Murilo Mendes
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Poesias (1925-1955), 1959
Murilo Mendes
Texto
Biografia
Murilo Monteiro Mendes (Juiz de Fora, Minas Gerais, 1901 - Lisboa, Portugal, 1975). Poeta, prosador e crítico de artes plásticas. Filho do funcionário público Onofre Mendes e da dona-de-casa Elisa Valentina Monteiro de Barros Mendes. Com a morte da mãe em 1902, o pai casa-se novamente com Maria José Monteiro, considerada pelo poeta sua segunda mãe. Aos 16 anos foge do colégio para assistir, no Rio de Janeiro, à apresentação do bailarino e coreógrafo russo Vaslav Nijinski (1890-1950). Nessa mesma época, recusa-se a continuar os estudos. Após várias tentativas da família de fixá-lo num emprego, vai, com o irmão mais velho, para o Rio de Janeiro, em 1920. Entre 1924 e 1929, escreve para as primeiras publicações modernistas, como a Revista de Antropofagia, de São Paulo, e a Verde, de Cataguases, Minas Gerais. Com apoio financeiro do pai, edita, em 1930, o primeiro livro, Poemas, pelo qual recebe o Prêmio Graça Aranha. Após a morte do amigo pintor, filósofo e poeta Ismael Nery (1900-1934), converte-se ao catolicismo. Conhece, em 1940, e casa-se sete anos depois com a poeta Maria da Saudade Cortesão, filha do historiador e poeta português Jaime Cortesão (1884-1960), exilado no Brasil por se opor à ditadura de Antonio Oliveira Salazar (1889-1970). Ao fim de sua estada na Europa, entre 1952 e 1956, cumprindo missão cultural, fixa-se na Itália e leciona cultura brasileira na Universidade de Roma. Seu apartamento na via del Consolato 6, no centro da capital italiana, torna-se ponto de referência para escritores e artistas plásticos europeus, que o ajudam a formar um importante acervo de arte contemporânea, hoje pertencente ao Museu de Arte Murilo Mendes (MAMM), em Juiz de Fora, Minas Gerais. Em 1972, recebe o prêmio internacional de poesia Etna-Taormina, na Itália.
Comentário Crítico
A primeira poesia de Murilo Mendes revela sua dívida com os principais temas e procedimentos típicos do modernismo brasileiro dos anos 1920: o nacionalismo, o folclore, o coloquialismo, o humor, o poema-piada e a paródia. Fica, assim, evidente o diálogo com a poesia de Mário de Andrade (1893-1945) e a de Oswald de Andrade (1890-1954) nos três primeiros livros: Poemas, Bumba-Meu-Poeta e História do Brasil, este renegado e não incluído pelo poeta mineiro na edição de 1959, que reúne toda sua poesia publicada até então.
A partir de O Visionário, evidencia-se outra influência ainda mais decisiva para a poesia de Murilo Mendes: a do surrealismo. Desse movimento de vanguarda, o poeta incorpora sobretudo a técnica da montagem ou, como ele mesmo diz, da "acoplagem de elementos díspares". A liberdade com que ele funde, por meio dessa técnica, o imaginário e o cotidiano, o onírico e o intramundano, assim como o eterno e o contingente, leva Manuel Bandeira (1886-1968) a saudá-lo como o grande conciliador de contrários. O mesmo Bandeira, aliás, que ressalta a originalidade ingênita de Murilo Mendes, comparando-o a um bicho-da-seda, que tira tudo de si. O choque resultante da livre aproximação de elementos tão díspares da realidade e da imaginação responde pela impressão de fragmentação e estilhaçamento do verso, deliberadamente desarmônico e não-melódico. O anarcoerotismo dessa poesia pode também ser tomado como herança surrealista, como se vê na cosmologia representada pela figura hiperbólica de sua musa sensual: o mundo começava nos seios de Jandira.
