente chamados de a turma do amor, do sorriso e da flor, embora, por ironia, Mendonça tenha participado de uma célula comunista da família Konder, em Ipanema.
Caminhos Cruzados, lançada em 1958 por Maysa e Sylvia Telles, tem uma trajetória surpreendente, fazendo sucesso com o registro de 1977 de João Gilberto no disco Amoroso, com arranjos de Claus Ogerman, originando inúmeras regravações: com Nara Leão (1984), Gal Costa (1992), Leila Pinheiro (1994), Zimbo Trio (1995), Zizi Possi (2001), Caetano Veloso (2001) e Milton Nascimento (2008).
Mendonça concede poucas entrevistas durante sua vida. Na revista Radiolândia, de 1960, com o título "O parceiro desconhecido de Tom", o músico diz que todas as composições em parceria com Jobim são feitas a quatro mãos. Apesar de as pessoas acreditarem que ele é o autor das letras, música e letra são compostas ao mesmo tempo. Os dois são compositores, pianistas e letristas. Thereza Hernanny Jobim, primeira esposa de Jobim, que acompanha bem de perto os primeiros passos da dupla trabalhando em sua casa, afirma que os dois sendo compositores e pianistas, compõem letra e música ao mesmo tempo.
Notas
1 SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo I: 85 anos de músicas brasileiras (1901-1957). 2. ed. São Paulo: Editora 34, 1998. p. 322.
2 SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. Op. cit., 2006. p. 27.
3 Originalmente Samba de uma Nota Só é composta na tonalidade de sol maior (G), portanto em vez de sol e dó as notas da melodia na primeira parte da música são ré e sol. As notas da melodia mudam de acordo com a tonalidade da música.
Fontes de pesquisa 11
- CABRAL, Sérgio. Antônio Carlos Jobim - Uma biografia. Rio de Janeiro: Lumiar Editora, 1997.
- CAMPOS, Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1968.
- CASTRO, Ruy. A onda que se ergueu no mar - Novos mergulhos na bossa nova. São Paulo: Companhia das Letras, 2001.
- CASTRO, Ruy. Chega de Saudade: a história e as histórias da bossa nova. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
- CEZIMBRA, Márcia; CALLADO, Tessy; SOUZA, Tárik de. Tons sobre Tom. Rio de Janeiro: Editora Revan, 1995.
- CÂMARA, Marcelo; MELLO Jorge; GUIMARÃES, Rogério. Caminhos cruzados - A vida e a música de Newton Mendonça. Rio de Janeiro, Mauad, 2001.
- JOBIM, Paulo - coordenação. Cancioneiro Jobim - vol. 1. Rio de Janeiro: Jobim Music, 2001.
- MACHADO, Cacá. Tom Jobim. São Paulo: Publifolha, 2008.
- MARKUN, Paulo, organizador. O melhor do Roda Viva. São Paulo: Cultura Marcas, 2005.
- MELLO, Zuza Homem de. Eis aqui os bossa nova. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2008.
- SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (vol. 2: 1958-1985). São Paulo: Editora 34, 1998. (Coleção Ouvido Musical).
Como citar
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NEWTON Mendonça.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa12636/newton-mendonca. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7