Odete Lara
Texto
Odete Righi Bertoluzzi (São Paulo, São Paulo, 1929 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2015). Atriz, cantora. Integra alguns elencos em televisão e teatro, mas se destaca sobretudo no cinema, em comédias e, principalmente, em dramas. Vive personagens variadas com tanta veracidade que é tida como uma das atrizes mais relevantes para a modernização do cinema nacional. Em sua trajetória artística, vivida sob o nome de Odete Lara, também canta e escreve.
Após iniciar a vida profissional como secretária e datilógrafa, faz curso de modelo e chega à TV Tupi, onde inicia sua carreira de atriz de teleteatro em Luz de gás (1954), com Tônia Carrero (1922-2018) e Paulo Autran (1922-2007), e se torna conhecida no programa TV de vanguarda (1952-1967). Ao longo de sua carreira, a atriz faz também algumas novelas, na Tupi, assim como em outras emissoras, como Excelsior e Rede Globo.
Da televisão, migra para o palco do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Atua em alguns espetáculos e chega a ser premiada, mas é no Grupo Opinião que tem a vivência mais produtiva. Lá, a atriz dá vazão à militância política, seja no palco, participando de montagens que contestam a ditadura militar (1964-1985)1, seja fora dele, em passeatas e assembleias de classe. Certa vez, questionada por agentes da repressão sobre quem era o autor de uma peça, diz que é Sófocles (406-496) e que ele não está disponível. Questionada sobre o endereço, diz que não poderia informar. Indagada se está sonegando informações, responde que não, porque Sófocles havia morrido havia mais de 2 mil anos – o dramaturgo grego viveu no século V a.C.
Outro ponto positivo da vivência no Opinião, segundo ela, é conhecer músicos. Estabelece parceria com Vinicius de Moraes (1913-1980) no show “Skindô”, que deu origem ao disco Vinicius e Odette Lara (1963). Também grava Contrastes (1966), com composições de Vinicius e Tom Jobim (1927-1994), e tem parcerias com outros músicos, como Chico Buarque (1944).
Embora tenha carreira importante no teatro, é no audiovisual que estabelece carreira mais longeva e onde se sente estimulada pela proximidade com a câmera. Considera que o cinema permite um envolvimento mais amplo com a obra, que extrapola a função de atriz. Somando produções para cinema e televisão, atua em mais de 40 títulos, a maioria num intervalo de 20 anos, de 1954 a 1974.
Sua estreia no cinema se dá na comédia O gato de madame (1956), de Agostinho Martins Pereira (1923-2017), ao lado de Mazzaropi (1912-1981). Após alguns títulos de pouco destaque, Odete começa a atuar em filmes que marcam época. Em Boca de ouro (1963), de Nelson Pereira dos Santos (1928-2018), interpreta Guigui, ex-amante do bicheiro assassinado, Boca de Ouro, uma personagem sensual, provocativa, levemente perversa, que ajuda a reconstruir a carreira do personagem-título.
No ano seguinte, Odete faz o papel de Cristina, considerado por grande parte da crítica como sua melhor atuação, em Noite vazia (1964), de Walter Hugo Khouri (1929-2003), que retrata uma noitada de duas garotas de programa com dois playboys. Numa determinada sequência, um cafetão bêbado as ofende com palavras chulas.
A cineasta Ana Maria Magalhães (1950), que dirige Lara (2002), uma cinebiografia de Odete, afirma que a atriz tem papel fundamental na moderna interpretação cinematográfica. Numa época em que o cinema era dominado por comédias e paródias, com interpretações caricaturais, Odete integra um grupo de intérpretes que empresta veracidade às personagens. Para o produtor Luiz Carlos Barreto (1928), é a primeira grande atriz do cinema brasileiro e está para o cinema assim como Fernanda Montenegro (1929) está para o teatro.
