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Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Guerra-Peixe

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 19.09.2024
18.03.1914 Brasil / Rio de Janeiro / Petrópolis
26.11.1993 Brasil / Rio de Janeiro / Petrópolis
Reprodução fotográfica Correio da Manhã/Acervo Arquivo Nacional

Guerra-Peixe, 1971

César Guerra-Peixe (Petrópolis, Rio de Janeiro, 1914 - Idem, 1993). Compositor, arranjador, regente, violinista, professor, pesquisador. Com sete anos, toca "de ouvido" violino, violão e piano e participa de grupos de choro na cidade natal. Aos nove, começa a estudar teoria musical e solfejo, com Paulo Carneiro. Em 1925, ingressa na Escola de Mú...

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Biografia
César Guerra-Peixe (Petrópolis, Rio de Janeiro, 1914 - Idem, 1993). Compositor, arranjador, regente, violinista, professor, pesquisador. Com sete anos, toca "de ouvido" violino, violão e piano e participa de grupos de choro na cidade natal. Aos nove, começa a estudar teoria musical e solfejo, com Paulo Carneiro. Em 1925, ingressa na Escola de Música Santa Cecília, e se forma em violino com apenas 16 anos, tornando-se em seguida professor na mesma instituição. Faz curso completo de violino com o professor tcheco Gao Omacht. Nessa época, toca no Cine Glória, compõe sua primeira peça - o tango Otília, nome da primeira namorada - e passa a escrever arranjos.

Ingressa no Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, em 1932, a fim de estudar violino com Paulina d'Ambrosio, com quem tem aulas desde 1929, em suas viagens semanais ao Rio de Janeiro. Em 1934, muda-se para a capital fluminense e integra orquestras de salão. Tem aulas particulares de composição e instrumentação com Newton de Pádua, no período de 1936 a 1943, e se forma em composição no Conservatório Brasileiro de Música, em 1943. Nesse período, trabalha como orquestrador na Rádio Tupi e tem marchas e sambas de sua autoria gravados pela dupla Jararaca e Ratinho, como Com um Dedo Só, parceria com Jararaca e Humberto Cunha, e por Silvio Caldas, Fibra de Herói, com Teófilo Barros Filho (pai de Theo de Barros).

Em 1944, apresenta na Rádio Tupi sua primeira composição sinfônica, de coloração nacionalista, e passa a ter aulas com Hans-Joachim Koellreutter. Ingressa no grupo Música Viva1 em 1945, compõe então obras dodecafônicas, como a Sinfonia nº 1, de 1946, estreada em 1947 na rádio BBC de Londres. De sua autoria, Noneto, 1945, é executada pela orquestra da Rádio de Zurique, em 1948, regida pelo alemão Hermann Scherchen (ex-professor de Koellreutter), que o convida a estudar regência e composição na Suíça. Guerra-Peixe, decepcionado com o dodecafonismo, declina do convite e parte para o Recife, assinando contrato com uma rádio local. Lá realiza um importante trabalho de coleta de músicas folclóricas, maracatus, xangôs e catimbós, usados em criações como a Suíte para Cordas, 1949, e publica uma série de artigos no Diário de Pernambuco, com a rubrica "Um século de música no Recife". Compõe as primeiras trilhas para filmes, como Terra É Sempre Terra (1951), de Tom Payne, Canto do Mar (1953), de Alberto Cavalcanti e O Craque (1954), de José Carlos Burle.

Muda-se para São Paulo em 1953, e frequenta o curso de folclore musical do Centro de Pesquisas Folclóricas Mário de Andrade, com patrocínio da Comissão Paulista de Folclore. Realiza pesquisas nas cidades paulistas de Taubaté, São José do Rio Pardo e Carapicuíba e faz uma coleta de jongos, sambas rurais, cateretês, cururus, folias de reis, congadas, modas de viola. Em 1955, publica o livro Maracatus do Recife e, em 1959, é nomeado chefe do setor de folclore da Comissão Paulista de Folclore.

Retorna ao Rio de Janeiro em 1962. Passa a atuar como violinista na Orquestra Sinfônica Nacional da Rádio MEC (na qual se mantém até quase os 70 anos) e a lecionar nos Seminários de Música da Pró-Arte.2 Faz importante trabalho como arranjador de discos de música popular e cria, em 1968, a Escola de Música Popular do Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro (MIS/RJ). Entre 1972 e 1980, leciona na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Universidade de São Paulo (USP), no Centro de Estudos Musicais do Rio de Janeiro, na Pró-Arte e na Escola de Música Villa-Lobos, no Rio de Janeiro. Muitos de seus alunos se destacam no cenário musical brasileiro, erudito ou popular, a exemplo de Jorge Antunes, José Maria Neves, Paulo Moura, Chiquinho de Moraes, Juca Chaves, Rildo Hora, Capiba, Sivuca, Baden Powell, Formiga e Roberto Menescal.

