Léo Peracchi
Texto
Biografia
Leo Peracchi (São Paulo, 1911 - Rio de Janeiro, 1993). Regente, arranjador, pianista, compositor. Filho de contrabaixista italiano, Memore Peracchi, ingressa no Instituto Musical Benedetto Marcello, dirigido por seu pai, onde se forma em piano e composição em 1927.
Profissionaliza-se regendo orquestras de cinema e tocando em diversos conjuntos, como na Orquestra Pianística, ou no Quinteto do Hotel Terminus, na Rádio Educadora Paulista. É maestro assistente da Associação Lírica Paulista, responsável pela montagem de óperas no Teatro Municipal.
Em 1936, torna-se pianista e maestro da Rádio Cosmos e, no ano seguinte, da Bandeirantes. Com a morte do pai, em 1938, assume a direção do Instituto, onde permanece até 1941, quando se muda para o Rio de Janeiro e é contratado pela Rádio Nacional.
Leciona piano, harmonia e orquestração, tendo entre seus alunos Artur Moreira Lima (1940) e Tom Jobim (1927-1994). Faz os arranjos de alguns filmes, como Maior que o Ódio (1951), de José Carlos Burle (1907-1983), e a direção musical de Amei um Bicheiro (1952), de Jorge Ileli (1925-2003) e Paulo Wanderley (1903-1973). No teatro, rege a orquestra na montagem de Orfeu da Conceição (1956), peça de Vinícius de Moraes (1913-1980), musicada por Tom Jobim.
Em 1953, faz os arranjos do LP Ary Barroso - Trio Surdina/ Leo Peracchi e sua Orquestra e também grava o LP Música de Champagne. Entre os discos instrumentais, constam Valsas Brasileiras – Zequinha de Abreu (1955), Exaltação ao Baião! (1957), Walt Disney na América do Sul (1958) e Festa de Boleros (1959). Como orquestrador acompanhante, destacam-se Caymmi e o Mar (1957), de Dorival Caymmi (1914 - 2008); Garoto Revive em Alta Fidelidade (1957); Carícia (1957), de Sylvia Teles (1934-1966); e Por Toda Minha Vida (1959), com canções de Vinícius de Moraes e Tom Jobim, interpretadas pela cantora Lenita Bruno (1926-1987).
Em 1959, viaja para Hollywood, em viagem patrocinada pelo Departamento de Divulgação da Música Brasileira do Itamaraty. Também à Europa, integrando a Segunda Caravana da União Brasileira de Compositores (UBC). No mesmo ano, muda-se para os Estados Unidos, onde leciona, dirige coros e divulga o repertório erudito brasileiro. Em 1965, é nomeado diretor musical da Orquestra Sinfônica de Altoona, na Pensilvânia.
Em 1968, muda-se para a Iugoslávia, onde trabalha com a Filarmônica de Belgrado e escreve o ballet Stâmena. Regressa a São Paulo em 1970 e leciona no antigo Instituto Benedetto Marcello, renomeado Conservatório Carlos Gomes. Nele, orienta músicos em início de carreira, como Eduardo Gudin (1950). Sob o pseudônimo de Esther Abbog, escreve manuais e arranjos simplificados para piano. Rege a orquestra do disco Elis & Tom (1974) e compõe os arranjos de Edu da Gaita (1979).
Vítima de um derrame, retorna ao Rio de Janeiro em 1989. Em 1992, um ano antes de sua morte, é tema do programa Arranjadores, da TV Cultura. Em 2001, é homenageado pela Orquestra Jazz Sinfônica, com as cantoras Ná Ozzetti (1958), Mônica Salmaso (1971), Tetê Espíndola (1954), Jane Duboc (1950), Céline Imbert (1951), Vânia Bastos (1956) e Miriam Peracchi, sua filha, nos arranjos originais do disco Por toda a Minha Vida. O show dá origem ao disco O Mestre Leo Peracchi e a Jazz Sinfônica – Canções de Tom e Vinícius.
Análise
Embora desconhecido do grande público, Léo Peracchi é considerado um dos principais orquestradores brasileiros do século XX, opinião compartilhada por importantes figuras da nossa música popular e erudita, como Tom Jobim e Heitor Villa-Lobos (1887-1959). Sua habilidade em manejar os timbres sinfônicos deve-se, em parte, à influência do meio musical em que cresceu, formado por maestros e instrumentistas italianos e descendentes que se organizam em São Paulo nas primeiras décadas do século XX. Cultores da ópera e da tradição de concerto europeias, mas carentes de um mercado musical erudito, esses profissionais integram e dirigem orquestras que executam vasto repertório, do italiano Giuseppe Verdi (1813-1901) a trechos de opereta, habituando os ouvidos do grande público às sonoridades sinfônicas.
Escritas para cinema, teatro, disco e rádio, as orquestrações de Peracchi caracterizam-se pela leveza e economia sonora, equilibrando os timbres sinfônicos com delicadeza e precisão. Seus arranjos para o LP Por Toda a Minha Vida, com canções de Tom Jobim e Vinícius de Moraes interpretadas por Lenita Bruno, evidenciam tais características. Em “Modinha”, as cordas formam um colchão sonoro sobre o qual se assenta a voz em evidência. As sutilezas ficam por conta do contracanto do baixo e pelo uso específico do violão, dedilhado apenas em passagens estratégicas. Já em “As Praias Desertas”, Peracchi vale-se de harmonias dissonantes para compor uma paisagem impressionista, sem sobrepor a orquestra à voz da solista. Os diferentes naipes dialogam com o canto, um de cada vez, sem criar uma massa sonora, como usual nos arranjos orquestrais da época. Nesse sentido, o orquestrador afasta-se do estilo de Radamés Gnattali (1906-1988), seu colega da Rádio Nacional, cujos arranjos se caracterizam pela grandiosidade, pelo cruzamento de estilos contrastantes e por efeitos inusitados que surpreendem o ouvinte.
