Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Dona Flor e Seus Dois Maridos

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 17.05.2024
1976
Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), dirigido por Bruno Barreto (1955), é baseado no romance homônimo de Jorge Amado (1912-2001) e tem o roteiro adaptado por Bruno Barreto, Eduardo Coutinho (1933-2014) e Leopoldo Serran (1942-2008). Distribuído pela Embrafilme, é o terceiro longa-metragem do diretor, e surge de sua vontade de realizar uma coméd...

Texto

Abrir módulo

Dona Flor e Seus Dois Maridos (1976), dirigido por Bruno Barreto (1955), é baseado no romance homônimo de Jorge Amado (1912-2001) e tem o roteiro adaptado por Bruno Barreto, Eduardo Coutinho (1933-2014) e Leopoldo Serran (1942-2008). Distribuído pela Embrafilme, é o terceiro longa-metragem do diretor, e surge de sua vontade de realizar uma comédia irreverente e sensual, em diálogo com as comédias eróticas, populares naquele momento, no Brasil1

A história do filme tem início na madrugada do Carnaval de 1943, na cidade de Salvador. Em meio a folia, um homem cai morto. Na sequência, revela-se que se trata de Vadinho [José Wilker (1946-2014)], marido de Dona Flor [Sônia Braga (1950)]2. Passado o enterro, a narrativa acompanha as lembranças de Dona Flor sobre sua vida com o marido. Este se revela um “malandro”, viciado em jogo e violento com a mulher, agredindo-a física e verbalmente. Passado o tempo e o luto, Flor recebe uma carta de Dr. Teodoro [Mauro Mendonça (1931)], um respeitado farmacêutico, na qual ele declara sua paixão pela viúva. Eles acabam se casando e têm uma vida tranquila, aos moldes burgueses: Flor, dona-de-casa respeitada e Teodoro, trabalhador e marido fiel. Entretanto, Flor sente-se insatisfeita sexualmente com seu novo marido. A situação sofre uma reviravolta, quando ela passa a receber a visita do fantasma de Vadinho que, sempre nu, permite que ela reencontre o prazer. 

O filme encerra-se com os três personagens, saindo da igreja Nossa Senhora do Rosário dos Pretos, localizada no Pelourinho. Os sinos da Igreja são ouvidos, enquanto a câmera acompanha a saída da missa. No meio da multidão, a câmera centraliza nos rostos dos três personagens. A câmera acompanha a caminhada dos três – Dona Flor no meio, de braços dados com cada um de seus dois maridos – e, aos poucos, passa a mostrar as ruas. A cena tem sequência, ao som de “ O que será (à flor da terra)”3, uma das três músicas compostas por Chico Buarque (1944) para o filme, interpretada por Simone (1949). A câmera afasta-se dos personagens e, filmando-os de costas, traz a imagem de Vadinho, sem roupa, dando pequenos tapas nas nádegas de Flor, e do comportado Dr. Teodoro, trajando um terno. Esta última cena indica o tom de realismo fantástico que permeia o filme. A figura de Vadinho é mostrada de forma realista, natural, como se o personagem estivesse de volta ao convívio de Dona Flor. Esta ambiguidade surreal é revelada na sequência, como um devaneio da personagem.

Esse mesmo erotismo que incomoda a censura, ocupa lugar central nas críticas elogiosas que o filme recebe quando é lançado. De acordo com a crítica de Fernando Ferreira, o humor do filme é proveniente da figura de Vadinho e seus boêmios companheiros, em contraposição a monotonia da vida burguesa, representada por Teodoro4. Para Ivo Egon Sigger o filme que “contagia”, narra uma sensual Dona Flor, dividida pelo conflito entre uma vidinha pequeno-burguesa pacata e uma vida de aventuras – um tanto dolorosa – com Vadinho5. Já para Antonio Goulart no artigo “O sadio erotismo de Dona Flor”, trata-se de uma comédia de costumes que provoca gargalhadas e cuja característica mais forte é o erotismo. Para Goulart, Dona Flor aproxima-se de realizar o sonho do estadunidense Hugh Hefner (1926) – fundador e editor da revista Playboy – da possibilidade de publicar fotos de pessoas tendo relações sexuais, sem que isso se torne um ato obsceno6

