Ná Ozzetti
Texto
Biografia
Maria Cristina Ozzetti (São Paulo, SP, 1958). Cantora, compositora. É no ambiente familiar, onde ouve de ópera a música popular, que Ná (apelido dado por sua irmã mais nova) descobre o gosto pelo canto, ainda criança, imitando a cantora italiana Rita Pavone ou cantando com a família nos almoços de domingo. Assim como os irmãos Dante (violonista e compositor), Martha (flautista) e Marco (guitarrista), é incentivada pelos pais a estudar um instrumento. Escolhe o piano, mas não chega a se dedicar seriamente. Na era dos festivais, descobre a música brasileira, da Bossa Nova ao Iê-iê-iê, e mais tarde se interessa pelo jazz.
Aos 15 anos, atua como backing vocal da banda de Dante em festivais interescolares de música. Mas é somente durante a faculdade de Artes Plásticas, cursada na Fundação Armando Álvares Penteado - Faap, entre 1976 e 1979, que se profissionaliza como cantora. Por meio da colega e futura artista plástica Edith Derdyck, conhece Paulo Tatit, integrante do ainda desconhecido Grupo Rumo1. A banda, formada apenas por homens, procurava uma vocalista feminina. Ná Ozzetti assume o posto em 1979 e nele permanece até a dissolução do grupo, em 1992. Ao lado de bandas como Isca de Polícia, Premeditando o Breque e Língua de Trapo, o Rumo integra o movimento conhecido como Vanguarda Paulistana, que marca a cena musical independente da cidade de São Paulo nos anos 1980. Com o grupo, Ná Ozzetti grava 4 LPs, além do disco infantil Quero Passear (1988), do DVD Rumo, do CD Rumo ao Vivo (1992) e Sopa de Concha, resultado dos reencontros da banda em 2006 e 2010. Paralelamente ao trabalho com o grupo, aprofunda os estudos musicais, tendo aulas de canto lírico na Fundação das Artes de São Caetano e, mais tarde, com a cantora Claudia Mocchi. Nessa época, também começa a estudar dança, atividade que a praticaria por vários anos, além de dar aulas particulares de técnica vocal.
Em 1983, acompanhada pelo irmão Dante, começa a trilhar nos palcos sua carreira solo, oficializada em 1988 com o álbum Ná Ozzetti, vencedor do prêmio Sharp de revelação feminina na categoria MPB. O segundo disco, Ná (1994), é marcado por canções próprias, em parcerias com Itamar Assumpção (Inspiração, Só comigo e Lá vai a Ná na nave pra lá, as duas últimas com Dante Ozzetti), Luiz Tatit (Atração fatal e Nosso dia D), Edith Derdyc (Lugar) e Susana Salles (O verde que cai pro mar). O álbum, menos experimental que o anterior, com uma leitura da ária da ópera Carmen, de Bizet, conquista os prêmios Sharp de melhor disco e melhor arranjador (Dante Ozzetti) na categoria pop-rock. Em 1996, lança Love Lee Rita, só com canções de Rita Lee, o primeiro a fazer sucesso no rádio, com a faixa Modinha entre as mais tocadas. Com o CD Estopim (1999), inaugura seu selo independente (Ná Records) e dá continuidade às antigas parcerias, entre elas Canto em qualquer canto, com Itamar Assumpção, gravada por Mônica Salmaso em 1998, e Capitu, com Luiz Tatit, gravada por Zelia Duncan.
Em 2000, é premiada como melhor intérprete no Festival da Música Brasileira, promovido pela Rede Globo, cantando Show, de Luiz Tatit e Fábio Tagliaferri. O prêmio lhe rende a gravação, pela Som Livre, do disco Show (2001), que além da faixa-título traz clássicos das décadas de 1940 e 1950. Em parceria com o pianista André Mehmari, grava canções de diversas épocas e estilos no CD Piano e Voz (2005). Ainda relê o repertório de Carmem Miranda em Balangandãs (Ná Records/MCD, 2009, melhor CD de música popular no 5º Prêmio Bravo! Prime de Cultura), antes de retomar o trabalho autoral, em 2011, com o disco Meu quintal (Borandá). Nele, comemora 30 anos de carreira gravando parcerias inéditas com Luiz Tatit, Alice Ruiz, Zélia Duncan e Arthur Nestrovski, entre outros.
