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Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Dolores Duran

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
1930 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
1959 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
Adiléia Silva da Rocha (Rio de Janeiro RJ 1930 - idem 1959). Compositora, cantora. Inicia a carreira artística com 10 anos, participando de vários programas de calouros. Em 1942, com a morte de seu pai, profissionaliza-se e se torna a principal fonte de renda da família. Atua em radioteatro, no programa de histórias infantis Teatro da Tia Chiqui...

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Biografia

Adiléia Silva da Rocha (Rio de Janeiro RJ 1930 - idem 1959). Compositora, cantora. Inicia a carreira artística com 10 anos, participando de vários programas de calouros. Em 1942, com a morte de seu pai, profissionaliza-se e se torna a principal fonte de renda da família. Atua em radioteatro, no programa de histórias infantis Teatro da Tia Chiquinha. Aos 16 anos, falsifica a idade para assinar um contrato de crooner na boate Vogue, adota o pseudônimo Dolores Duran e, a convite de César de Alencar, integra o elenco de seu programa na Rádio Nacional.

Começa a trajetória discográfica no fim de 1951, na gravadora Star, com um LP de 78 rpm com os sambas Que Bom Será (Alice Chaves, Paulo Marques e Salvador Micelli) e Já Não Interessa (Roberto Faissal e Domício Costa), para o carnaval de 1952. Nessa época, se apresenta nas boates Cangaceiro, Baccarat, Little Club e Clube da Chave, na  da Zona Sul do Rio de Janeiro, novo centro da boemia carioca - outrora ocupado pela Lapa na região central da cidade - por onde transitam prostitutas, traficantes, desempregados, artistas, políticos e jornalistas-compositores, como Antônio Maria (1921 - 1964), Sérgio Porto, Fernando Lobo e Lúcio Rangel.

Em 1954, sua música recebe o primeiro reflexo da convivência boêmia com Antônio Maria e Sérgio Porto, e lança os sambas-canções Tradição, de Ismael Silva, e Canção da Volta, de Antônio Maria e Ismael Neto, pela gravadora Copacabana. No ano seguinte, estreia como autora, compõe Se É por Falta de Adeus, em parceria com Tom Jobim, gravada por Dóris Monteiro. Também lança o disco de 10 polegadas Dolores Duran Viaja, que reúne músicas estrangeiras no idioma original, como o bolero Sinceridad, de Gaston Perez, e a valsa Kaiser Waltzer, de Johann Strauss. Faz sucesso com A Fia de Chico Brito (1956), baião do humorista cearense Chico Anísio.

Assina, em 1957, outra música com Tom Jobim, Por Causa de Você, a única autoral do LP Dolores Duran Canta para Você Dançar (Copacabana), e um ano depois compõe Castigo e, sua última parceria com Tom Jobim, Estrada do Sol.

O LP 78 rotações com os sambas-canções A Noite de Meu Bem e Fim de Caso, interpretados pela autora, chega às lojas em 1959. Um mês depois do lançamento, no dia 24 de outubro de 1959, Dolores sofre um infarto fulminante, no apartamento que aluga em Ipanema, logo após chegar de uma jornada pelas boates de Copacabana. Ainda em 1959, são lançados os discos Esse Norte É a Minha Sorte, com baiões, xotes e forrós, incluindo Prece de Vitalina, parceria de Dolores com Chico Anísio; e o EP Dolores Duran no Michel de São Paulo.

Postumamente, ganha álbuns-tributos de Lúcio Alves (1960) e Nana Caymmi (1994); tem letras musicadas por Ribamar (Ternura Antiga, sucesso de 1961 com Tito Madi) e Carlos Lyra (O Negócio É Amar, gravada por Nara Leão); e suas composições são cantadas por Elis Regina, Frank Sinatra, Maysa e Carlos Galhardo. No cinquentenário de sua morte, em 2009, a gravadora Biscoito Fino lança o CD Dolores entre Amigos, com registros inéditos da intérprete em músicas de Billy Blanco (Mocinho Bonito), Arthur Hamilton (Cry Me a River) e outros, captados em saraus caseiros por um gravador de fio de aço (1949) e de fita (1958-1959).