Entretanto, nem todos os críticos encaram de maneira positiva o erotismo e a irreverência construídos por Barreto. Oswaldo Mendes (1946) considera o filme “bem-comportado” e encerrado numa “moral doméstica”, sem ultrapassar os padrões da televisão, que não apresenta aprofundamento psicológico ou social de seus personagens7. Wlady Nader (1938) faz uma crítica mais carregada de moralismos e compara Dona Flor às pornochanchadas – às quais não atribui virtudes. Com uma nudez, segundo ele, generosa e gratuita, Barreto cria um filme, que não corresponde nem àquilo que os fanáticos pelas telenovelas esperavam de seus ídolos, José Wilker e Sônia Braga, e no qual a reflexão é o que menos importa8

Dona Flor, como muitos outros filmes, teve cenas censuradas pelo governo militar. As “cenas de nudez masculina e feminina”, “gestos obscenos”, “diálogos picantes e empregos de expressões chulas”, fazem o filme inapropriado para ser exibido antes das 23:30h, na televisão. A mesma divisão exige que algumas cenas sejam cortadas e outras “escurecidas” – em especial, as de “atos sexuais”9.

O filme está entre as dez maiores rendas do cinema nacional no período de julho de 1970 a junho de 1977, com quase 11 milhões de espectadores, segundo o Concine (órgão extinto pelo governo Collor). Dona Flor permanece como o maior público do cinema nacional, até o lançamento de Tropa de Elite 2 (2010), com direção de José Padilha (1967). Dona Flor e Seus Dois Maridos ganha prêmios como o Prêmio Especial do Júri no Festival de Taormina, Itália; Prêmio Especial de Melhor Cenografia para Anísio Medeiros, no Festival de Gramado; e Prêmio Coruja de Ouro do Instituto Nacional de Cinema.

Dona Flor e Seus Dois Maridos em diálogo com as comédias eróticas, populares na década de 1970, adapta para o cinema o realismo fantástico presente na obra literária de Jorge Amado e divide público e crítica diante de uma comédia de costumes que questiona a moral da sociedade da época de seu lançamento.

Notas

1. PRODÍGIOS de “Dona Flor”. Veja, São Paulo, p. 82-85, 1 dez. 1976. Disponível em: http://memoriacinebr.com.br/arquivo.asp?0040023I01701. Acesso em: 10 out. 2016. 

2. A atriz tem grande popularidade e é considerada um sex symbol no imaginário nacional da época, em virtude de sua participação na novela Gabriela (1975), baseada na obra homônima de Jorge Amado.

3. As outras duas canções que a antecedem são “Apresentação” e  “O que será ( à flor da pele)”. 

4. FERREIRA, Fernando. 'Dona Flor e Seus Dois Maridos', eficiência e humor à brasileira. O Globo, Rio de Janeiro, 16 dez. 1976. O bonequinho viu. Disponível em: http://memoriacinebr.com.br/arquivo.asp?0040023I034. Acesso em: 10  out. 2016.

5. FERREIRA, Fernando.'Dona Flor e Seus Dois Maridos', eficiência e humor à brasileira. O Globo, Rio de Janeiro, 16 dez. 1976. O bonequinho viu. Disponível em: http://memoriacinebr.com.br/arquivo.asp?0040023I034. Acesso em: 10  out. 2016.

6. GOULART, Antonio. O sadio erotismo de Dona Flor. Correio do Povo, Porto Alegre, 17 abr. 1977. Disponível: http://memoriacinebr.com.br/PDF/0040023I02402.pdf. Acesso em 10 out. 2016

7. MENDES, Oswaldo. Dona Flor versus telenovela. Última Hora, Rio de Janeiro, 21 dez.1976. 

8. NADER, Wlady. Dona Flor, nem como postal. Folha de S.Paulo, São Paulo, 25 nov. 1976. 

9. MEMÓRIA da Censura no Cinema Brasileiro. Documentos da Censura. Disponível em: http://memoriacinebr.com.br/PDF/0040023C01101.pdf. Acesso em: 10 out. 2016.

Fontes de pesquisa 11

Abrir módulo

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: