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Enciclopédia Itaú Cultural
Cinema

Boca do Lixo

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 05.02.2024
A Boca do Lixo de Cinema, também conhecida como Boca de Cinema ou simplesmente Boca do Lixo, é um polo de produção cinematográfica localizado nas imediações do bairro de Santa Ifigênia, no Centro da cidade de São Paulo, que tem seu período mais intenso de atividade entre o final da década de 1960 e o fim dos anos 1980. Destaca-se pela expressiva...

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A Boca do Lixo de Cinema, também conhecida como Boca de Cinema ou simplesmente Boca do Lixo, é um polo de produção cinematográfica localizado nas imediações do bairro de Santa Ifigênia, no Centro da cidade de São Paulo, que tem seu período mais intenso de atividade entre o final da década de 1960 e o fim dos anos 1980. Destaca-se pela expressiva produção de filmes independentes1 com bom resultado comercial.

No início do século XX, instalam-se na região diversas distribuidoras estrangeiras de filmes, como Fox e Paramount, aproveitando a proximidade da estação ferroviária da Luz, que facilita o transporte das latas de película cinematográfica. Exibidores e distribuidores brasileiros também se instalam na região e, em 1954, a distribuidora Cinedistri, de Oswaldo Massaini (1919-1994), passa a atuar na produção de filmes.
A partir de 1966, com a criação do Instituto Nacional de Cinema (INC) e a implantação de medidas protecionistas com relação ao filme brasileiro2, desenha-se um cenário que favorece o aparecimento de pequenos produtores dispostos a investir em cinema.

Boca do Lixo é expressão cunhada pela imprensa policial a partir dos anos 1940 para designar essa região, em alusão à frequência de personagens vistos como marginais – bandidos e prostitutas –, que atuam nos Campos Elíseos, na Santa Ifigênia e adjacências. Com a concentração das produtoras cinematográficas, sobretudo a partir da segunda metade dos anos 1960, Boca do Lixo passa a denotar também o polo de cinema ali estabelecido, cujos técnicos e realizadores convivem na Rua do Triunfo.

Dois filmes de 1967 marcam o início da fase de produções regulares na Boca do Lixo: Vidas Nuas, de Ody Fraga (1927-1987), sucesso de público, estabelece Antonio Polo Galante (1934) como produtor na região; e A Margem, do diretor de cinema Ozualdo Candeias (1922-2007), sucesso de crítica, chama a atenção dos veículos de comunicação para o cinema ali produzido.

O Cinema da Boca do Lixo comporta projetos que variam do autoral e experimental, como os que configuram o cinema marginal de Candeias, passando por comédias, dramas, policiais, filmes de ação e terror, até as pornochanchadas. Diversos pesquisadores observam como a generalização quanto às pornochanchadas da Boca do Lixo leva a uma percepção redutora e estigmatizante do polo de cinema independente, que, nas décadas de 1970 e 1980, é responsável por cerca de 50% a 60% da produção nacional de filmes.

Três momentos principais podem ser identificados na história da Boca: o primeiro, de 1966 até 1974, da concentração de produtoras na região até o fim da experiência do cinema marginal e as mudanças na formulação da Embrafilme; o segundo, até 1983, marcado por uma efervescência produtiva, com o aparecimento de diversos diretores e produtoras cinematográficas, maior organização do setor e um empenho em aprimorar o nível técnico e artístico dos filmes; e o ocaso, quando começa a produção de filmes de sexo explícito. Nesse momento de declínio, é frequente a reutilização de trechos de filmes já realizados nas novas produções, e muitos diretores e produtores deixam de assinar suas obras. Poucos, como Walter Hugo Khouri (1929-2003) e Carlos Reichenbach (1945-2012), conseguem verbas estatais e realizam coproduções fora da Boca.

Questões presentes no discurso e no posicionamento de muitos dos envolvidos com a Boca de Cinema aparecem em O Bandido da Luz Vermelha (1968), com direção de Rogério Sganzerla (1946-2004). Ao narrar a trajetória do anti-herói Jorginho, o filme promove a colagem de múltiplos gêneros e referências, em sintonia com o tropicalismo, usando as chaves da ironia e da provocação, marcando um rompimento com os procedimentos éticos e estéticos do cinema novo. Nele, a Boca do Lixo aparece como locação, como alegoria do terceiro mundo pelo qual o personagem erra. A Boca aparece também como locação em As Libertinas (1969), longa de episódios dirigidos por Antonio Lima, Carlos Reichenbach e João Callegaro (1945). Além da provocação estética e política presente no filme, este é o primeiro trabalho realizado pelos jovens cineastas da Boca, com seu modo de produção cooperativo.