A plasticidade e o predomínio da imagem sobre a mensagem são traços marcantes da poesia de Murilo Mendes, como nota João Cabral de Melo Neto (1920-1999) que atesta, assim, a influência exercida pelo primeiro sobre sua própria obra: "a poesia de Murilo me foi sempre mestra, pela plasticidade e a novidade da imagem. Sobretudo foi ela que me ensinou a dar precedência à imagem sobre a mensagem, ao plástico sobre o discursivo".
A influência das ideias do pintor e poeta Ismael Nery responde por outra faceta da poesia de Murilo Mendes, a essencialista, relacionada à busca de verdades transcendentes, metafísicas, que definem a natureza dos seres e das coisas independente do tempo e do lugar. Além da influência intelectual, a morte prematura de Nery leva Murilo a uma grave crise, responsável por sua conversão ao catolicismo. Publica, assim, Tempo e Eternidade, livro escrito em parceria com Jorge de Lima (1895-1953) sob o lema: Restauremos a poesia em Cristo. A poesia católica de Murilo Mendes, intimamente ligada à essencialista, é o contraponto universalista à preocupação com as particularidades nacionais de sua primeira poesia, modernista.
A conversão católica do poeta mineiro é característica dos anos 1930, que assiste, no Brasil, a uma renovação da literatura cristã, como se pode verificar nas obras de Vinicius de Moraes (1913-1980), Augusto Frederico Schmidt (1906-1965), Otávio de Faria (1908-1980), Lucio Cardoso (1913-1968) e Cornélio Pena (1896-1958). Para essa renovação, seguem de perto o exemplo de pensadores, poetas e escritores católicos franceses, que aliam a ortodoxia católica a formas modernas de pensamento e militância, levando, em alguns casos, à adoção de uma postura católica de esquerda. É nessa linha que se pode entender a adesão de Murilo Mendes à religião, não como forma de alheamento, mas de resposta à realidade de seu tempo.
Em livros como As Metamorfoses e Poesia Liberdade, são vários os poemas de franca vocação crítico-social, incluindo-se aí sua lírica de guerra. Como nota José Guilherme Merquior (1941-1991), sua poesia católica é uma poesia da esperança, mais do que da crença. O poeta extrai do cristianismo uma dupla concepção de poesia: a poesia como martírio, que busca dar testemunho do sofrimento do eu irmanado ao do mundo: "Mundo público / Eu te conservo pela poesia pessoal", diz num dos poemas do período. A segunda concepção é a de poesia como salvação, como agente messiânico e noiva da revolução: "Todos ajuntando-se formarão um dia uma coluna / altíssima tocante as nuvens / e decifrarão o enigma", afirma em outro poema. O poeta assume aí o papel do visionário que antevê o apocalipse e anuncia a redenção. O catolicismo, entretanto, não amaina o sensualismo e o ímpeto transfigurador do real, que se mantêm como traços distintivos da poesia muriliana. Exemplo disso é o conhecido poema de A Poesia em Pânico, em que ele personifica a Igreja como uma mulher, toda em curvas. Essa atitude desenvolta para com a religião chega mesmo a assumir uma dimensão irreverente, quando não francamente sacrílega, como nos seguintes versos de O Poeta Nocaute: "Intimaremos Deus / a não repetir a piada da Criação..."
Na lírica muriliana do pós-guerra até fins dos anos 1950, percebe-se a mesma tendência neoclássica que marca a poesia de outros grandes líricos modernos, como Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e Jorge de Lima. É o caso de Sonetos Brancos, em que retoma a forma fixa, clássica por excelência, mas com a liberdade métrica e rítmica e a ousadia de imagens tipicamente modernas. Dentro do mesmo espírito do período, inscreve-se a austeridade da poesia meditativa, resultante da contemplação da arquitetura e da paisagem tanto mineira, em Contemplação de Ouro Preto, quanto europeia, em Siciliana e Tempo Espanhol. Não se pode esquecer que esses livros, assim como as obras seguintes, são produzidos pelo poeta já vivendo na Europa, sob impacto dos países que visita e em que vive.