 

Comentário Crítico

Segundo os pesquisadores Zuza Homem de Mello e Jairo Severiano, o período de 1946 a 1957 "funciona como uma espécie de ponte entre a tradição e a modernidade em nossa música popular". Quase toda a vida artística de Dolores Duran transcorre nesse curto espaço de tempo, também marcado pela industrialização do pós-guerra, pela chegada da televisão e do LP, pela morte de ícones que o rádio ajuda a criar a partir dos anos 1930, como Francisco Alves e Carmen Miranda, e pelo governo desenvolvimentista do presidente Juscelino Kubitschek.

A trajetória de Dolores Duran pode ser dividida entre a de intérprete e a de compositora. A primeira lhe garante a fama em vida; a segunda ganha projeção com a bossa nova, que se configura pouco antes de sua morte precoce.

Graças à afinação, desenvoltura sobre o palco e facilidade de assimilar vários idiomas, Dolores consegue se empregar como cantora no rádio, em circo e boates da zona sul carioca, como a Vogue, Beguine, Little Club, Baccarat, Acapulco, Casablanca e Montecarlo. Como intérprete, não prima por um tipo de repertório: canta jazz (Body and Soul, de Robert Sour, Edward Heyman, Frank Eyton e John Heyman), rock balada (Only You, de A. Rand e B. Rame), canções em italiano (Scapricciatiello, de A. Vento), espanhol (Ojos Verdes, de Valverde, León e Quiroga), francês (Hymne à l'Amour, de Marguerite Monnot e Edith Piaf) ou inglês (How High the Moon, de Nancy Hamilton e Morgan Lewis), além de samba, bolero, baião e samba-canção. Seu talento vocal é elogiado pela cantora norte-americana Ella Fitzgerald e pelo cantor e compositor francês Charles Aznavour, ambos de passagem pelo Rio de Janeiro nos anos 1950. Jornalistas boêmios, como Antônio Maria, Sérgio Porto, Fernando Lobo e Lúcio Rangel, asseguram seu prestígio na imprensa e na noite carioca.

Ganha a fama de cantora cool que o circuito boêmio carioca lhe atribui, mas é o sucesso que Dolores almeja. Suas primeiras gravações em disco datam de 1951 e são destinadas ao Carnaval. Consegue algum êxito dois anos depois, ao gravar A Canção da Volta, samba-canção de Ismael Netto e Antônio Maria, e os baiões assinados por Chico Anysio, como A Fia de Chico Brito. Do ex-namorado Billy Blanco grava sambas como A Banca do Distinto e Mocinho Bonito.

Como compositora, Dolores transporta o existencialismo da época e o clima intimista das boates para seus sambas-canções. A vida noturna, desilusões e aventuras amorosas lhe garantem subsídios para a criação da persona sofrida e triste, como demonstra a canção Solidão: "Ai, a solidão vai acabar comigo / Ai, eu já nem sei o que faço / O que digo / Vivendo na esperança de encontrar / Um dia um amor sem sofrimento / Vivendo para o sonho de esperar / Alguém que ponha fim ao meu tormento".Concebe uma música densa que não revela o bom humor e a alegria de sua personalidade.

Diferentemente da obra de Herivelto Martins, Antônio Maria e Lupicínio Rodrigues, em que o homem lamenta os desenganos do coração, os sambas-canções de Dolores Duran dão voz às inquietações sentimentais da mulher. Com texto coloquial, suas letras tratam de amores impossíveis, de solidão, da angústia da espera, de fracasso e arrependimento.

Ao determinar a mulher como protagonista de suas canções, ela assume um papel pioneiro na música popular brasileira. No entanto, a maior parte de sua obra respeita a ordem social de então: o homem como provedor da família e a mulher, a responsável pela maternidade e pela casa. Canções como Tome Continha de Mim e Noite de Paz definem bem como a autora vê a relação homem-mulher. O mesmo acontece em Por Causa de Você, 1959, seu maior sucesso e uma das três parcerias com Tom Jobim: "Aí, você está vendo só / Do jeito que eu fiquei, e que tudo ficou / Uma tristeza tão grande / Nas coisas mais simples que você tocou... / Olhe meu bem, nunca mais me deixe, por favor / Somos a vida, o sonho / Nós somos o amor!".

