Embrafilme
Texto
A Empresa Brasileira de Filmes Sociedade Anônima (Embrafilme), é uma empresa estatal, ativa entre 1969 e 1990, que desempenha papel fundamental para a produção e difusão do cinema no Brasil nas décadas de 1970 e 1980.
A política do Estado brasileiro para o cinema tem raízes no Estado Novo (1937-1945), quando é criado o Instituto Nacional de Cinema Educativo. Durante o governo democrático de Getúlio Vargas (1882-1954), no início da década de 1950, tramita no Congresso o projeto do Instituto Nacional de Cinema (INC), elaborado por uma comissão liderada pelo diretor de cinema Alberto Cavalcanti (1897-1982). Há iniciativas de debater o cinema nacional e diagnosticar a realidade brasileira, como os congressos realizados no início da década e as diversas comissões municipais e federais dedicadas à área1, mas nenhuma delas consegue efetivamente estruturar o setor cinematográfico.
O INC é fundado em 1966. Apesar de subordinado ao Ministério da Educação e Cultura, conta com autonomia técnica e administrativa. Seu objetivo é promover e estimular o cinema nacional e formular a política governamental para a produção, importação, distribuição e exibição no país, sem impor limites à presença do cinema estrangeiro, mas procurando fortalecer a indústria local2. A atuação do INC é caracterizada por seus dirigentes como meramente operacional, sem alinhamentos políticos. Não obstante, sua criação é vista de modo crítico por cineastas, como os identificados com o cinema novo, e também por exibidores, que temem a ingerência do Estado na iniciativa privada.
Com a criação da Embrafilme, os recursos do INC são a ela transferidos e suas funções são gradualmente absorvidas por ela, até a extinção do INC, em 1975.
Segundo o Decreto-Lei nº 862, de 12 de setembro de 1969, o objetivo da Embrafilme é:
[...] a distribuição de filmes no exterior, sua promoção, realização de mostras e apresentações em festivais, visando à difusão do filme brasileiro em seus aspectos culturais artísticos e científicos, como órgão de cooperação com o INC, podendo exercer atividades comerciais ou industriais relacionadas com o objeto principal de sua atividade.3
Assim, a atuação inicial da Embrafilme se concentra na difusão e no apoio ao INC. Essa primeira fase, de 1969 a 1973, é marcada pela convivência do fomento à difusão cinematográfica com a censura dos anos de chumbo. No total, 83 longas-metragens recebem apoio da Embrafilme de 1970 a 1973. Em 1973, a Embrafilme passa a operar também como distribuidora comercial. São Bernardo (1972), do diretor de cinema Leon Hirszman (1937-1987), primeiro filme comercializado pela Embrafilme, materializa o paradoxo da relação entre cinema e Estado no período: o filme fica retido na censura por mais de sete meses, e leva sua produtora, a Saga Filmes, à falência.
Em 1974, o diretor de cinema Roberto Farias (1932-2018) assume a direção-geral da Embrafilme, o que contribui para aproximá-la da classe cinematográfica, incluindo o grupo do cinema novo. Farias implanta um novo modelo de coprodução, em que a Embrafilme assume o risco dos investimentos, com novas modalidades de financiamento das produções (além dos juros subsidiados, passa a financiar até 30% da obra e participar da renda com ela obtida). Outro fator que estimula a circulação dos filmes nacionais no período é o aumento, de 84 para 140, do número de dias de exibição de filmes nacionais no circuito comercial determinado pela Lei da Cota de Tela.
Com a criação do Conselho Nacional de Cinema (Concine), em 1976, e a consequente regulamentação e fiscalização do circuito exibidor, têm início desgastes com exibidores nacionais e distribuidoras estrangeiras. No mesmo ano, Dona Flor e seus Dois Maridos, de Bruno Barreto (1955), supera a marca de 10 milhões de espectadores, permanecendo como a maior bilheteria do cinema brasileiro até 2010. Em 1978, o número anual de espectadores do cinema nacional chega a 61 milhões, e a ocupação da produção nacional no mercado cinematográfico chega a 35% em 1980.
O cinema promovido pela Embrafilme é visto como o promotor da cultura, de valores, personagens e fatos históricos nacionais, provocando, como reação, a adesão à estética marginal, alinhada à produção da Boca do Lixo paulistana, com seus filmes eróticos e de baixo orçamento.
A diminuição do poder de investimento do Estado com a crise do petróleo, o avanço do domínio norte-americano nos mercados latino-americanos e a dolarização das atividades cinematográficas no país são alguns dos fatores econômicos que contribuem para o declínio da Embrafilme. Em termos políticos, o esvaziamento da empresa é marcado pela produção de Prá Frente, Brasil (1982), de Roberto Farias, filme que traça paralelos entre a violência do Estado contra os opositores do regime militar e a propaganda nacionalista em torno da campanha vitoriosa do Brasil na Copa do Mundo de 1970.
Com os desgastes ocorridos no período dos militares, e a perda de espaço que marca a década de 19804, a Embrafilme é extinta em março de 1990 pelo governo Collor (1990-1992).