Após receber um prêmio da Associação Paulista de Críticos de Arte (APCA) pelo conjunto da obra, em 1975, Odete se afasta das câmeras. Descobre o budismo, isola-se num sítio, passa a meditar e a escrever. Publica três livros autobiográficos: Eu nua (1975), Minha jornada interior (1990) e Meus passos em busca da paz (1997), além de traduzir obras do budismo. “Eu via o mundo como um close, onde só havia o rosto do homem amado. De repente, passei para uma grande angular e hoje vejo tudo ao meu redor”, disse certa vez. “Eu tinha talento pra ser atriz, mas vocação pra monja”.
Odete interrompe o isolamento para trabalhar no filme O princípio do prazer (1979), sobre dois casais de irmãos que se entregam a uma vida de ócio e prazeres sexuais incestuosos. O diretor, Luiz Carlos Lacerda (1945), destaca a intensa dedicação dela à construção da personagem. Relembra que ela fica isolada durante as filmagens, buscando explicação para a introspecção psicológica de sua personagem. É, para ele, uma mulher corajosa, que não hasteia bandeiras, mas mergulha profundamente em viver coisas novas; que leva uma vida intensa e sempre tem sua beleza exaltada, mas nunca quer ser musa; que trabalha com grandes diretores, como Glauber Rocha (1939-1981), mas aceita fazer filmes independentes. Uma atriz “magistral”, com sensibilidade aguda para criar personagens, na opinião de Antônio Carlos da Fontoura (1939), que a dirige duas vezes.
Odete Lara tem uma jornada de duas fases bem distintas. Na primeira, encanta o mundo ao redor, consagra-se, ganha rótulos como “diva” e “musa”. Na segunda, larga tudo para trabalhar seu universo interior e escrever. Em ambas, constrói seu legado.
Nota
1. Também denominada de ditadura civil-militar por parte da historiografia com o objetivo de enfatizar a participação e apoio de setores da sociedade civil, como o empresariado e parte da imprensa, no golpe de 1964 e no regime que se instaura até o ano de 1985.
Espetáculos 5
Fontes de pesquisa 9
- A FASCINANTE trajetória de Odete Lara vira filme. Estadão, 7 nov. 2002. Cultura. Disponível em: https://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema,a-fascinante-trajetoria-de-odete-lara-vira-filme,20021107p1738. Acesso em: 2 dez. 2021.
- ESPETÁCULOS Teatrais. [Pesquisa realizada por Edélcio Mostaço]. Itaú Cultural, São Paulo, [20--]. 1 planilha de fichas técnicas de espetáculos. Não Catalogado
- LACERDA, Luiz Carlos. Luiz Carlos Lacerda. [Entrevista cedida a] Julio Adamor. 2 dez. 2021.
- LARA, Odete. Odete Lara: retratos brasileiros. [Entrevista concedida a] Antônio Carlos da Fontoura. Canal Brasil, 2010. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=nR_ZQFMUP3U. Acesso em: 30 nov. 2021.
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- PENNAFORT, Roberta. Morre aos 85 anos a atriz Odete Lara. O Estado de São Paulo, São Paulo, 2015. Seção Cinema. Disponível em: http://cultura.estadao.com.br/noticias/cinema,morre-aos-85-anos-a-atriz-odete-lara,1629438. Acesso em: 04 de fevereiro de 2015.
- RAMOS, Fernão Pessoa; MIRANDA, Luiz Felipe (Orgs). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Senac, 2000. p. 317-318.
- REIS, Luiz Felipe. Odete Lara, diva do cinema, fez mais de 40 filmes. O Globo, 8 fev. 2019.Cultura. Disponível em: https://acervo.oglobo.globo.com/em-destaque/odete-lara-diva-do-cinema-fez-mais-de-40-filmes-23582018. Acesso em: 30 nov. 2021.
- WAISERMANN, Vital Ben. Odete Lara, uma pioneira no Cinema. O Maringá, 27 ago. 2021. Cynema em ação. Disponível em: https://omaringa.com.br/coluna/cynema-em-acao/2021/08/27/22429/. Acesso em: 2 dez. 2021.
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ODETE Lara.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa16101/odete-lara. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7