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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

José Mojica Marins

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 30.05.2021
13.03.1936 Brasil / São Paulo / São Paulo
19.02.2020 Brasil / São Paulo / São Paulo
Reprodução fotográfica Correio da Manhã/Acervo Arquivo Nacional

José Mojica Marins em cena do filme O Profeta da Fome, 1971

José Mojica Marins (São Paulo, São Paulo, 1936 - idem, 2020). Diretor, ator, roteirista. Fica conhecido como Zé do Caixão, seu personagem emblemático e é considerado um dos precursores do gênero gore e do cinema de terror no Brasil.

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José Mojica Marins (São Paulo, São Paulo, 1936 - idem, 2020). Diretor, ator, roteirista. Fica conhecido como Zé do Caixão, seu personagem emblemático e é considerado um dos precursores do gênero gore e do cinema de terror no Brasil.

Na infância, frequenta o cinema gerenciado pelo pai. Em 1948, ganha uma câmera de 8mm e grava filmes amadores. Aos 17 anos, funda a Companhia Cinematográfica Apolo e abre uma escola de atores. Em 1954, inicia a produção do primeiro filme profissional, o longa-metragem Sentença de Deus. Dois anos depois, abandona a produção, após a morte acidental de três atrizes durante as gravações. Estreia como ator, roteirista e diretor em A Sina do Aventureiro (1958), faroeste financiado parcialmente pela venda de cotas em troca de participação no filme – recurso usado diversas vezes pelo cineasta. Em 1963, roda o drama Meu Destino em Tuas Mãos.

Segundo Mojica, após um sonho, cria a figura de Zé do Caixão, um agente funerário sádico que aterroriza uma pequena cidade. O personagem torna-se protagonista de À Meia-Noite Levarei sua Alma (1964). Para pagar dívidas, Mojica vende os direitos autorais antes da estreia do filme. O longa torna-se sucesso de bilheteria e permite-lhe realizar novos projetos.

Com À Meia-Noite Levarei sua Alma e o personagem Zé do Caixão, anti-herói paradigmático, José Mojica Marins destaca-se como principal referência do cinema de horror produzido no Brasil e um dos mais conhecidos do movimento Boca do Lixo1.

Interpretado pelo próprio cineasta, o personagem Josefel Zanatas (trocadilho de Satanás), é um coveiro cruel, temido e detestado pela população da pequena cidade em que habita. A fim de perpetuar-se, ele pretende gerar o filho perfeito com a mulher ideal. Para realizar esse desejo, Zé do Caixão não mede esforços e elimina sadicamente quem se coloca em seu caminho.

Em seus filmes de horror, Mojica desenvolve um estilo particular: mescla referências da tradição do cinema de horror internacional, em especial o estadunidense, com elementos do folclore, da realidade e de religiões brasileiras. Em À Meia-Noite Levarei Sua Alma, Zé do Caixão tripudia sobre a religiosidade: na Sexta-Feira Santa, a esposa nega-lhe carne para o almoço. O personagem, entretanto, recusa a tradição e devora um pernil com as mãos, enquanto assiste à procissão e ri da crença dos concidadãos.

Em 1966, realiza Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, continuação do filme anterior. Em 1968, lança O Estranho Mundo de Zé do Caixão, com roteiro de Rubens Francisco Lucchetti (1930). Além do cinema, apresenta o programa televisivo Além, Muito Além do Além, que permanece no ar entre 1967 e 1968. Em 1969, publica as revistas em quadrinhos O Estranho Mundo de Zé do Caixão. O longa-metragem seguinte, Ritual dos Sádicos (1969), considerado seu filme mais radical e interditado pela censura, sendo liberado apenas em 1983 com novo título, O Despertar da Besta

A afronta aos cânones estéticos e temáticos, a crueza da mise-en-scène e a precariedade da produção, superada com criatividade, aproximam Mojica de jovens cineastas do cinema moderno brasileiro. Em Esta Noite Encarnarei no Teu Cadáver, Mojica encena um inferno gélido em cores, contrapondo-o à narrativa em preto-e-branco. Em Ritual dos Sádicos, o diretor explora as cores das alucinações provocadas pelo uso de LSD, psicotrópico dado por um médico às suas cobaias humana. Essas cenas surrealistas e psicodélicas, sem encadeamento narrativo, provocam impacto pela força da construção imagética e atmosférica. 