A orquestra de Peracchi é mínima e sóbria e rica em coloridos sonoros, características que também se notam no discípulo Tom Jobim. Alguns críticos atribuem a Peracchi, mais especificamente a seu trabalho em Por Toda a Minha Vida, uma influência decisiva no estilo jobiniano de orquestração. Dori Caymmi, outro admirador do maestro da Rádio Nacional, afirma que os arranjos de Peracchi para o disco Caymmi e o Mar funcionam como uma “cortina cinematográfica” que atua por trás da música[1], como um pano de fundo a ressaltar a melodia em primeiro plano. Ainda que a percussão se sobressaia, como acontece em muitas faixas do álbum, ela cede espaço às cordas ou aos metais, que se alternam ao longo da música. Mesmo nos arranjos puramente orquestrais, o maestro concede primazia à melodia, como se nota no LP Cocktails (1958), lançado nos Estados Unidos pela gravadora Capitol com o título Brazilian Cocktails. Nesse disco, a Orquestra Peracchi interpreta composições de diversos compositores brasileiros, como Tom Jobim, Luiz Bonfá (1922-2001) e João da Baiana (1887-1974), cada qual designada com o nome de uma bebida. No arranjo de “Moonlight Daikiri”, por exemplo, cada frase da melodia é executada por uma dupla de instrumentos contrastantes, convidando o ouvinte a um passeio pelos diversos timbres da orquestra. A composição de Tom Jobim, mais tarde, recebe letra de Chico Buarque (1944), “Imagina”.
Na Rádio Nacional, Peracchi exerce um papel fundamental no processo conhecido como a “sinfonização” da música popular brasileira ao lado de Radamés Gnattali, Lyrio Panicalli (1906-1984), Alberto Lazzoli (1906-1987) e César Guerra-Peixe (1914-1993), entre outros arranjadores. O termo “sinfonização” refere-se ao projeto do Governo Vargas de educar, pelo rádio, “a audição das massas, por meio da divulgação de um repertório a um só tempo ‘brasileiro’ e ‘elevado’”[2]. Essa proposta revela-se no caráter quase didático da maioria dos programas sinfônicos transmitidos pela Rádio Nacional, nos quais os arranjos, antes de serem ouvidos, são descritos pelo locutor, que “destacava efeitos, gêneros, ritmos e mudanças de andamento”[3], orientando a escuta do ouvinte de modo a inseri-lo no universo da música de concerto.
Como compositor, Peracchi dedica-se principalmente ao repertório erudito, destacando-se, em sua pequena obra, o poema sinfônico As aventuras de Tibicuera, o ballet Stâmena e as “Variações sobre Vem cá Bidú”, de Alexandre Levi (1864-1982), gravada em 2012 pela Orquestra Experimental de Repertório no disco Arranjadores. Amigo pessoal de Villa-Lobos, empenha-se na tarefa de divulgar a música erudita brasileira, apresentando novos compositores e solistas em seu programa Festivais GE, da Rádio Nacional, e levando aos Estados Unidos obras de nossos compositores consagrados, de Carlos Gomes (1836-1896) a Guerra-Peixe. Ainda assim, escreve algumas composições populares, todas associadas ao universo afro-brasileiro. No disco Em Tempo de Macumba (1972), volume 12 da coleção No Tempo dos Bons Tempos, estão registradas “Conga”, “Oxum-maré”, “Ogum Yara” e “Aruanda”, todas parcerias suas com Jorge Fernandes (1907-1989), lançados em disco 78 rotações na voz do cantor em meados da década de 1950. Também compõe a música instrumental “Percussão Espetacular”, gravada por Henry Nirenberg e Sua Orquestra no disco Magia Negra (1961).
Notas
[1] SANCHES, Pedro Alexandre. Dory Caymmi homenageia os ‘gênios’. Folha de S.Paulo, São Paulo, 11 set. 2001. Caderno Ilustrada, p. E-5.
[2] BESSA, Virgínia de Almeida. A escuta singular de Pixinguinha. História e música popular no Brasil dos anos 1920 e 1930. São Paulo: Alameda, 2010, p. 260.
[3] Idem, ibidem, p. 267.
Obras 4
Fontes de pesquisa 6
- BESSA, Virginia de Almeida. A escuta singular de Pixinguinha. História e música popular no Brasil dos anos 1920 e 1930. São Paulo: Alameda, 2010.
- MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998.
- NASSIF, Luis. O maestro Leo Peracchi. Folha de S. Paulo, São Paulo, 29 dez. 2002. Caderno Dinheiro, p. B-3.
- PINTO, Theophilo Augusto. Gente que brilha quando os maestros se encontram: música e músicos da 'Era do Ouro' do rádio brasileiro (1945-1957). Tese (Doutorado em História Social) – Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.
- SANCHES, Pedro Alexandre. “Dory Caymmi homenageia os ‘gênios’.” Folha de S.Paulo, São Paulo, 11 set. 2001. Caderno Ilustrada, p. E-5.
- SESC São Paulo. O mestre Léo Peracchi: Memória. Programa eletrônico do show “O mestre Leo Peracchi e a Jazz Sinfônica”. Disponível em: < www.sescsp.org.br/sesc/hotsites/maestro/fra_memoria.htm > Acesso em: 29 jul. 2014.
Como citar
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LÉO Peracchi.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa637893/leo-peracchi. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
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