Pornochanchada
Texto
O termo pornochanchada diz respeito ao conjunto de filmes, sobretudo cômicos, realizados entre o final dos anos 1960 e início dos anos 1980 com apelo erótico e temática diversa voltada à representação de costumes. Assim como ocorre nas décadas anteriores com a chanchada, da qual deriva a designação debochada, o gênero tem grande sucesso. Diferencia-se daquela, no entanto, ao se viabilizar com baixo custo e pouca ou nenhuma atenção à qualidade, a partir de pequenas produtoras estabelecidas na região central de São Paulo conhecida como Boca do Lixo.
Entre as comédias eróticas mais populares e características dessa produção estão A viúva virgem (1972), de Pedro Carlos Rovai (1938-2018), e As cangaceiras eróticas (1974), de Roberto Mauro (1940-2004), títulos que contribuíram para elevar ao status de musa atrizes como Aldine Müller (1953), Helena Ramos (1953), Matilde Mastrangi (1953) e Vera Fischer (1951). Antagonistas numa tendência que supervaloriza os dotes físicos femininos, atores surgem como modelos de identificação para o espectador padrão, caso do ator e produtor David Cardoso (1943).
Fatores de ordem econômica, cultural e política explicam o surgimento e a rápida ascensão da pornochanchada a partir de 1968. Em plena ditadura civil-militar1, o investimento em longas-metragens baratos que atendam a um momento de liberalização de costumes, produzidos sem rigor qualitativo e em alta escala, consolida-se como um bom negócio. Ao mesmo tempo, a ampliação de uma lei de cota de tela dos anos 1960 destinada à ocupação do mercado audiovisual pelo cinema brasileiro passa a requerer mais títulos do que a produção convencional pode suprir.
Ainda, com a particularidade de insinuar mais do que realmente mostrar quanto à nudez e às cenas de sexo, as pornochanchadas sofrem menos com a censura em voga. Eventuais cortes pouco alteram o já precário senso dramatúrgico ou estético. A vocação do gênero é tratar com malícia questões do imaginário da sociedade, sobretudo do espectador masculino, a exemplo da virgindade, do adultério, das conquistas sexuais, sempre em torno do corpo feminino desnudo, explorado à exaustão. Numa conjuntura política de forte repressão, esses filmes exercem um papel dúbio, válvulas de escape à ditadura e ao mesmo tempo frutos dela.
O gênero tem início no Rio de Janeiro, influenciado tanto pelas comédias italianas quanto aquelas de tradição urbana e popular cariocas. Surge com longas como Os paqueras (1968), de Reginaldo Faria (1937), tido como o título precursor, e Memórias de um gigolô (1970), de Alberto Pieralisi (1911-2001). Até 1972, esse primeiro bloco de filmes ainda se caracteriza por uma confecção elaborada, com roteiro e direção exigentes, bom elenco e colaboradores renomados como Oduvaldo Vianna Filho (1936-1974), Lauro César Muniz (1938) e Silvio de Abreu (1942).
A transferência da produção para São Paulo nos primeiros anos da década de 1970 marca a popularização e o crescimento desenfreado do gênero durante os dez anos seguintes. Pequenas produtoras se estabelecem no entorno da rua do Triunfo, no bairro da Luz, onde já se encontram empreendedores reconhecidos do cinema nacional como Alfredo Palácios (1922-1997) e Antonio Polo Galante (1934), sócios na Servicine, e Oswaldo Massaini (1919-1994), com sua Cinedistri, que acabam por aderir à onda. O local, vizinho à ferrovia, favorece o despacho dos filmes para o promissor mercado no interior do estado. É o auge da pornochanchada, responsável no período por cerca de sessenta dos noventa filmes nacionais produzidos, em média, a cada ano.
Com o sucesso, vem a diversificação do estilo e da linguagem. Além da comédia erótica, aposta-se em vertentes de apelo dramático, de horror – sendo este capitaneado pelos filmes de José Mojica Marins (1936-2020), o Zé do Caixão –, bem como policiais e faroestes, a exemplo dos longas de Tony Vieira (1938-1990). Há também uma vertente mais experimental com os filmes iniciais de Carlos Reichenbach (1945-2012), a exemplo de A ilha dos prazeres proibidos (1978), que recebem a alcunha de metapornôs.
Mesmo esse cardápio variado e as bilheterias rentáveis, viabilizadas por uma engrenagem muito bem azeitada entre produção, distribuição e exibição, não garantem prestígio à pornochanchada. O gênero incomoda as classes mais conservadoras, o aparato estatal e os especialistas e analistas de cinema, com críticas à grosseria e à vulgaridade em cena. No aspecto financeiro, compete com as distribuidoras de filmes estadunidenses, nada contentes em perder mercado para produções consideradas rudimentares.
Os primeiros sinais de declínio vêm com a crise econômica dos anos 1980. Outros fatores são o processo de redemocratização do país, momento no qual a produção já saturada não consegue sintonizar e se atualizar, e a chegada do pornô explícito produzido nos Estados Unidos, o chamado hardcore. Parte da turma da Boca do Lixo busca a sobrevivência e realiza seus próprios filmes de sexo explícito, com recordes respeitáveis de público como o que alcança Coisas eróticas (1981), do diretor ítalo-brasileiro Raffaele Rossi (1938-2007), com quatro milhões de espectadores. Consolidada a tendência, a pornochanchada perde sua razão de existir.
Fenômeno cinematográfico identificado com um período particular do país, a pornochanchada se reveste de contradições como a má qualidade e o alto faturamento, controvérsias a exemplo da exploração vulgar da figura feminina em contexto machista e uma aura heroica de ocupação de espaço quase sem similar na trajetória do cinema nacional.
Nota
1. Também denominada de ditadura civil-militar por parte da historiografia com o objetivo de enfatizar a participação e apoio de setores da sociedade civil, como o empresariado e parte da imprensa, no golpe de 1964 e no regime que se instaura até o ano de 1985.
Fontes de pesquisa 6
- ABREU, Nuno Cesar. Boca do Lixo: cinema e classes populares. Campinas: Editora da Unicamp, 2015.
- CINEMATECA BRASILEIRA. Base de dados Filmografia Brasileira. Disponível em: https://bases.cinemateca.org.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/. Acesso em: 25 jun. 2022.
- RAMOS, Fernão Pessoa; MIRANDA, Luiz Felipe (Orgs.). Enciclopédia do cinema brasileiro. 3. ed. ampliada e atualizada. São Paulo: Senac, 2012.
- RAMOS, Fernão Pessoa; SCHVARZMAN, Sheila (Orgs.). Nova história do cinema brasileiro. São Paulo: Sesc, 2018. v. 2.
- SELIGMAN, Flávia. O Brasil é feito de pornôs: o ciclo da pornochanchada no país dos governos militares. 2000. 183 f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
- SIMÕES, Inimá. Sexo à brasileira. In: Revista Alceu, v.8, n. 15, p. 185-195, jul/dez, 2007. Disponível em: http://revistaalceu-acervo.com.puc-rio.br/media/Alceu_n15_Simoes.pdf. Acesso em: 29 jun. 2022.
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PORNOCHANCHADA.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
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Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7