Na produção literária de Murilo Mendes dos anos 1960 e 1970, é possível reconhecer outras facetas de sua extensa obra. O traço mais significativo da produção desse período é o abandono da poesia em favor da prosa, que mescla formas literárias distintas, como o diário, o retrato, o livro de viagens e as memórias. A face experimental desse período leva também à heterogeneidade de registros, que funde recordações pessoais, citações de obras, perfis de artistas, flagrantes de países e cidades, visível em Poliedro, Carta Geográfica, Espaço Espanhol e Retratos-Relâmpago, entre outros livros. Em termos estilísticos, destacam-se a obsessão pelo concreto, o rigor e o léxico reduzido, evidenciados por Haroldo de Campos (1929-2003). Como nota Augusto Massi, o poeta consegue, a essa altura de sua produção, atingir uma forma literária tão particular, que parte dos títulos dos poemas de Convergência, aparece plasmada a seu nome: Murilogramas. Por último, vale mencionar a tendência memorialística da obra de Murilo Mendes, representada por A Idade do Serrote. Trata-se de uma: autobiografia insólita, em que, segundo Antonio Candido (1918), o dado comum é visto como extraordinário; o extraordinário é visto como se fosse comum. A Idade do Serrote ocupa um lugar de destaque na literatura memorialística e autobiográfica brasileira, ao lado das obras no gênero, em prosa e verso, de outros de seus contemporâneos mineiros: Drummond e Pedro Nava (1903-1984).
Obras 3
Espetáculos 2
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24/8/1994 - 31/3/1993
Exposições 7
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26/10/2001 - 14/1/2000
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17/8/2002 - 27/10/2002
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30/11/2003 - 2/3/2002
Fontes de pesquisa 12
- ANDRADE, Mário de. A poesia em 1930. In:_______. Aspectos da literatura brasileira. São Paulo: Martins, 1943.
- ANDRADE, Mário de. A poesia em pânico. In: _____. O empalhador de passarinho. Belo Horizonte: Editora Itatiaia, 2002. .(Coleção Obras de Mário de Andrade, vol. 21).
- BANDEIRA, Manuel. Murilo Mendes. In: ______. Apresentação da poesia brasileira. Rio de Janeiro: CEB, 1954.
- CAMPOS, Haroldo de. Murilo e mundo substantivo. In:_______. Metalinguagem. Rio de Janeiro: Vozes, 1967.
- CANDIDO, Antonio. Poesia e ficção na autobiografia. In: _______. A educação pela noite e outros ensaios. São Paulo: Ática, 1987.
- LEITE, Sebastião U. Murilo Mendes. In: ______. Participação da palavra poética. Petrópolis: Vozes, 1966.
- MASSI, Augusto. Murilo Mendes: a poética do poliedro. In: PIZARRO, A. (org.). América Latina: Palavra, Literatura e Cultura. São Paulo: Memorial; Campinas: Ed. Unicamp, 1995, v.3.
- MERQUIOR, José Guilherme. A pulga parabólica. In:______. A astúcia da mímese: ensaios sobre lírica. Rio de Janeiro: Topbooks, 1997.
- MERQUIOR, José Guilherme. Murilo Mendes ou a poética do visionário. In: _____. Razão do poema. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1965.
- MERQUIOR, José Guilherme. Notas para uma muriloscopia. In: MENDES, Murilo. Poesia completa e prosa. Organização Luciana S. Picchio. Rio de Janeiro: Ed. Nova Aguilar, 1995.
- MERQUIOR, José Guilherme. À beira do antiuniverso debruçado, ou introdução livre à poesia de Murilo Mendes. In: ______. O fantasma romântico e outros ensaios. Petrópolis: Vozes, 1980.
- ÁVILA, Affonso. O poeta e a consciência crítica. Petrópolis: Vozes, 1969.
Como citar
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MURILO Mendes.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa21981/murilo-mendes. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7