A partir dos anos 1970, paralelamente ao declínio do cinema marginal, consagra-se a fórmula que busca o contato com o grande público aliando a produção de baixo custo ao erotismo, em associação com o circuito exibidor. Esse modelo obtém bom retorno comercial, sobretudo levando-se em conta o baixo custo das produções.

Coisas Eróticas (1981), com direção de Raffaele Rossi (1938-2007) e Laente Calicchio, primeiro filme brasileiro de sexo explícito a ser lançado comercialmente no país, atinge a maior bilheteria da Boca, passando dos 4,7 milhões de espectadores, a 17ª maior bilheteria do cinema nacional até 2019. Seu lançamento coincide com o momento de crise iniciado pouco antes, em 1979, com a extinção do prêmio adicional de renda, quando o modelo de parceria entre produtores e exibidores é abalado.

Na segunda metade dos anos 1980, com o grande volume de produções explícitas norte-americanas, os poucos produtores que ainda restam na Boca do Lixo fecham seus escritórios. 

A Boca do Lixo de Cinema de São Paulo constitui um espaço de convivência e formação para uma geração de cineastas e técnicos que, graças a um contexto de estímulos à distribuição e à exibição do filme brasileiro, podem realizar suas produções independentes nos anos 1970 e 1980. 

Notas:

1. Em termos gerais, considera-se filme independente aquele realizado por produtoras pequenas, fora do esquema dos grandes estúdios cinematográficos, com maior liberdade de experimentação. 

2. Duas medidas importantes são a cota de tela para filmes nacionais, que estabelece a obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais para 56 dias por ano, e o Prêmio Adicional de Bilheteria, que remunera o produtor pelo desempenho de público.

Obras 4

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Exposições 1

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Fontes de pesquisa 15

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  • A MARGEM. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra67244/a-margem. Acesso em: 12 de jul. 2020.
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  • LISTAGEM de filmes brasileiros com mais de 500.000 espectadores - 1970 a 2018. Rio de Janeiro: Agência Nacional do Cinema / Observatório Brasileiro do Cinema e do Audiovisual, 2019. Disponível em: https://oca.ancine.gov.br/sites/default/files/repositorio/pdf/2105.pdf. Acesso em: 10 jul. 2020.
  • MELO, Luís Alberto Rocha. Cinema independente: produção, distribuição e exibição no Rio de Janeiro (1948-1954). 2011. 425 f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Instituto de Arte e Comunicação Social, Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011. Disponível em: http://est.uff.br/wp-content/uploads/sites/200/2020/03/tese_doutorado_2011_luis_alberto_rocha_melo.pdf. Acesso em: 26 jan. 2021.
  • NOVA história do cinema brasileiro. Organização Fernão Ramos, Sheila Schvarzman. São Paulo: Ed. SESC SP, 2018. 2.v.
  • O BANDIDO da Luz Vermelha. In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileiras. São Paulo: Itaú Cultural, 2020. Disponível em: http://enciclopedia.itaucultural.org.br/obra67285/o-bandido-da-luz-vermelha. Acesso em: 12 jul. 2020.
  • SELIGMAN, Flávia. O Brasil é feito de pornôs: o ciclo da pornochanchada no país dos governos militares. 2000. 183 f. Tese (Doutorado em Comunicação) – Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2000.
  • STERNHEIM, Alfredo. Cinema da Boca: Dicionário de Diretores. São Paulo: Imprensa Oficial; Fundação Padre Anchieta, 2005.
  • SUPPIA, Alfredo; MELO, Maria Cristina Couto. Transformações do pensamento cinematográfico independente brasileiro: uma investigação preliminar. Alceu: Revista de Comunicação, Cultura e Política, v. 20, n. 38, 2019. Disponível em: http://revistaalceu.com.puc-rio.br/index.php/alceu/article/view/15/8. Acesso em: 26 jan. 2021.
  • TONIOLO, Aline Dip; HAMEL, Marcio Renan. A indústria cinematográfica nacional em tempos de ditadura militar: censura x democracia. Justiça do Direito, v. 29, n. 2, 2015. Disponível em: http://seer.upf.br/index.php/rjd/article/view/5587/3802. Acesso em: 26 jan. 2021.
  • VIEIRA, João Luiz. “Lixo, marginais e chanchada”. In: CINEMA Marginal e suas fronteiras: filmes produzidos nas décadas de 60 e 70. Curadoria Eugênio Puppo, Vera Haddad. São Paulo, SP: Centro Cultural Banco do Brasil, 2001.
  • XAVIER, Ismail. Alegorias do subdesenvolvimento: cinema novo, tropicalismo, cinema marginal. São Paulo: Brasiliense, 1993.

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