Gustavo Dahl
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Gustavo Dahl (Buenos Aires, Argentina, 1938 – Trancoso, Brasil, 2011). Montador, diretor, crítico de cinema, gestor público. Sua trajetória se entrelaça com a do cinema nacional moderno, forjando um projeto para retirar o cinema brasileiro da condição colonial, em termos estéticos, políticos e econômicos.
Aos 5 anos de idade, instala-se com a mãe no Rio de Janeiro. Em 1947, muda-se para São Paulo, onde vive até a década de 1960. No Colégio Paes Leme, escreve sobre cinema em artigos publicados no jornal do Grêmio Euclides da Cunha. Ingressa no curso de direito na Universidade Presbiteriana Mackenzie, mas não conclui.
Em 1954, frequenta as sessões de cinema organizadas pela Filmoteca do Museu de Arte Moderna de São Paulo (MAM/SP), atual Cinemateca Brasileira. Aproxima-se de Rubem Biáfora (1922-1996) e Walter Hugo Khouri (1929-2003) e conhece Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977), influência em sua formação intelectual e cinematográfica. Em 1957, inicia atividade de cineclubista no Centro Nacional de Cineclubes e se torna presidente do cineclube do Centro Dom Vital, onde ministra cursos e palestras sobre cinema.
No final dos anos 1950, torna-se crítico promissor depois de publicar artigos na coluna de cinema do suplemento literário do jornal O Estado de S. Paulo, a convite de Paulo Emílio. Os textos discutem o cinema autoral e sua originalidade estética frente à ausência de uma indústria cinematográfica desenvolvida, em diálogo afiado com outros pensadores, como Jean-Claude Bernardet (1936) e Glauber Rocha (1939-1981). De seus artigos, emerge o cinéfilo-teórico, interessado em analisar o uso da linguagem cinematográfica como instrumento de apreensão e transformação da realidade. Também por indicação de Paulo Emílio, começa a trabalhar na Cinemateca como assistente de Rudá de Andrade (1930-2009).
Em 1960, estuda no Centro Sperimentale di Cinematografia, em Roma. Seu primeiro filme é Dança macabra (1962), documentário em curta-metragem sobre as gravuras do alemão Hans Holbein (1497 ou 1498-1543). Entre 1962 e 1964, vive em Paris e participa do curso de cinema etnográfico, ministrado pelo cineasta francês Jean Rouch (1917-2004). Durante a permanência no exterior, escreve críticas e promove o cinema brasileiro em mostras e festivais, amadurecendo a concepção sobre uma cinematografia periférica revolucionária. Os artigos no Cahiers du Cinéma e a militância com intelectuais europeus contribuem para a repercussão internacional do cinema novo.
Em 1964, retorna ao Brasil e passa a viver no Rio de Janeiro. Faz a montagem de filmes como Integração racial (1964), de Paulo César Saraceni (1933-2012), e A grande cidade (1965), de Cacá Diegues (1940), pelo qual ganha os prêmios Coruja de Ouro e Saci. Em 1968, realiza seu primeiro longa-metragem de ficção, O bravo guerreiro. A película dialoga com outros filmes políticos da época: O desafio (1964), de Saraceni, e Terra em transe (1967), de Glauber. O bravo guerreiro confirma a qualidade artística do cineasta. A trama se desenvolve em torno dos dilemas morais e pessoais do intelectual e político de esquerda, Miguel Horta. O personagem ingressa no partido de situação, acreditando que somente a partir do interior do poder é capaz de transformar a realidade daqueles que o elegeram. Desiludido com conchavos e traições na política, decide se calar: empunha o revólver na boca, em um gesto de desespero e de alerta. A narrativa é marcada por planos fixos, nos quais a câmera projeta a palavra falada – arma política do protagonista. O filme, apesar de elogiado por críticos e realizadores, é um fracasso de público e incompreendido pelos intelectuais da esquerda.
Em Uirá: um índio em busca de Deus (1973), inova na linguagem e nos recursos cinematográficos e realiza uma ficção baseada num ensaio do antropólogo Darcy Ribeiro (1922-1997). O objetivo é ultrapassar a barreira de comunicação com o grande público, sem que isso implique concessões de qualidade técnica ou de conteúdo. O filme narra o drama do cacique Kaapor (Uirá), que, após a perda do filho, é acometido por uma tristeza profunda, que o lança em uma viagem até Maíra, a divindade criadora. No caminho, o personagem vivencia a tragédia do encontro com a civilização branca e da desintegração da cultura indígena. Os recursos narrativos buscam aproximar o espectador do filme pela sensibilidade; a comunicação se dá pelas imagens e pelo som e a construção dramática evoca o clássico cinema americano. O filme é premiado com a Margarida de Prata da Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
Em 1974, conquista novamente o prêmio Coruja de Ouro de melhor montagem, por Passe livre (1974), de Oswaldo Caldeira (1943). Paralelamente, escreve para revistas como Revista Civilização Brasileira, Filme Cultura e jornais como Jornal do Brasil e Correio Braziliense.