A idealização do amor e da vida a dois atinge o ápice em A Noite de Meu Bem: "Hoje eu quero paz de criança dormindo / E abandono de flores se abrindo / Para enfeitar a noite do meu bem / Quero a alegria de um barco voltando / Quero ternura de irmãos se encontrando / Para enfeitar a noite do meu bem". Mas Dolores relativiza esse mundo perfeito ao se dar conta que a espera tem seu preço: "Ah, como este bem demorou a chegar / Eu já nem sei se terei no olhar / Toda pureza que eu quero lhe dar".

Somente em algumas músicas ela se dedica a desconstruir a submissão feminina. É o que se vê em Ideias Erradas: "Eu gosto de você, mas não esqueço / De tudo quanto valho e mereço / Não pense que se você me deixar / A dor será capaz de me matar...". E em Se É por Falta de Adeus: "Se é por falta de adeus / Vá-se embora desde já", outra assinada com Tom Jobim e lançada por Dóris Monteiro, em 1955.

Com Jobim ainda compõe Estrada do Sol, de 1958, uma das raras obras em que ela festeja a alegria de amar, independentemente dos sofrimentos que vive:"É de manhã / Vem o sol / Mas os pingos da chuva / Que ontem caíram / Ainda estão a brilhar / Ainda estão a dançar / Ao vento alegre / Que me traz esta canção / Quero que você / Me dê a mão / Vamos sair por aí / Sem pensar / No que foi que sonhei / Que chorei, que sofri / Pois a nova manhã / Já me fez esquecer / Me dê a mão / Vamos sair pra ver o sol".

Dolores divide a autoria de sua obra, numericamente pequena, com poucos parceiros, como Chico Anysio, Édson França, Fernando César, Tom Jobim e Ribamar. Ribamar, pianista e seu colega mais constante (Pela Rua, Ideias Erradas, Quem Sou Eu? e Se Eu Tiver), também é responsável pela transcrição de melodias criadas e memorizadas por Dolores, afinal, ela não tinha noção de partitura.

O protagonismo que exerce na vida pessoal e artística permite comparar a intérprete Dolores a outras pioneiras que despontam na música popular décadas antes, como Chiquinha Gonzaga, Carmen Miranda e Aracy de Almeida. Mas seu vanguardismo está em colocar a mulher no centro do discurso musical. Somente a partir dos anos 1970, o eu lírico feminino volta a aparecer de forma sistemática na música brasileira, com o surgimento de compositoras como Suely Costa, Rita Lee, Joanna, Zizi Possi, Diana Pequeno e Cátia de França. Entre Dolores e essa geração, poucas artistas se aventuram, como Alaíde Costa e Maysa.

Obras 2

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Espetáculos 1

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Fontes de pesquisa 7

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  • BLANCO, Billy. Tirando de letra e música. Rio de Janeiro: Record, 1996.
  • CABRAL, Sérgio. No tempo de Ari Barroso. Apresentação Fernando Lobo; edição Almir Chediak. Rio de Janeiro: Lumiar.
  • CARVALHO, Herminio Bello de. Sessão Passatempo. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1995.
  • CASTRO, Ruy. Chega de saudade: a história e as histórias da Bossa Nova. São Paulo: Companhia das Letras, 1994.
  • MARIA, Antônio. O diário de Antônio Maria. Apresentação Joaquim Ferreira dos Santos. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002.
  • MATOS, Maria Izilda Santos. Dolores Duran: experiências boêmias em Copacabana nos anos 50. 2 ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2005.
  • MURCE, Renato. Bastidores do rádio: fragmentos do rádio de ontem e de hoje. Rio de Janeiro: Imago Editora, 1976.

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