Rubem Biáfora
Texto
Gervásio Rubem Biáfora (São Paulo, São Paulo, 1922 - Idem, 1996). Crítico de cinema, cineasta. Filho de uma modesta família do bairro da Casa Verde, em São Paulo, desde muito jovem coleciona informações sobre cinema: com doze anos, já possui uma coleção de recortes sobre filmes e informações que colhe de cartazes expostos em salas de cinema do bairro do Brás. Escreve suas impressões sobre filmes nos jornais da escola e, aos quinze anos, já assina colunas em jornais e revistas paulistanos. Em 1940, faz críticas e ensaios nos jornais Platéia e O Dia, ambos de São Paulo, e em 1943 escreve na Revista Inteligência, uma publicação também paulista.
Participa do segundo Clube de Cinema de São Paulo em 1946 - que mais tarde se transforma na Cinemateca Brasileira - escreve para o suplemento literário do jornal A Manhã, sua única incursão pela imprensa carioca. Nesse período empreende algumas experiências em 16 mm com o grupo liderado pelo fotógrafo e produtor Thomaz Farkas (1924-2011). Roteiriza e codirige um documentário inacabado sobre arte para o Museu de Arte de São Paulo (MASP), em 1947. Escreve para o Jornal de São Paulo e, um ano depois, assume a coluna de cinema no jornal Folha da Tarde. Funda o Centro de Estudos Cinematográficos no MASP no ano de 1948. E organiza, em 1950, com o ator e produtor José Júlio Spiewak (1931), o Grupo de Cinema Orson Welles. Em 1952, realiza seu primeiro filme, o curta-metragem Arte. No ano seguinte começa a escrever no O Estado de S. Paulo e, após quatro anos, passa a dividir coluna diária com o crítico de cinema Francisco Luiz de Almeida Salles (1912-1996). Realiza trabalhos junto à TV Record de São Paulo em 1954, onde escreve, dirige teleteatros e seriados de ficção científica com as aventuras de sua criação: o super-herói Capitão 7, interpretado pelo ator Ayres Campos (1923-2003).
Finaliza seu primeiro longa-metragem em 1959: Ravina, produzido pelo diretor e crítico de cinema Flávio Tambellini (1925-1976) e rodado nos estúdios da Companhia Cinematográfica Vera Cruz. Filme que traz no papel-título Eliane Lage (1928), em sua última aparição nas telas, e ganha prêmios da crítica paulista. Em 1961, assume a coluna diária de crítica cinematográfica de O Estado de S. Paulo. Tenta realizar o longa O Monstro em 1964, mas não obtém sucesso. Com o cineasta Astolfo Araújo (1937) cria a Data Cinematográfica Ltda. em 1966. Ainda no mesmo ano, roteiriza e dirige Mário Gruber, premiado curta-metragem sobre vida e obra do pintor Mário Gruber (1927-2011), para o Instituto Nacional de Cinema Educativo (INCE).
Volta a dirigir um longa-metragem em 1968: O Quarto, o primeiro que realiza com sua própria companhia produtora. Neste mesmo ano colabora como consultor para o filme Panorama do Cinema Brasileiro, de Jurandyr Passos Noronha (1916). No início dos anos 1970 roteiriza As Gatinhas (1970) e produz Fora das Grades (1971), longas de Astolfo Araújo; produz As Noites de Iemanjá (1971), longa de Maurice Capovilla (1936-2021); e atua em Sedução: Qualquer Coisa a Respeito do Amor (1974), de Fauzi Mansur (1941). Em 1975, realiza A Casa das Tentações, seu terceiro e último longa-metragem. Deixa de escrever no O Estado de S. Paulo em 1982, após vinte e um anos à frente da coluna de crítica cinematográfica. Falece em São Paulo, aos 73 anos, vítima de uma parada cardíaca.
Análise
Os anos 1930 e 1940 do cinema hollywoodiano são fundamentais à formação crítica de Rubem Biáfora. A predileção por filmes de western, gangster e musicais, e a manifesta admiração pelo filme Morro dos Ventos Uivantes (Wuthering Heights, 1939), do diretor William Wyler (1902-1981), configuram o ideal de cinema mantido na base de seus escritos. Considera o estúdio cinematográfico local privilegiado para a reinterpretação e recriação do mundo real, uma aposta condizente com sua admiração pela estética expressionista do cinema alemão, que julga ser capaz de recriar em estúdio a falsidade da realidade. Sua formação autodidata e extra-universitária fundamenta-se no apurado conhecimento técnico decorrente de sua precoce cinefilia. Também cedo, na pré-adolescência, desenvolve o gosto pela documentação e coleta de dados para embasar suas "estatísticas", que são o porto-seguro das suas análises fílmicas e que lhe conferem um rico conhecimento sobre os principais filmes exibidos em salas comerciais e cineclubes, sobretudo até 1950. Cultiva, assim, um saber autossuficiente, gerador de suas próprias referências, num movimento "de baixo para cima" como observa o crítico e cineasta Gustavo Dahl (1938- 2011).
A iconoclastia de Rubem Biáfora, a exemplo da recusa a Charles Chaplin (1889-1977) e sua preferência por "filmes B", é constitutiva dos seus posicionamentos contra o que julga uma "crítica bem pensante", acadêmica e politizada. Nesse sentido, vai contra a corrente do Cinema Novo, numa postura que lhe confere a designação de direitista e americanófilo. Possui a admiração de cineastas como Flavio Tambelini (1925-1976) e do crítico Almeida Salles, além de uma lista de discípulos, entre os quais os cineastas Walter Hugo Khouri (1929-2003), Astolfo Araújo (1937), Maurício Rittner (1939); e os críticos Carlos M. Motta (1932-2006), José Júlio Spiewak (1931) e Rubens Ewald Filho (1945).
Ainda segundo Gustavo Dahl, a visão "biafórica" atenta aos aspectos visuais, técnicos e artísticos do cinema, além de panteísta quando se trata de Hollywood, contrapõe-se à visão sociológica do crítico Paulo Emílio Salles Gomes (1916-1977). Nesta, Rubem Biáfora vê um posicionamento esquerdista e intelectual "vendido" ao realismo do cinema soviético e, no pós-guerra, ao neorrealismo italiano e à nouvelle vague francesa. Entretanto, alguns diretores ligados às estas duas escolas são alvos de seu elogio crítico, como o italiano Luchino Visconti (1906-1976) e o francês Alain Resnais (1922). Entre os cineastas aos quais dirige sua admiração crítica estão, igualmente, o sueco Ingmar Bergman (1918-2007), o alemão Werner Herzog (1945) e, a partir dos anos 1960, o japonês Eizo Sugawa (1930), o grego Nikos Koundouros (1926) e o francês Louis Malle (1932-1995).
Para Rubem Biáfora o cinema bem realizado se ancora no artifício do estúdio cinematográfico. Entretanto, este pensamento caminha em direção contrária quanto à questão da interpretação, que julga ser, no processo cinematográfico, o dado mais importante e de maior identificação com o público. Valoriza a concretude da interpretação em oposição à simples representação, pois vê o trabalho do "verdadeiro ator" bem realizado quando ocorre despido de convenções. O que significa, nas suas próprias palavras, que o intérprete não deve submeter-se aos "cacoetes, às imposições do make up, cabeleiras e gestos medidos", mas colocar-se na pele ou nas situações de um personagem, "dando a ele toda a vivência, veracidade, força e significação que o mesmo pode comportar". Para Biáfora, é esse tipo de interpretação, baseado na espontaneidade e na corporalidade do personagem, que completa a obra cinematográfica em toda a sua potencialidade sociológica e filosófica.
Seus dois primeiros longas-metragens, Ravina (1959) e O Quatro (1968), distantes em quase dez anos, carregam opiniões controversas da crítica. Ravina, filme de época contextualizado no cenário paranaense do início do século XX, é visto pelo crítico Ely Azeredo (1930) como um exercício de estilo e uma homenagem do diretor às várias influências da sua formação de crítico, como o cinema hollywoodiano e o expressionismo alemão; já para Paulo Emílio Salles Gomes, mesmo com acabamento formal bem realizado e "numerosos momentos de boa direção", a obra peca pela falta de dramaticidade dos intérpretes - "um problema de tom" segundo Gustavo Dahl, que vê em Eliane Lage e nos demais protagonistas um nível de interpretação aquém do pretendido pelo diretor.
Em O Quarto a recepção crítica é menos elogiosa. Ao narrar a trajetória existencial de Martinho, um empregado de escritório de meia-idade, fechado nos limites de sua condição social e humana, o filme apresenta um "espetáculo arrastado" que deriva de más interpretações e de uma montagem ruim, segundo o crítico José Carlos Avellar (1936). Mesmo considerando os cortes impostos pela censura, para Rubens Ewald Filho a atuação de Sérgio Hingst (1924-2004) - um dos atores mais elogiados por Biáfora - no papel principal não empolga e reflete a má direção de atores, um problema que se estende ao restante do elenco. Nesse sentido, Rubem Biáfora assume sua insatisfação enquanto diretor, pois afirma que seus principais intérpretes - Eliane Lage, Sérgio Hingst e Elizabeth Gasper (1938) em A Casa das Tentações - se distanciam da boa interpretação e estão abaixo da excelência cobrada em suas críticas.
Obras 1
Fontes de pesquisa 31
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Como citar
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RUBEM Biáfora.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa220483/rubem-biafora. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7