Durante o governo Geisel (1974-1979), a Embrafilme, empresa estatal produtora e distribuidora de filmes, é reformulada e fortalecida, marcando o lugar do cinema no projeto de nação. A entrada de Dahl na burocracia estatal se dá a convite de Roberto Farias (1932-2018), primeiro cineasta a comandar a Embrafilme. Dahl estrutura e dirige a Superintendência de Comercialização da Embrafilme (Sucom), a partir de 1975, criando condições para que o filme brasileiro ocupe espaço no mercado exibidor. A política agressiva da Sucom encontra, entretanto, a oposição de dois grupos: os que denunciam favorecimento de filmes de bilheteria e de cineastas egressos do cinema novo e as majors, “ameaçadas” com medidas protecionistas da empresa. Em 1977, Dahl publica o artigo “Mercado é cultura”, no qual defende que o mercado de cinema é expressão da cultura cinematográfica, diluindo qualquer antagonismo entre os conceitos.
Em 1979, o cineasta retoma a produção cinematográfica de temática política com o filme Tensão no Rio (1983). Durante os anos 1980, atua em instituições e entidades de classe, como a Associação Brasileira de Cineastas (Abraci) e o Conselho Nacional de Cinema (Concine). Durante o governo Collor (1990-1992), é um dos poucos a alertar sobre o perigo de desmantelamento da Embrafilme e o impacto que isso causaria na atividade cinematográfica, já com diminuição de produção e salas exibidoras.
No final da década de 1990, período de retomada do cinema nacional, publica uma série de críticas ao modelo de fomento instaurado pela Lei do Audiovisual. Expõe os paradoxos de uma política centrada apenas na produção, perdendo de vista outros segmentos da cadeia econômica do ramo audiovisual, necessários a uma indústria autossustentável. Com a escassez de salas e a expansão do mercado de vídeo e de televisão, o cineasta reivindica a atualização da política cinematográfica que inclua o cinema em um sistema de comunicação de massa mais amplo.
Preside o Grupo Executivo de Desenvolvimento da Indústria do Cinema (Gedic), fruto da retomada do Congresso Brasileiro de Cinema (CBC) nos anos de 2000 e 2001. A partir da articulação política da corporação, são criados o Conselho Superior de Cinema e a Agência Nacional do Cinema (Ancine), em 2001. No comando da Ancine, até 2007, Dahl promove o incremento do cinema brasileiro por meio de investimentos na indústria cinematográfica.
Como gerente do Centro Técnico Audiovisual (CTAv) e presidente do Conselho da Cinemateca Brasileira, defende a preservação das imagens, entendidas como reflexo e monumento, o último elo da cadeia produtiva. Nesse momento, confirma a visão sistêmica e estratégica do audiovisual: a permanência das imagens é também condição fundamental para sobrevivência de uma cinematografia. Em suas palavras, “cada povo tem direito às suas imagens para reconhecimento e exaltação”.
Fontes de pesquisa 15
- AVELLAR, José Carlos. O som do silêncio. In: AVELLAR, José Carlos. O cinema dilacerado. Rio de Janeiro: Alhambra, 1986.
- DAHL, Gustavo. Artigos publicados no Suplemento Literário de O Estado de S. Paulo, São Paulo,1959-1960.
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- DAHL, Gustavo. Cinema Novo e seu público. Revista Civilização Brasileira, Rio de Janeiro, v. 1, n. 11/12, p. 192-202, dez.1966/ mar. 1967.
- DAHL, Gustavo. Deus e o Diabo na Idade da Terra em transe. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 25 nov. 1980. Caderno B.
- DAHL, Gustavo. III Congresso Brasileiro de Cinema: plano geral. Set. 2002.
- DAHL, Gustavo. Mercado é cultura. Cultura, Distrito Federal, v. 6, n. 24, p. 125-127, jan./ mar. 1977.
- FICAMOS, Bertrand. Cinema novo et conscientisation. Bordeaux, 2007. Tese (Doutorado) – Université Bordeaux 3 – Michel de Montaigne e Universidade de São Paulo.
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- RAMOS, Fernão Pessoa; MIRANDA, Luiz Felipe (Orgs). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Senac, 2000.
- RAMOS, Fernão Pessoa; MIRANDA, Luiz Felipe (Orgs). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Senac, 2000. R791.430981 E56 ex.2
- SARAIVA, Leandro. As ideias de Gustavo Dahl. Sinopse, São Paulo, v. 2, n. 5, p. 17-21, jun. 2000.
Como citar
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GUSTAVO Dahl.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa434041/gustavo-dahl. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7