Sem lançamento comercial e, portanto, sem retorno financeiro, Mojica tem dificuldade para realizar projetos pessoais e atua em filmes de outros diretores. Em 1969, participa de O Cangaceiro sem Deus, de Oswaldo de Oliveira (1931-1990), e O Profeta da Fome, de Maurice Capovilla (1936-2021). Dirige também filmes por encomenda: em 1971, Sexo e Sangue na Trilha do Tesouro  e D’Gajão Mata para Vingar e em 1974, Exorcismo Negro, produção que aproveita o sucesso de O Exorcista (1973), do estadunidense William Friedkin (1935) e tem como mote a confusão entre as identidades de criador e criatura, devido a promoção excessiva do personagem Zé do Caixão que se confunde com o próprio José Mojica Marins.

Como diretor assina os filmes Finis Hominis (1971) um exemplo de contracultura no qual está presente um profeta transgressor que surge como personagem antípoda de Zé do Caixão e Delírios de um Anormal (1978). Faz ainda, por encomenda, filmes de sexo explícito:  A Quinta Dimensão do Sexo (1984) e Dr. Frank na Clínica das Taras (1986).

As dificuldades financeiras para realizar projetos autorais reforçam o alinhamento do cineasta com a Boca do Lixo, em produções de gêneros diversos, rápidas, baratas e sob encomenda. Ainda assim, é possível ver em seus filmes, desde A Sina do Aventureiro, o gosto pela crueza, pela truculência dos personagens e pelo erótico e grotesco. A decadência posterior a Ritual dos Sádicos atravessa os anos 1970, com poucos filmes de destaque, e chega aos anos 1980, quando as mudanças de paradigmas no cinema brasileiro, em especial o produzido na Boca, levam o diretor à produção de filmes de sexo explícito. Em uma dessas produções, por exemplo, o grotesco alia-se ao humor em cenas de zoofilia com um pastor alemão ou com um touro.

Ao lado do japonês Nobuo Nakagawa (1905-1984) e do estadunidense Herschell Gordon Lewis (1926-2016), Mojica é um dos cineastas inaugurais da estética e do subgênero do horror gore, em que a violência física é gráfica, excessiva e estilizada. Exemplos disso são a cena em que Zé do Caixão fura os olhos de seu inimigo em À Meia-Noite Levarei Sua Alma e as cenas de canibalismo no episódio “Ideologia”, de O Estranho Mundo de Zé do Caixão.

Desde À Meia-Noite Levarei Sua Alma, os filmes de Mojica, em especial seus longas de horror, provocam reações controversas na crítica. No Jornal do Brasil, Maurício Gomes Leite (1936-1993) escreve: “[...] absolutamente não é cinema [...], não é um filme primitivo, é primário; não choca, imbeciliza; para o cinema do Brasil não é uma linha pioneira, é um atraso”2. Na mesma linha, Rubens Ewald Filho (1945) escreve sobre Perversão, na revista IstoÉ:

O triste é que José Mojica Marins, nos seus primeiros filmes, tinha um certo charme do malfeito. Era como um pintor primitivo que levaram para a escola a fim de aprender a pintar. Disseram-lhe que era um gênio e ele acreditou. Hoje já sabe fazer fotografias de cartão-postal e dar declarações intelectualizadas. Mas não passa de um borra-botas igual a tantos outros3.

Em contrapartida, Salvyano Cavalcanti de Paiva (1923-2004) classifica À Meia-Noite... de “obra-prima da velhacaria com surpreendente dose de inventividade cinematográfica”4 e José Lino Grünewald (1931-2000) aponta que Mojica é “sem dúvida um dos melhores cineastas brasileiros e um dos poucos que, ao nível internacional, inova no gênero horror”3.

