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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Modernismo (Primeira Geração)

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 27.10.2022
Reprodução Fotográfica Romulo Fialdini

Manifesto Antropófago, 1928
Oswald de Andrade

Contexto

Texto

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Contexto
Nos primeiros anos do século XX, quando novas correntes artísticas começaram a circular pela Europa, a maior parte do mundo ocidental encontrava-se em meio a transformações sociais, políticas, econômicas, tecnológicas e culturais que alteraram radicalmente a forma de viver e de sentir o mundo do homem moderno. Invenções revolucionárias como o rádio, o telefone, o automóvel e o cinema passaram a fazer parte do cotidiano das grandes cidades, cada vez mais urbanizadas. A industrialização modificara a economia das potências, e os lucros acumulados pela produção em larga escala de artigos manufaturados garantiam às classes dominantes tamanha sensação de conforto, segurança e otimismo em relação ao futuro, que o período ficou conhecido como belle époque. Foi uma época de efervescência artística, principalmente em Paris, que abrigava artistas vindos de toda a parte, atraídos pelo dinamismo cultural e pelo ritmo eletrizante da vida social, especialmente a noturna, dos cafés, bares e cabarés.

Mas se para alguns grupos sociais o período era de euforia, para as classes trabalhadoras, que ficavam à margem dos benefícios da belle époque, o tempo era de lutas por melhores condições de vida. As idéias socialistas e anarquistas passam a ser defendidas pelos operários, que organizam-se em associações e fazem greves por condições de trabalho mais dignas. No plano internacional, as potências européias disputam colônias produtoras de matérias-primas e consumidoras de produtos industrializados, que por sua vez procuram tornar-se independentes; esse e outros fatores econômicos e políticos, como o nacionalismo exacerbado de alguns países, terminam por levar à eclosão da Primeira Guerra Mundial, em 1914.

No final de guerra, em 1918, os países europeus, principalmente a Alemanha e a Itália, atravessam crises econômicas e sociais - sem falar na imensa crise espiritual que se abate sobre os sobreviventes do grande conflito, marcado pela tecnologia destruidora de novas armas. Além disso, a Revolução Russa, ocorrida em 1917, levara ao poder a classe trabalhadora, e amplificara a divulgação das idéias socialistas no mundo. É nesse contexto de crises e incertezas que surgiram as correntes de vanguarda (do francês avant-garde, "o que marcha à frente"), originárias de vários países, mas irradiadas principalmente por Paris.

Entre as novas correntes artísticas estavam o Futurismo, o Cubismo, o Dadaísmo, o Expressionismo, o Surrealismo; todas elas, vindas nas malas de artistas brasileiros em visita à Europa ou divulgadas pela imprensa, influenciaram o Modernismo no Brasil. De acordo com Afrânio Coutinho (1911 - 2000), "todos esses "ismos" que infestaram a cena literária ocidental de 1910 a 1930 foram reações contra o esgotamento e o cansaço ante o peso da tradição literária ocidental. Eram janelas que se abriam para o futuro, preocupação que absorvia os espíritos. Eram atitudes violentas de destruição e negação do passado, que consideravam morto e inútil, tentativas de regresso à inocência primitiva ou infantil. Eram glorificações da técnica e do mundo mecânico, fonte única de dinamismo. Eram a libertação de todos os freios e formas tradicionais."

No Brasil da década de 1910, onde o Parnasianismo e o Simbolismo ainda norteavam as criações poéticas, mas já mostravam sinais de esgotamento, as vanguardas européias foram recebidas com entusiasmo por escritores que procuravam renovar as formas de expressão artística. O país também vivia período de grandes mudanças, inclusive com a urbanização e a chegada de novas tecnologias que transformavam o ritmo de vida e o cenário das grandes cidades, e que pareciam alterar a percepção do mundo; faziam-se necessárias, assim, para muitos autores, novas maneiras de comunicação poética.

A industrialização brasileira, que vinha crescendo desde o começo do século, foi impulsionada com a Primeira Guerra Mundial e estimulou a urbanização das cidades, principalmente de São Paulo. A capital paulista, que até meados do século XIX havia se mantido pequena e pacata, com a expansão da cafeicultura começou a experimentar um enorme crescimento econômico. O café era a principal mercadoria brasileira de exportação, e o estado de São Paulo chegou a produzir sozinho 75% de todo o café do mercado mundial. A imensa riqueza gerada por essa situação transformou-se em investimentos em vários setores da economia paulista, principalmente o industrial, e no patrocínio de artistas.

O período foi marcado também pela chegada em massa de imigrantes, principalmente italianos, muitos dos quais haviam vivido a experiência da luta de classes em seus países e divulgaram no país idéias anarquistas e socialistas. Com o crescimento urbano e industrial o proletariado também cresceu e organizou-se; no decorrer das primeiras décadas do século XX ocorreram várias greves em São Paulo, sendo a maior delas em 1917 - mesmo ano da Revolução Russa. Também ocorreu o fortalecimento de uma pequena classe média e o aumento da marginalização dos antigos escravos e seus descendentes. Os primeiros anos do século XX são, ainda, de radicais transformações políticas, e abrangem acontecimentos decisivos para a vida nacional, como as revoltas deflagradas pelo movimento tenentista, a fundação do Partido Comunista, a derrocada da República Velha, das oligarquias rurais e da "política café-com-leite", o início da Era Vargas.

Nesse cenário tumultuado os modernistas refletiram sobre a realidade brasileira e renovaram a cultura do país. A partir de meados da década de 1910 eles começam a organizar-se em grupos, principalmente no Rio de Janeiro, em Recife e São Paulo, onde a aristocracia enriquecida com o café e a industrialização patrocinava obras e eventos artísticos, como a Semana de Arte Moderna, ocorrida em 1922 e considerada o marco inicial do movimento. É em São Paulo também que surge a moderna indústria editorial brasileira, com o aprimoramento técnico de tipografias e o empreendimento de Monteiro Lobato (1882 - 1948) que, entre 1918 e 1925, à frente de sua editora, revolucionou a produção e a difusão de livros no país. Era o início de uma nova fase no sistema literário brasileiro, já que até então a grande maioria dos livros era impressa em Portugal ou na França, em tiragens pequenas e mal distribuídas.

Outro fator importante foi o aumento do número de revistas e jornais, principalmente os literários, criados para divulgar as novas idéias modernistas, que acompanhou o crescimento - ainda que pequeno - do público leitor. Segundo Ana Luiza Martins, "as tantas revistas de variedades e ilustradas que pontilharam o mercado do impresso no Brasil - onde conjugavam-se seções díspares de literatura, moda, esporte e anedotas para cooptação do público leitor - agora se segmentavam, em razão das demandas específicas de uma sociedade que se estratificava e que se especializava. Também agora, os romances já seriam lançados em livros - graças à iniciante editoração nacional - e não maciçamente em folhetins dos jornais e revistas, como no passado recente."

A grande maioria dos escritores modernistas colaborou em periódicos como articulistas, críticos ou cronistas. As crônicas de Mário de Andrade (1893 - 1945), Oswald de Andrade (1890 - 1954) e Manuel Bandeira (1886 - 1968) são representativas do envolvimento dos modernistas com a realidade brasileira e também da importância que os periódicos tiveram como veículos de difusão das propostas artísticas do movimento.

Estilo - características gerais
A historiografia literária brasileira costuma dividir em três fases o Modernismo brasileiro. Os marcos cronológicos da primeira fase, também conhecida como "heróica", são o ano de 1922, quando realizou-se a Semana de Arte Moderna em São Paulo, e o ano de 1930, quando ocorreu a publicação de Alguma Poesia, de Carlos Drummond de Andrade (1902 - 1987), dando início a um novo período. No entanto, bem antes de 1922 os artistas participantes da Semana já produziam obras influenciadas pelas novas correntes européias, que debatiam e divulgavam pela imprensa. Assim, a realização da Semana de 22 apenas reuniu e apresentou a um público bastante restrito - e escandalizado - alguns dos artistas paulistas e cariocas que já vinham cultivando modernas formas de expressão. Entre eles estavam os escritores Oswald de Andrade, Mário de Andrade, Guilherme de Almeida, Ronald de Carvalho e Menotti del Picchia, além de Graça Aranha, na época autor consagrado e membro da Academia Brasileira de Letras, que usou seu prestígio para apresentar os jovens modernistas. Também participaram da Semana o músico Villa-Lobos, a pintora Anita Malfatti e o escultor Victor Brecheret, entre outros.

Segundo Alfredo Bosi, "a Semana foi, ao mesmo tempo, o ponto de encontro das várias tendências que desde a I Guerra vinham se firmando em São Paulo e no Rio, e a plataforma que permitiu a consolidação de grupos, a publicação de livros, revistas e manifestos, numa palavra, o seu desdobrar-se em viva realidade cultural." A necessidade de consolidar a nova estética, de definir seus rumos, de romper com os padrões literários do passado conferiu ao Modernismo da primeira fase um alto grau de radicalismo. Mário de Andrade afirmou, a respeito da violência com que se processou a ruptura com o passado: "(...) se alastrou pelo Brasil o espírito destruidor do movimento modernista. Isto é, o seu sentido verdadeiramente específico. Porque, embora lançando inúmeros processos e idéias novas, o movimento modernista foi essencialmente destruidor.".

A "destruição" tinha como objetivo, em um primeiro momento, o rompimento com estéticas passadas, especialmente a parnasiana. A figura do poeta parnasiano, comparado a uma "máquina de fazer versos" no "Manifesto Antropófago" (1928) de Oswald de Andrade, foi ridicularizada e atacada em inúmeros artigos e poemas, como Os Sapos, de Manuel Bandeira, recitado por Ronald de Carvalho na segunda noite da Semana de Arte Moderna. Em oposição ao rigor gramatical e ao preciosismo lingüístico parnasianos, os poetas modernistas valorizaram a incorporação de gírias e de sintaxe irregular, e a aproximação da linguagem oral de vários segmentos da sociedade brasileira, como se pode observar no poema Pronominais, de Oswald de Andrade. Ainda no plano formal, o verso livre, a concisão e a objetividade são características marcantes do movimento. No poema de Manuel Bandeira, Poética, estão expressas as principais "palavras de ordem" da estética modernista.

Outros objetivos do "espírito destruidor" modernista eram a preparação de um terreno onde se pudesse reconstruir a a cultura brasileira, sobre bases nacionais; a realização de uma revisão crítica da história e das tradições culturais do país; a eliminação do "complexo de colonizados" que tornava os brasileiros apegados a valores estrangeiros. A tentativa de revisão crítica e de reconstrução da cultura brasileira demandou a pesquisa e a abordagem poética de fontes quinhentistas, como a Carta de Pero Vaz de Caminha (ca.1451 - 1500). No poema As Meninas da Gare, por exemplo, Oswald de Andrade utiliza trechos da Carta que, deslocados de seu contexto original, remetem a problemas sociais do Brasil moderno. O enfoque de temas do cotidiano também permitiu a reflexão sobre a realidade brasileira, geralmente pontuada pelo uso do humor, como ocorre em inúmeros poemas de Manuel Bandeira.

Além disso, segundo Antonio Candido, os modernistas "passaram por cima das distinções entre os gêneros, injetando poesia e insólito na narrativa em prosa, abandonando as formas poéticas regulares, misturando documento e fantasia, lógica e absurdo, recorrendo ao primitivismo do folclore e ao português deformado dos imigrantes, chegando a usar como exemplo extremo contra a linguagem oficial certas ordenações sintáticas tomadas a línguas indígenas". Os autores do Modernismo procuraram no índio e no negro o primitivismo, os elementos primordiais da cultura brasileira que proporcionariam a reconstrução da realidade nacional, e procuraram retratar a mistura de culturas e raças existente no país. O poema Cobra-Norato, de Raul Bopp (1898 - 1984), talvez seja o mais significativo exemplo da exploração poética do primitivismo.

