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Música

Coisas

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 13.05.2024
1965
Coisas, o primeiro álbum solo do instrumentista, compositor, arranjador, maestro e professor pernambucano Moacir José dos Santos (1926 - 2006), é gravado nos estúdios da RCA Victor em 23, 24 e 25 de março de 1965 e lançado em LP no mesmo ano. A obra recebe esse título porque o artista, um exímio estudioso da música erudita, se inspira na numeraç...

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Coisas, o primeiro álbum solo do instrumentista, compositor, arranjador, maestro e professor pernambucano Moacir José dos Santos (1926 - 2006), é gravado nos estúdios da RCA Victor em 23, 24 e 25 de março de 1965 e lançado em LP no mesmo ano. A obra recebe esse título porque o artista, um exímio estudioso da música erudita, se inspira na numeração dos opus da música clássica. Como suas composições se inserem na área popular, decide, então, identificar as criações como “coisas”. Dessa forma, cada “coisa” é numerada de 1 a 10, sem necessariamente obedecer a uma ordem no repertório.

As dez faixas instrumentais compostas e arranjadas pelo músico para o álbum apresentam uma fusão de jazz com ritmos afro-brasileiros. Algumas são feitas em parceria com outros músicos, como Mário Telles (1926 - 2001) – Coisa nº 10, Nanã e Coisa nº 7  –, Regina Werneck (1937) – Coisa nº 9 e Coisa nº 8 – e Clóvis Mello – Coisa nº 1.

A primeira edição do disco, pelo selo Forma, traz um texto assinado pelo produtor Roberto Quartin (1943 - 2004), que resume o seu valor histórico: “Trata-se de um músico negro escrevendo música negra e não de um garoto de Ipanema contando as tristezas da favela ou de um carioca, que nunca foi a Petrópolis, a enriquecer o cancioneiro nordestino”.

Isso porque a obra contrasta radicalmente com o tipo de música feita no Brasil na década de 1960. Se Coisas se distancia da bossa nova pelas fortes características regionais, ritmos africanos e tempos quebrados, também se mantém longe do bebop1 e do hard bop2 que se ouvem no Beco das Garrafas, tradicional reduto boêmio do Rio de Janeiro. Justamente por não se encaixar em rótulos, a sonoridade criada por Santos é uma das responsáveis pela renovação da música instrumental brasileira.

Durante os anos 1960, Moacir Santos atua também como compositor de trilhas para diversos filmes brasileiros ou filmados no Brasil, como Seara Vermelha (1963), do italiano Alberto D’Aversa (1920 - 1969), Os Fuzis (1964), de Ruy Guerra (1931), e O Beijo (1964), de Flávio Tambellini (1925 - 1976). Várias composições incluídas em Coisas nascem do trabalho nesses filmes ou são reaproveitadas neles. É o caso de Ganga Zumba, de Cacá Diegues (1940). O tema de abertura do longa é a faixa Coisa nº 5. A mais famosa composição de Moacir Santos – também chamada de Nanã – tem mais de 150 gravações diferentes, incluindo as dos jazzistas norte-americanos Herbie Mann e Kenny Burrell.

Em um passeio pelo Parque Guinle, no bairro carioca da Glória, o maestro imagina uma procissão e começa a entoar as sílabas “nã, nã, nã, nã”. Passa então a tocar a melodia ao clarinete, em companhia de Baden Powell (1937 - 2000) e Tom Jobim (1927 - 1994), em reuniões informais. Em uma delas, na casa da cantora Nara Leão (1942 - 1989), chama a atenção do cineasta Cacá Diegues, seu futuro marido. Diegues decide usar o tema em seu filme, na voz de Nara – a primeira artista a gravá-lo em versão scat singing, em seu disco de estreia, de 1964.

O compositor Vinicius de Moraes (1913 - 1980) chega a fazer alguns versos para a letra da música, mas não agrada a Moacir Santos devido ao teor “sensual”. “Nanã é uma mistura de sons onomatopaicos e ao mesmo tempo o nome de uma divindade africana, que pode ser a mãe de Nossa Senhora ou a deusa do mar, dependendo da religião”, comenta o maestro.

Cabe a Mário Telles fazer a letra definitiva da canção, gravada em 1964 por Wilson Simonal (1939 - 2000). Nesse mesmo ano, Moacir Santos – que atua como professor e acaba por influenciar grandes talentos da música brasileira, como Paulo Moura, Nara Leão, Baden Powell, João Donato (1934), Roberto Menescal (1937), Dori Caymmi (1943), Raul de Souza e Airto Moreira (1941), entre outros – passa duas composições de sua autoria para o então aluno Sérgio Mendes (1941): Nanã e Coisa nº 2. O maestro sugere dois trombones e um saxofone tenor. Surge aí o esquema original do grupo Sérgio Mendes & Bossa Rio, que grava as composições citadas em seu disco Você Ainda Não Ouviu Nada (1964). Geraldo Vandré (1935) grava Coisa nº 7 com o nome de Dia de Festa, no disco Hora de Lutar, de 1965, assinando a parceria com Moacir Santos.

O fato de compor arranjos sem conhecer as regras faz com que Santos se inicie em teoria musical e estude com César Guerra-Peixe (1914 - 1993) e mais tarde com o maestro alemão Hans-Joachim Koellreutter (1915 - 2005), um dos mais cultuados professores de harmonia na música erudita de quem Santos depois se torna assistente. Mesmo assim, não perde a africanidade em suas composições.

A originalidade presente nas criações do músico – que se sobressaem pelos arranjos sofisticados, inusitadas combinações de timbres e encadeamentos harmônicos surpreendentes – é resultado de alguns fatores. Entre eles, a ocorrência de ritmos cruzados, a alternância entre a harmonia jazzística e o erudito moderno, e a imprevisibilidade das melodias (devido ao fato de o músico não compor a partir do desenvolvimento de células melódicas simples).

Coisas tem seu lançamento em CD apenas em 2005, graças à ampla repercussão no meio musical do CD duplo Ouro Negro, de 2001, que praticamente relança Moacir Santos para a nova geração da MPB. O álbum resgata obras contidas em Coisas e em outros três discos de Santos – The Maestro (1972), Saudade (1974) e Carnival of Spirits (1975) –, apresentadas com seus arranjos originais, transcritos pelos produtores do disco, o violonista e arranjador Mario Adnet (1957) e o saxofonista Zé Nogueira (1955). O CD conta com a participação especial de Milton Nascimento (1942) em Coisa nº 8. O LP é um dos discos mais raros da música brasileira em sua edição original e, em 2013, é reeditado em vinil pela fábrica carioca Polysom.

Faixas

1. Coisa nº 4

2. Coisa nº 10

3. Coisa nº 5 (Nanã)

4. Coisa nº 3

5. Coisa nº 2

6. Coisa nº 9

7. Coisa nº 6

8. Coisa nº 7 (Quem É que Não Chora?)

9. Coisa nº 1

10. Coisa nº 8 (Navegação)

Notas

1 Bebop (ou bop) – estilo de jazz que surge nos anos 1940 e amplia a possibilidade de atuação e criação dos músicos solistas. É considerado o primeiro estilo de jazz moderno por enfatizar a técnica e harmonias mais complexas tocadas em andamentos rápidos, em contraponto aos clichês do swing jazz.

2 Hard bop – estilo jazzístico que se desenvolve a partir do bebop, em linhas gerais, simplificando a melodia e o fraseado e ampliando a complexidade da estrutura da composição. Os músicos de hardbop evitam o repertório standart, executando músicas próprias. Em relação aos instrumentos, a sessão rítmica frequentemente assume o primeiro plano.

Fontes de pesquisa 9

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  • All Music. Disponível em: http://www.allmusic.com/artist/moacir-santos-mn0000572483. Acesso em: 15 fev. 2013.
  • CALADO, Carlos. Moacir Santos é gênio musical que o Brasil demorou muito a reconhecer. Folha de S.Paulo, São Paulo, 26 dez. 2012. Ilustrada.
  • Discos do Brasil. Disponível em: < www.discosdobrasil.com.br/discosdobrasil >. Acesso em: 15 fev. 2013.
  • EVANGELISTA, Ronaldo. Entrevista com Moacir Santos. Bizz, nº 197, jan. 2006.
  • INSTITUTO MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA. Discografia. Disponível em: www.memoriamusical.com.br/discografia.asp. Acesso em: 15 fev. 2013.
  • NOBILE, Lucas. Moacir Santos ganha primeira biografia, disco de inéditas e reedição de clássico. São Paulo, Folha de S.Paulo, São Paulo, 26 dez. 2012. Ilustrada.
  • SANTOS, Moacir. In: Dicionário Cravo Albin da música popular brasileira. Disponível em: < http://www.dicionariompb.com.br/moacir-santos >. Acesso em: 15 fev. 2013.
  • SANTOS, Moacir. In: Dicionário Cravo Albin da música popular brasileira. Disponível em: < http://www.dicionariompb.com.br/moacir-santos >. Acesso em: 15 fev. 2013.
  • SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (vol. 2: 1958-1985). São Paulo: Editora 34, 1998. (Coleção Ouvido Musical).

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