Walter Hugo Khouri
![Eros: O Deus do Amor [cartaz], ca. 1981 [Obra]](http://d3swacfcujrr1g.cloudfront.net/img/uploads/2000/01/001165056019.jpg)
Eros: O Deus do Amor [cartaz], 1981
Walter Hugo Khouri
Fotografia
93,00 cm x 62,00 cm
Texto
Walter Hugo Khouri (São Paulo, São Paulo, 1929 – Idem, 2003). Diretor de cinema, produtor, roteirista. Autor de 27 filmes, sua cinematografia é caracterizada pela alta densidade filosófica e psicológica, com personagens que buscam sentido para uma existência angustiante. Cineasta talentoso da contracorrente, tem a trajetória também marcada pelas controvérsias com o Cinema Novo nos anos 1960. Filho de pai libanês e mãe italiana, com a morte precoce do pai, mora no Rio de Janeiro com o avô materno, positivista, astrônomo, matemático e arquiteto. Ainda adolescente, deseja ser escritor, inclina-se para a música e a filosofia e assiste à meia dúzia de filmes por semana.
De volta a São Paulo, estuda filosofia na Universidade de São Paulo (USP). Em vez de concluir os estudos acadêmicos, redireciona a percepção da aridez existencial para as telas do cinema1. Envolve-se na preparação de O cangaceiro (1953), filme de Lima Barreto (1906-1982) para a Companhia Cinematográfica Vera Cruz, mas não participa das filmagens. Entre 1951 e 1953, dirige O gigante de pedra, exibido somente em 1954. Entre 1954 e 1955, trabalha para a TV Record na adaptação de clássicos para o teleteatro da emissora. De 1955 a 1958, assina coluna sobre cinema sueco no jornal O Estado de S.Paulo.
É convidado a dirigir Estranho encontro (1957) para a Brasil Filmes, com estúdio e maquinário da Vera Cruz, na época em processo de liquidação. A repercussão positiva do filme propicia dois trabalhos sob encomenda: Fronteiras do Iinferno (1958), coprodução de Brasil e Estados Unidos, e Na garganta do diabo (1960), filme pelo qual recebe o prêmio de melhor roteiro no Festival Internacional de Cinema de Mar del Plata, realizado na Argentina.
A carreira do diretor pode ser dividida em três fases. Na primeira, nos anos 1950, persegue o ideário estético do diretor sueco Ingmar Bergman (1918-2007). O modo de produção da Vera Cruz parece compatível com a busca desse estilo, pois permitia conciliar qualidade técnica visual e sonora com a narrativa de tom universalizante no tratamento da condição humana.
Estranho encontro rearticula elementos melodramáticos de uma relação sadomasoquista à feição de alguns filmes noir, e Na garganta do diabo alcança força poética na evocação de vida e morte sugerida pelas Cataratas de Iguaçu. Críticos rigorosos como Gustavo Dahl (1938-2011) e Paulo Emilio Salles Gomes (1916-1977) reconhecem, com ressalvas, a emergência de um grande criador2.
Durante a intensa politização dos anos 1960, o diretor se posiciona como um homem deslocado das movimentações nacionalistas e revolucionárias e investe contra o "fanatismo" e a "predisposição patriótica de grupos ingênuos e mal-informados"3. Por causa de afirmações semelhantes e da repercussão comercial favorável de A ilha (1962), o cineasta se torna o representante da ala universalista, cujo projeto econômico e estético pressupõe industrialização e internacionalização do cinema nacional e qualidade técnico-artística tradicional.
Esse posicionamento, no entanto, não significa abstenção de diálogo. Nesse período, o diretor inaugura a segunda fase de sua produção, na qual os filmes apresentam preocupações existenciais amadurecidas com pano de fundo social. Noite vazia (1964) e As amorosas (1968) apresentam a alienação de burgueses que se debatem nas amarras do cotidiano e procuram fugir dessas limitações por meio do sexo, com o qual visam alcançar liberdade e transcendência espiritual.