Análise
O estilo interpretativo de Ná Ozzetti, bastante singular, reflete as diversas influências recebidas pela cantora ao longo de sua trajetória. O canto-falado, recurso desenvolvido pelo Grupo Rumo que consiste em mimetizar, na entonação da canção, os desenhos melódicos característicos da fala, transparece ao longo de toda a sua obra. Nos primeiros álbuns, o recurso é mais evidente, em interpretações como a de Sua estupidez, de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, registrada em Ná Ozzetti (1988). Nessa gravação, a cantora alterna o canto tradicional ao falado, fazendo com que o ouvinte oscile entre o estranhamento e reconhecimento da composição. Os versos iniciais têm sua melodia totalmente alterada, quase irreconhecível, cantados sobre notas paradas com poucas variações melódicas. Pouco depois, a melodia original aparece, mas numa entonação bastante particular, cheia de portamentos (deslizes da voz entre uma altura e outra, como o que se ouve na sílaba "lhei" do verso "Não dê ouvidos à maldade alheia e creia"), um dos traços mais característicos do estilo da cantora. Novas passagens "faladas" se alternam às cantadas, até a voz explodir num canto vigoroso, a plenos pulmões, para se encerrar numa expressão coloquial, inexistente na canção original: "Viu?". Embora o canto falado perca, aos poucos, espaço no trabalho da intérprete, ele deixa marcas profundas em sua forma de cantar, que podem ser notadas nos deslizes melódicos sutis, geralmente de microtons2, que aparecem em praticamente todas as suas interpretações, mesmo nas mais líricas, sempre a lembrar o ouvinte que a voz que canta é também a voz que fala. Trata-se de um trabalho sutil, em que a expressividade aparece nos mínimos detalhes da entoação melódica, ora num ataque ligeiramente atrasado ou adiantado, ora numa nota "falada" em vez de cantada, ainda que na altura "correta".
A coloquialidade da cantora remete ainda ao estilo dos sambistas e intérpretes, como Mario Reis, Carmen Miranda, Noel Rosa, e Lamartine Babo, recuperados pelo Grupo Rumo no projeto Rumo aos antigos, que rende o disco homônimo de 1981, e no CD Sopa de Concha (2010). No trabalho de resgate de cantores e compositores do passado, a então vocalista do Rumo, que aprende a cantar música popular ouvindo e imitando Elis Regina e Maria Bethânia, percebe que seu tipo de voz e estilo se aproximam muito mais dos de Carmen Miranda. Remissões ao jeito de cantar da "pequena notável" já aparecem no samba Canjiquinha quente, de Sinhô, registrado no disco Rumo aos antigos. Nessa gravação, Ná Ozzetti brinca com a voz no registro agudo, valendo-se da mesma brejeirice de Carmen, num canto ao mesmo tempo contido e expressivo. Sua interpretação para Boneca de Piche, de Ary Barroso e Luis Iglesias, apresentada em diversos shows antes de ser registrada em Balangandãs (2009), não só transmite a mesma malandragem da gravação original, feita por Almirante e Carmen Miranda em 1938, como dá mostras do grande virtuosismo da cantora, que interpreta os dois personagens da canção (o "Nêgo" e a "Boneca da piche"), passando do registro grave para o agudo com espantosa facilidade.
Esse domínio da técnica vocal, que lhe permite passear com galhardia pela grande extensão de sua voz, de timbre inconfundível, revela clara influência do canto lírico. Tendo estudado com a cantora Claudia Mocchi durante dez anos, preparando árias de ópera para soprano lírico, Ná Ozzetti torna-se uma "cantora instrumentista", que explora com propriedade os diversos recursos técnicos e expressivos da voz. A vertente lírica da cantora aparece em diversos trabalhos, mas é principalmente em Show (2001) e em Piano e voz (2005) que ela se realiza plenamente.
O ecletismo do repertório é outro elemento bastante característico da intérprete Ná Ozzetti. Desde o primeiro álbum, a cantora opta por fundir releituras de canções já conhecidas, de diferentes épocas e estilos (como a já citada "Sua estupidez", "No Rancho Fundo", de Ari Barroso e Lamartine Babo, ou "Dois irmãos", de Chico Buarque) a composições inéditas de antigos parceiros, como Itamar Assumpção, Luiz Tatit e José Miguel Wisnik. Além disso, a cantora faz questão de participar da concepção dos arranjos, o que faz de cada disco um trabalho integralmente autoral.