A Embrafilme concretiza o projeto nacional-desenvolvimentista de estruturação da indústria cinematográfica, com a intervenção estatal equacionando os interesses de produtores, distribuidores e exibidores nacionais e estrangeiros. Sua atuação, marcada pelas contradições vividas na ditadura militar, possibilita uma forte presença do cinema nacional no circuito exibidor do país, sobretudo entre 1975 e o início da década de 1980.
Notas:
1. Pode-se citar a Comissão Municipal de Cinema (CMC) em São Paulo, em 1955; a Comissão Federal de Cinema, de 1956, que se torna Grupo de Estudos da Indústria Cinematográfica (GEIC) em 1958; o Grupo Executivo da Indústria Cinematográfica (Geicine), em 1961; e a Comissão de Auxílio à Indústria Cinematográfica (CAIC), em 1963.
2. O INC teve importante atuação na regulamentação do mercado cinematográfico brasileiro, estabelecendo procedimentos de estatística e cadastramento de empresas e sua fiscalização, além de dar mais consistência à política de fomento ao filme educativo e ao longa-metragem. Uma alteração na Lei da Remessa de Lucro determinou que empresas estrangeiras de distribuição pagassem 40% do imposto devido ao Instituto.
3. Cf.: BRASIL. CASA CIVIL. Decreto-lei nº 862, de 12 de setembro de 1969. Autoriza a criação da Emprêsa Brasileira de Filmes Sociedade Anônima (EMBRAFILME), e dá outras providências. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 12 set. 1969.
4. Segundo Roberto Farias, “Quando voltamos ao regime democrático, a influência do cinema estrangeiro passou a ser muito mais forte. A indústria de liminares favoreceu o cinema estrangeiro contra o cinema brasileiro. Questionaram na Justiça os recursos da Embrafilme, a cota de tela, o ingresso padronizado, enfim..., fecharam o cerco em torno da empresa. E asfixiando a Embrafilme, impedindo-a de dispor dos recursos para o desenvolvimento do cinema brasileiro, o nosso concorrente ficou muito mais livre, mais forte, à vontade para esmagar o filme brasileiro”. (SIMIS, Anita. Celso Furtado. Cultura e política cinematográfica. In: Chasqui. Revista Latinoamericana de Comunicación, Quito, n. 132, ago./nov. 2016, p. 106.)
Fontes de pesquisa 10
- A EMBRAFILME. CTAv - Centro Técnico Audiovisual, out. 2008. Disponível em: http://ctav.gov.br/2008/10/10/a-embrafilme/. Acesso em: 16 maio 2020.
- BRASIL. CASA CIVIL. Decreto-lei nº 862, de 12 de setembro de 1969. Autoriza a criação da Emprêsa Brasileira de Filmes Sociedade Anônima (EMBRAFILME), e dá outras providências. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 12 set. 1969.
- BREVE histórico do cinema brasileiro. Filme B - Portal Database Brasil, 2001. Disponível em: http://www.filmeb.com.br/database2/html/historico01.php. Acesso em: 16 maio 2020.
- CINEMATECA Brasileira - Filmografia: base de dados. S. Bernardo. Disponível em: http://bases.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p&nextAction=lnk&exprSearch=ID=000104&format=detailed.pft. Acesso em: 21 maio 2020.
- FERNANDES, Luciano Miranda Silva de Moraes. O Estado aos cinemanovistas: inserção em redes sociais e multiposicionalidade. 2008. Tese (Doutorado em Ciência Política) – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Rio Grande do Sul, 2008.
- FILMES nacionais com mais de um milhão de espectadores (1970/2008) por público. Portal Ancine. Disponível em: https://www.ancine.gov.br/media/SAM/2008/filmes/por_publico_1.pdf. Acesso em: 24 maio 2020.
- GATTI, André Piero. Embrafilme e o cinema brasileiro. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 2007. Coleção cadernos de pesquisa, v. 6. Disponível em: http://www.cena.ufscar.br/wp-content/uploads/embrafilme.pdf. Acesso em: 21 maio 2020.
- HINGST, Bruno. Projeto ideológico cultural no regime militar: O caso da Embrafilme e os filmes históricos/Adaptações de obras literárias. 2013. Tese (Doutorado) – Escola de Comunicação e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013. Disponível em: http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27161/tde-23082013-092350/pt-br.php. Acesso em: 20 maio 2020.
- NOVA história do cinema brasileiro. Organização Fernão Ramos, Sheila Schvarzman. São Paulo: Ed. SESC SP, 2018. 2.v.
- SIMIS, Anita. Celso Furtado. Cultura y política cinematográfica. In: Chasqui. Revista Latinoamericana de Comunicación, Quito, n. 132, ago./nov. 2016, pp. 101-112. Disponível em: https://revistachasqui.org/index.php/chasqui/article/view/2929. Acesso em: 29 maio 2020.
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EMBRAFILME.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/instituicao636449/embrafilme. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7