Filmado em preto e branco, Noite vazia narra a busca de prazer pela noite paulistana de dois homens, que encontram a companhia de duas mulheres, interpretadas por Norma Bengell (1935-2013) e Odete Lara (1929-2015). Segundo o diretor francês Alain Fresnot (1953), Khouri tinha um viés de filmar o mal-estar da burguesia paulista4. A cidade de São Paulo, como espaço determinante do desenvolvimento capitalista brasileiro, é usada como metáfora da opressão que desfigura os seres humanos a ponto de torná-los a materialização do cinismo e da prepotência.
A presença de sexo é um atrativo para as fontes de financiamento que a Boca do Lixo oferece a partir dos anos 1970. Nesse período de crescente ousadia na representação do erotismo, o diretor constrói a terceira fase de sua cinematografia. Algumas obras se aproximam da pornochanchada5, outras servem de subterfúgio comercial para expressar as premissas artísticas e temáticas do cineasta.
Marcelo, personagem criado em As amorosas, reaparece em mais oito filmes, alguns com sucesso de bilheteria. Em O convite ao prazer (1980), quase em tom de comédia, ele é o garanhão cafajeste e cínico que induz um dentista de classe média a reproduzir, como as figuras popularescas da pornochanchada, seu comportamento sexual.
Essas três fases consolidam as características do estilo de Khoury: a dramatização de eventos psicológicos conjugada a indagações filosóficas; espaços limitadores se abrem para paisagens naturais amplas; o enredo, que recorre muitas vezes a frágeis diálogos com teor explicativo, cede lugar à representação de devaneios, sonhos e contemplações, com impacto visual e sonoro.
O corpo ardente (1966), que o cineasta declara como obra predileta, pode ser o ponto máximo da concretização desse estilo. Numa trama que se dissolve com a alternância de passado e presente, a música e as imagens transmitem, pelo ritmo, os sentimentos de uma burguesa entediada que observa na paisagem montanhosa e no cio de um cavalo os símbolos de seu anseio espiritual.
Alguns filmes escapam dessa classificação. Mistério e suspense, além de experiências místicas e metafísicas, aparecem de maneira mais explícita em As deusas (1972) e O anjo da noite (1974), vencedor do Kikito de direção no Festival de Cinema de Gramado.
Com a extinção da Embrafilme, em 1990, o diretor participa da coprodução entre Brasil e Itália e realiza Forever (1990), uma tentativa sem sucesso de conquista do mercado internacional. As feras, produzido em 1994, mas lançado apenas em 2001, encontra um mercado exibidor adverso. Paixão perdida (1999), seu último filme, apesar de reunir inúmeros patrocinadores e coprodutores, não apresenta retorno comercial.
Walter Hugo Khouri é um cineasta premiado, autor de obra complexa, que problematiza a burguesia por meio de filmografia extensa, marcada por questionamentos existencialistas, apuro técnico, preocupações estéticas e domínio da narrativa.
Notas
1. CORREIA, Donny. O silêncio retumbante de Walter Hugo Khouri. Cult, 3 jun. 2019. Disponível em: https://revistacult.uol.com.br/home/walter-hugo-khouri-o-silencio-retumbante/. Acesso em: 25 out. 2022.
2. GOMES, Paulo Emílio Salles. Rascunhos e exercícios, O Estado de S.Paulo, São Paulo, 21 jun. 1958, Suplemento Literário; DAHL, Gustavo. Compreender Khouri, O Estado de S.Paulo, São Paulo, 28 maio 1960, Suplemento Literário; DAHL, Gustavo. Importância de Khouri. O Estado de S.Paulo, São Paulo, 21 maio 1960. Suplemento Literário.
3. KHOURI, Walter Hugo. La mia speranza nel cinema brasiliano. In: Il cinema brasiliano. Gênova: Silva Editore, 1961, pp.149-150.
4. ARANTES, Silvana. Morre Walter Hugo Khouri, o cineasta da contracorrente. Folha de S.Paulo, São Paulo, 28 jun. 2003. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/ilustrad/fq2806200306.htm. Acesso em: 25 out. 2022.
5. CINEMATECA BRASILEIRA. 30 anos de cinema paulista: 1950 - 1980. São Paulo, 1980, p. 33.
Obras 5
Amor Estranho Amor [cartaz]
As Cariocas [cartaz]
Eros: O Deus do Amor [cartaz]
Fontes de pesquisa 21
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WALTER Hugo Khouri.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa204214/walter-hugo-khouri. Acesso em: 03 de maio de 2025.
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