Finalmente, há o aspecto cênico, que a torna inconfundível. Os gestos corporais, em que transparecem os anos de prática de dança, bem como a expressividade facial, desenvolvida já nos tempos do Rumo, em que ela parece cantar com os olhos, causam no ouvinte uma pequena frustração ao ouvir seus discos - que, mesmo sempre bem acabados, nunca trazem (nem o poderiam) o mesmo sabor da apresentação ao vivo.
Enquanto compositora, Ná Ozzetti cria melodias que fogem dos padrões convencionais das canções de consumo. Influenciada talvez por sua longa trajetória com a música experimental do Rumo, a compositora cria desenhos melódicos pouco previsíveis, que muitas vezes provocam certa estranheza no ouvinte não acostumado com essa proposta técnica e estética. Nas parcerias com Luiz Tatit, essa característica é bastante evidente, reforçada por um desejo de fugir do centro tonal ou de torná-lo ambíguo. É o que se ouve, por exemplo, em Toque de reunir, Eu voltarei, viu? e Desfile, todas gravadas no álbum Estopim. Mesmo Capitu, a parceria que mais se aproxima das canções tradicionais, chegando a ser tocada com grande frequência no rádio. Quanto à inspiração, ela vem de diversas fontes. Lá vai a Ná na Nave pra lá, por exemplo, parceria com Itamar Assumpção, foi inspirada no canto de um sabiá, que Ná Ozzetti reproduziu na melodia. Aliás, uma das características de suas parcerias com o "Nego Dito" é a alusão, nas letras de Itamar, ao próprio cantar de Ná Ozzetti. Essa é a temática da já citada Lá vai a Ná, além de Canto em qualquer canto (em que a cantora é sutilmente comparada a pássaros femininos, "pintassilga, pomba, mélroa").
Notas
1. Fundado em 1974 por um grupo de estudantes universitários, o Grupo Rumo da Música popular era composto por Hélio Ziskind (violão, flauta, sax e gaita), Akira Ueno (baixo, guitarra e bandolim), Geraldo Leite (vocal), Paulo Tatit (violão e arranjos), Gal Oppido (bateria e percussão) e Zecarlos Ribeiro (vocal). A eles se juntam mais tarde Ciça Tuccori (piano), Ná Ozzetti e Pedro Mourão (vocais).
2. Intervalo melódico menor que um semitom.
Obras 57
Espetáculos 1
Exposições 1
Fontes de pesquisa 8
- ALBIN, Ricardo Crav. Dicionário Cravo Albin de Música Popular Brasileira. Disponível em: <http://www.dicionariompb.com.br/na-ozzetti>. Acesso em: 25 set. 2011.
- BARNABÉ, Arrigo. "A voz do rumo (ou o rumo da voz)". Programa Supertônica. São Paulo, Radio Cultura FM, 22 de janeiro de 2010. Disponível em: <http://www.culturabrasil.com.br/programas/supertonica/arquivo-11/a-voz-do-rumo-ou-o-rumo-da-voz>. Acesso em: 04 out. 2011.
- BUCCI, Eugênio. "Ná Ozzetti". In: NESTROVSKI, Arthur (ORG.). Música Popular Brasileira Hoje. São Paulo: Publifolha, 2002.
- MURGEL, Ana Carolina A. de Toledo. Alice Ruiz, Alzira Espínola, Tetê Espíndola e Ná Ozzetti: produção musical feminina na vanguarda paulista. Dissertação de mestrado. Campinas, IFCH-UNICAMP, 2005.
- NÁ OZZETTI. Entrevista concedida ao site Gafieiras em 23 de fevereiro de 2008. Disponível em: <www.gafieiras.com.br>. Acesso em: 25 set. 2011.
- NÁ OZZETTI. Site oficial da artista. São Paulo, 2010. Disponível em: <www.naozzetti.com.br>. Acesso em: 23 set. 2011.
- PALUMBO, Patricia. "Na Ozzetti". In: Vozes do Brasil. São Paulo: DBA Artes Gráficas, 2002.
- Programa do Espetáculo - A Fábula de um Cozinheiro - 2000. Não catalogado
Como citar
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NÁ Ozzetti.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa12967/na-ozzetti. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7