A partir dos anos 1990, nos Estados Unidos, Mojica torna-se diretor prestigiado em circuitos cinéfilos com a chancela de cult e fica conhecido como Coffin Joe Há também uma revisão crítica da obra do cineasta, que lhe permite voltar à cena para além das esporádicas participações midiáticas. Encarnação do Demônio é seu filme mais caro e com maior valor de produção. O longa adapta a história de Zé do Caixão a tendências estéticas do horror contemporâneo, mas preserva o estilo do diretor. Apesar da recepção crítica positiva, o filme fracassa nas bilheterias, encerrando a carreira do diretor.

Nos anos 2000, apresenta-se nas Noites de Terror, evento promovido pelo parque de diversões Playcenter, em São Paulo, e apresenta o programa de TV Cine Trash. Em 2008, grava Encarnação do Demônio, filme que encerra a Trilogia Zé do Caixão. Entre 2008 e 2014, apresenta O Estranho Mundo de Zé do Caixão, programa de entrevistas exibido pela TV Brasil. Em 2015, dirige o episódio “O Saci”, para a série As Fábulas Negras. No mesmo ano, é lançada a minissérie Zé do Caixão, sobre a vida do cineasta.

José Mojica Marins figura entre os diretores do movimento Boca do Lixo com filmes que são considerados os precursores do cinema de terror no Brasil, além de atuar em produções de outros importantes nomes como Maurice Capovilla. Em seus filmes, através de seu personagem, Zé do Caixão mistura elementos tradicionais do cinema de horror estadunidense com aspectos folclóricos e religiosos brasileiros.

Notas

1. Entre os anos 1960 e 1980, a Boca do Lixo, na região da Luz, em São Paulo, é o maior polo cinematográfico do país, responsável por uma grande variedade de filmes de gênero, quase sempre com apelo erótico.
2. Cf. BARCINSKI, André; FINOTTI, Ivan. Zé do Caixão: Maldito – a biografia. Rio de Janeiro: DarkSide, 2015. p. 164.
3. Ibidem, p. 291.

Obras 2

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Exposições 1

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Fontes de pesquisa 9

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  • BARCINSKI, André; FINOTTI, Ivan. Zé do Caixão: Maldito – a biografia. Rio de Janeiro: DarkSide, 2015.
  • BERNARDET, Jean-Claude. Brasil em tempo de cinema. São Paulo: Companhia das Letras, 2007.
  • CARNEIRO, Gabriel. Entrevista com José Mojica Marins. Revista Zingu!, São Paulo, out. 2008. Disponível em: http://revistazingu.blogspot.com.br/2008/10/djmm-entrevista.html.
  • CÁNEPA, Laura Loguercio. Medo de quê? – Uma história do horror nos filmes brasileiros. Tese (Doutorado em Multimeios) – Instituto de Artes da Universidade de Estadual de Campinas, Campinas, 2008.
  • FERREIRA, Jairo. Candeias. Cinema de invenção. São Paulo: Limiar, 2000.
  • Morre o cineasta José Mojica Marins, o Zé do Caixão. Folha de S. Paulo, São Paulo, 19 fev. 2020. Ilustrada. Acesso em: https://www1.folha.uol.com.br/ilustrada/2020/02/morre-o-cineasta-jose-mojica-marins-o-ze-do-caixao.shtml?origin=folha. Acesso em: 19 fev. 2020.
  • PUPPO, Eugenio (Org.). Horror no cinema brasileiro. São Paulo: Heco Produções, 2009.
  • PUPPO, Eugenio (Org.). José Mojica Marins: 50 anos de carreira. São Paulo: Heco Produções, 2007.
  • SPACA, Rafael. Conversações com R.F. Luccheti. Rio de Janeiro: Verve, 2015.

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