Guerra-Peixe recebe diversos prêmios e títulos em toda a carreira, destacando-se o Prêmio Shell, em 1986, pelo conjunto de sua obra; e o Prêmio Nacional de Música do Ministério da Cultura, como "maior compositor brasileiro vivo", em 1993.

 

Comentário Crítico
César Guerra-Peixe compõe uma obra variada, que passa por diferentes fases criativas e reflete os debates acerca da música brasileira. A fase neoclássica, anterior a 1944, tem coloração nacionalista e espelha o cenário musical brasileiro então dominado pela figura de Heitor Villa-Lobos. As composições dessa época (peças de câmara e para piano solo, duas suítes para orquestra de cordas, um divertimento para orquestra e uma sinfonia) unem a técnica tradicional europeia (tonal) a materiais melódicos e rítmicos inspirados no folclore nacional. Guerra-Peixe publica ainda várias peças de salão, assinando como Bob Morel, Célio Rocha (homenagem à primeira esposa, Célia Rocha) e Jean Kelson (com o qual grava dois discos na década de 1960), pseudônimos que adota para não manchar a reputação de "compositor sério" que almeja ser.

A segunda fase inicia-se em 1944, após o contato com Hans-Joachim Koellreutter. A técnica neoclássica é substituída pelo dodecafonismo e as composições da fase anterior são excluídas de seu catálogo.3 Nesse período, dedica-se principalmente à música de câmara, que poderia ser interpretada pelos integrantes do Música Viva em seus concertos e transmissões radiofônicas, pois não há no Brasil orquestras dispostas a executar obras de vanguarda (como são então chamadas as composições desvinculadas do tradicional sistema tonal europeu). O primeiro trabalho dodecafônico de Guerra-Peixe, a Sonatina, para flauta e clarinete, 1944, desvencilha-se de qualquer influência da música popular, procedimento adotado nas obras seguintes, que também evitam o ritmo regular por meio de frequentes mudanças de compasso e da ausência de um pulso. Disso resultam obras complexas, como Noneto, 1945, uma das mais significativas dessa fase, e Quarteto Misto, 1945, cujas dificuldades técnicas são tantas que, mesmo após vários ensaios no Rio de Janeiro e em Buenos Aires, não chega a ser executada.

Para tornar sua obra mais acessível, decide aliar a técnica de Arnold Schoenberg a elementos da música nacional, mas - segundo suas próprias palavras - "sem descambar para o regionalismo". No Andante do Trio de Cordas, 1945, por exemplo, ele substitui a repetição da série de 12 sons por células rítmicas e melódicas inspiradas no cancioneiro nacional. No ano seguinte, produz a Suíte para Violão, cujos movimentos (Ponteio, Acalanto e Choro) indicam as fontes populares em que ele se inspira, além de unir a melodia dodecafônica a um acompanhamento neoclássico, o que gera um resultado bastante original. Seu Duo, para flauta e violino, 1947, emprega uma série com nove sons diferentes e três repetidos (procedimento que contraria as regras de Schoenberg) e ainda apresenta uma rítmica mais regular. Ele chega a empregar o atonalismo livre (sem série) e a compor séries com sonoridades próximas às da música tonal antes de abandonar definitivamente o dodecafonismo. Essas contínuas "subversões" das regras criadas por Schoenberg revelam não apenas insatisfação com a técnica, mas também frustração com a ausência de um "sentido social" em sua produção. Baseia-se nas ideias de Mário de Andrade, para quem a música nacional é um "critério de combate". E é influenciado pelas ideias nacionalistas difundidas pelo Partido Comunista Brasileiro (PCB), ao qual era filiado.

Guerra-Peixe desiste do dodecafonismo quando, em 1949, durante viagem ao Recife, conhece o maracatu, o frevo, o caboclinho e outras manifestações folclóricas. Percebe então que "a verdadeira transposição dos processos populares para a música erudita [tal como preconizava Mário de Andrade] ainda não se deu", e decide pesquisar in loco a música tradicional nordestina, iniciando a terceira fase de sua obra. Com base no folclore, escreve peças em que pretende "fotografar artisticamente" o populário brasileiro. Não por acaso, escolhe a forma suíte (conjunto de peças independentes) como base da "fotografia", reunindo numa só peça diferentes danças e gêneros populares. Na Sonata nº 1, para piano, 1950, estiliza o xangô (Larghetto) e o frevo (Allegro Final). O coco e o caboclinho inspiram a Sonata, para violino e piano, de 1951. No Trio, de instrumentos de sopro, 1951, explora a polca, gênero presente em diversos brinquedos folclóricos do Nordeste.

Apesar da marcação rítmica tradicional, frases melódicas "cantáveis" e certo desenvolvimento temático, as composições dessa fase não se afastam da estética de vanguarda. Empregam frequentemente o modalismo,4 que cria uma atmosfera dissonante e preservam determinada" aspereza" e complexidade da fase anterior. E, ao contrário das obras nacionalistas consagradas nos anos 1930 e 1940, não acomodam melodias típicas ou ritmos característicos à fraseologia e à harmonia da música tonal europeia, mas criam uma nova linguagem, a um só tempo moderna e nacional. Na década de 1960, após longo tempo sem compor para orquestra, Guerra-Peixe retoma o serialismo.

Como músico popular, chega a fazer marchas e sambas em parceria, como Levanta o Pé (com Felisberto Martins), Ora Bolas (com Jararaca e Norah) ou Me Leva, Baiana (com Jararaca). Com o escritor José Mauro Vasconcellos (autor do best-seller Meu Pé de Laranja Lima), compõe as canções Maria do Mar e O Canto do Mar, gravadas por Inezita Barroso em 1953. Em 1955, Guerra-Peixe é gravado por Leny Eversong (Nego Bola Sete e Mamãe Iemanjá); em 1958, por Agostinho dos Santos (Um Olhar, um Sorriso) e Maricete Costa (O Amor Morre no Olhar, com Jair Amorim); e em 1959, por Wilma Bentivegna (Vontade de Enlouquecer, com Odair Marsano), e Demônios da Garoa (É Você que Tem).

Ganha parceria póstuma de Zélia Duncan em Diz nos Meus Olhos (Inclemência), que ela grava no disco Pré-Pós-Tudo Bossa Band, em 2005. Mas a atuação mais importante de Guerra-Peixe nesse campo é como arranjador de disco e rádio. Assina, em 1966, a orquestração do disco Afro-Sambas, de Vinicius de Moraes e Baden Powell. Na mesma década, é responsável pelo arranjo da série de três discos A Grande Música do Brasil, da Continental, com obras de Chico Buarque, Tom Jobim e Luiz Gonzaga, e do LP Sambas Clássicos, que reúne composições de Ataulfo Alves, Ary Barroso, Donga e Noel Rosa, entre outros. Também orquestra artistas populares como Waldick Soriano, Márcio Greyck, Edith Veiga e Bartô Galeno. Arranja o hino Pra Frente Brasil, sucesso na Copa do Mundo de 1970, cuja famosa introdução "em assobio" é composta sobre um ritmo de frevo. Pouco antes de falecer, em 1992, faz o arranjo da canção Cinema Novo, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, gravada no CD Tropicália 2.

Compõe ainda diversas trilhas sonoras para cinema, como as dos filmes Terra É sempre Terra (1951), de Tom Payne, Canto do Mar (1953), de Alberto Cavalcanti, premiada em São Paulo e no Rio de Janeiro, O Craque (1954), de José Carlos Burle, e Riacho de Sangue (1966), de Fernando de Barros.

 

Notas
1 Grupo fundado por Hans-Joachim Koellreutter em 1939, para divulgar a obra de jovens compositores e peças inéditas de qualquer período histórico. A partir de 1944, torna-se um bastião antinacionalista, pregando o uso da técnica dodecafônica de composição.

2 Seminários idealizados em 1957 por Hans-Joachim Koellreutter, na cidade do Rio de Janeiro.

3 O primeiro catálogo de obras do compositor é escrito por ele, em 1971, e nele as pré-dodecafônicas são arroladas no fim, sob a rubrica de "fora de catálogo", e têm sua execução interditada. A única peça dessa fase assumida pelo compositor é a Suíte Infantil nº 1 (1946), editada e incluída no programa de várias escolas de música. As obras populares (para disco, rádio e orquestra de salão) também não figuram no catálogo.

4 Sistema que utiliza um ou mais modos (escalas não tonais) como material melódico e harmônico.

Obras 9

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Espetáculos 3

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Fontes de pesquisa 10

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  • ALBIN, Ricardo Cravo. In: DICIONÁRIO Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro: Instituo Cravo Albin, Disponível em: <www.dicionariompb.com.br/guerra-peixe>. Acesso em 15 set. 2010.
  • CACCIATORE, Olga. Dicionário biográfico de música erudita brasileira. Rio: Forense Universitária, 2005. p. 178-180.
  • EGG, Andre. O debate no campo do nacionalismo musical no Brasil dos anos 1940 e 1950: o compositor Guerra-Peixe. Dissertação de mestrado em História. Curitiba, Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes da UFPR, 2004.
  • FARIA, A. G.; SERRÃO, R.; BARROS, L. O. C. (Org.). Guerra-Peixe: um músico brasileiro. Rio de Janeiro: Lumiar, 2007.
  • GUERRA-PEIXE, Cesar. Maracatus do Recife. São Paulo: Ricordi Brasileira, 1956.
  • MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998.
  • MARIZ, Vasco. Figuras da música brasileira contemporânea. Brasília: UnB, 1970. p. 79-84.
  • NEPOMUCENO, Rosa. Cesar Guerra-Peixe: a música sem fronteiras. Rio de Janeiro: Funarte, 2001.
  • NEVES, José Maria. Música contemporânea brasileira. 2. ed. Rio de Janeiro: Contra Capa Livraria, 2008.
  • TEIXEIRA, Isabel (Coord.). Arena conta arena 50 anos. São Paulo: Cia. Livre da Cooperativa Paulista de Teatro, [2004]. CDR792A681

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