O nacionalismo, talvez a mais marcante característica do Modernismo, separou ideologicamente os adeptos do movimento. Oswald de Andrade lançou, em 1924, o Manifesto da Poesia Pau-Brasil, que enfatizava a criação de uma poesia baseada na revisão crítica de nosso passado histórico e na valorização da pluralidade cultural brasileira. Menotti del Picchia, Plínio Salgado e Cassiano Ricardo (1895 - 1974) reagiram com o movimento Verde-Amarelismo, que propunha uma nacionalismo mais ufanista, de inclinação nazi-fascista; em 1927, o grupo se transformou na Escola da Anta, tomando como símbolos de nacionalidade o índio tupi e a anta. No ano seguinte, Oswald, Raul Bopp e Tarsila do Amaral revidam o nacionalismo xenofobista da Anta com o Manifesto Antropófago, que incorporava o comunismo, o freudismo e o matriarcalismo, e pretendia "devorar" as influências estrangeiras, aproveitando suas inovações artísticas, mas imprimindo a identidade cultural brasileira à arte e à literatura.

Autores
Oswald de Andrade (1890 - 1954) e Mário de Andrade foram os principais agitadores e divulgadores do Modernismo, e também poetas significativos do movimento. Manuel Bandeira, Cassiano Ricardo e Raul Bopp foram outros nomes importantes da nova estética.

Para Antonio Candido, nos poemas de Oswald de Andrade encontramos "o gosto pelo fragmento e o escorço levado ao máximo, associado às técnicas de colagem de textos e amostras da fala cotidiana, num primitivismo elaborado que foi um golpe duro na ênfase e no preciosismo da literatura acadêmica." Já Mário de Andrade, para o crítico, "construiu uma obra onde a manifestação atormentada da personalidade busca, como compensação, os estados de plenitude construída; e onde conseguiu o feito raro de unir num mesmo corpo expressivo a manifestação do eu e a manifestação do país, como se ambos procurassem a respectiva identidade num só momento: consciência, de um lado; civilização, de outro". Manuel Bandeira iniciou sob os influxos do Parnasianismo e do Simbolismo, mas com o livro Libertinagem (1930) adere à corrente modernista. Para José Aderaldo Castello, "o poeta concilia a agitação revolucionária do Modernismo com a herança imediatamente anterior e tradicional, de maneira também a distinguir-se como poeta-síntese". Também influenciado pelas estéticas simbolistas e parnasianistas, Cassiano Ricardo (1895 - 1974), a partir de A Frauta de Pã (1926) liga-se ao verde-amarelismo e, segundo Alfredo Bosi, "entra de chofre no seu núcleo de inspiração realmente fecundo: o Brasil tupi e o Brasil colonial, sentidos como estados de alma primitivos e cósmicos"; com o passar dos anos, sua obra se torna mais universalizante e experimental. Já Raul Bopp foi "modernista de primeira hora", e para a crítica Luciana Stegnano Picchio é o criador da "obra-prima da antropofagia", o poema Cobra Norato que "num tom fabulístico de história para crianças, numa língua "primitiva" ritmada por onomatopéias, cria com extraordinária e sugestiva plasticidade a paisagem amazônica".

Obras 1

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Fontes de pesquisa 9

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  • BOSI, Alfredo. História concisa da literatura brasileira. 36. ed. rev. e aum. São Paulo: Cultrix, [1999]. 528 p.
  • CANDIDO, Antonio. Iniciação à literatura brasileira. 2. ed. São Paulo: Humanitas: FFLCH - USP, 1998.
  • CANDIDO, Antonio; CASTELLO, José Aderaldo. Presença da literatura brasileira: do romantismo ao simbolismo. 10. ed. São Paulo: Difel: 1984.
  • CASTELLO, José Aderaldo. A literatura brasileira: origens e unidade: 1500-1960. São Paulo: Edusp, 1999. 2. v.
  • COUTINHO, Afranio. Introdução à literatura no Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1976. (Vera Cruz, 218).
  • FAUSTO, Boris. História do Brasil. 2. ed. São Paulo: Edusp: Fundação do Desenvolvimento da Educação, 1995.
  • LAJOLO, Marisa. Literatura: leitores & leitura. São Paulo: Moderna, 2001.
  • MOISÉS, Massaud. História da literatura brasileira: simbolismo. São Paulo: Cultrix: Edusp, 1985. v. 3.
  • PICCHIO, Luciana Stegnano. História da literatura brasileira. Rio de Janeiro: Nova Aguilar, 1997.

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