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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Convergência

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 18.08.2015
1970
Em Convergência, Murilo Mendes (1901-1975) não apresenta o que se esperaria de uma coletânea derradeira de inéditos. Publicado em 1970, seus 145 poemas nada têm de testemunho técnico ou temático. Pelo contrário, o volume reflete as inquietudes de seu autor, concentradas numa consciência crescente da crise dos fundamentos da expressão poética tra...

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Em Convergência, Murilo Mendes (1901-1975) não apresenta o que se esperaria de uma coletânea derradeira de inéditos. Publicado em 1970, seus 145 poemas nada têm de testemunho técnico ou temático. Pelo contrário, o volume reflete as inquietudes de seu autor, concentradas numa consciência crescente da crise dos fundamentos da expressão poética tradicional e numa maior atenção à razão inerente aos processos comunicativos de massa, aproximando-o em alguns aspectos da estética concretista.

Dentre os poetas formados pelo modernismo, cabe a Murilo Mendes estender a vocação experimental a limites desconhecidos de seus contemporâneos de grupo no que toca às reflexões estéticas que dominavam o horizonte das artes brasileiras de então. Já no poema de abertura, Exergo, a recusa da celebração mítica do dionisíaco na poesia – razão pela qual nos deparamos com um Orfeu “lacerado pelas palavras-bacantes” – não implica a “diáspora” dessa poesia em favor de uma desmistificação a ser conduzida pela técnica, a materialidade e a história. Buscando a convergência entre o furor poético de fundo subjetivo e espiritual e o reconhecimento dos usos racionais da palavra na metrópole moderna, é a partir da própria despersonalização que o mesmo Orfeu se renova e, assimilando a praxe formal da comunicação de massa, se desdobra num “Orftu Orfele/ Orfnós Orfvós Orfeles”. “Visíveis tácteis audíveis”, as palavras já não remetem a uma música inspirada; seu lugar é o da experiência tecnicamente mediada, na qual elas se veem dotadas de formas, volumes e, principalmente, da densidade sonora que organiza seus trânsitos do sentido.

Tão próximos à linguagem publicitária, a paranomásia (uso do som como determinante para a produção de cadeias de sentido) e o neologismo constituem as estratégias retóricas fundamentais dos poemas de Convergência, estes divididos em três grupos. O primeiro é o dos Grafitos, que com a dimensão urbana e anônima de seus dizeres é responsável pela expressão da memória afetiva e pessoal mediante mensagem transfixada em cadeiras, casas, acidentes geográficos e pedras tumulares, bem como endereçada a artistas e poetas, nacionais ou estrangeiros, em tom de reflexão sobre o país ou de perplexidade sobre o destino do homem que se curva aos ditames da tecnocracia. Na sequência, o leitor encontra os Murilogramas, seção de tom reverencial e na qual o autor apresenta pensamentos ou exercícios circunstanciais (adequados à forma do epigrama, à qual remetem), todos relacionados a um considerável elenco de “criadores” com os quais sua poética dialoga. Por fim, há o grupo nomeado Sintaxe, de temática livre em que a poética substantiva do concretismo se faz valer em sua variedade de processos “verbivocovisuais” ante a observação do cotidiano e a espiritualidade que perfazem a poesia de Murilo Mendes.

Em relação à obra, a crítica parece unânime em procurar desatar o nó do interesse do poeta num debate centrado no fim do ciclo estético a que pertenceu. Apesar de as décadas de 1950 e 1960 terem seu melhor numa produção bastante atrelada ao modernismo – vide Carlos Drummond de Andrade (1902-1987) e, no que se refere ao projeto literário mais profundo, João Cabral de Melo Neto (1920-1999) –, tal produção dependerá de movimentos de reavaliação do passado, desengajamento de compromissos ideológicos e consolidação estética. Paralelamente, a redemocratização do país no pós-Segunda Guerra e o impulso desenvolvimentista da década de 1950 apresentam uma contrapartida estética já relacionada a um segundo momento das contradições da modernização conflagrada na década de 1930. Diferentemente de seus contemporâneos de estreia, Murilo Mendes procura uma atualização de seu primeiro aprendizado vanguardista naquilo que este mais se aproximava dos debates estéticos contemporâneos à coletânea de Convergência – em particular, as relações entre linguagem artística e sociedade de massa – sem perder o trabalho com um simbolismo de fundo místico que lhe é próprio.

Este será o assunto de Joana Matos Frias,1 para quem o movimento ascende como tônica final de uma produção poética antes empenhada na geleia geral modernista e, mais especificamente, no surrealismo, todos unificados por um desejo de síntese inerente à construção estética do poema. Nesse sentido, Murilo Marcondes de Moura2 reitera a não adesão de Mendes aos termos mais combativos das vanguardas das décadas de 1950 e 1960, principalmente quanto ao compromisso destas com a especialização do artista como produtor de artefatos literários. Para Mendes, o poema deveria sobreviver como mistura de aventura espiritual e construção do conhecimento.

Momento final de uma ampla e fundamental obra poética iniciada na segunda geração modernista, a incursão quase extemporânea de Murilo Mendes em questões mais próximas ao que se conhecera a partir do concretismo fala muito sobre os novos impasses da literatura brasileira sob o adiantado do processo de modernização do país. Distante tanto da resposta irônica às tensões entre a carroça e o bonde modernistas de um Oswald de Andrade (1890-1954) quanto da experiência místico-artística liberada sob os procedimentos surrealistas, Murilo Mendes depara-se com a “eletrificação da eternidade” e a construção da décima musa, a “Economia dirigida Unatotal/ Que deverá mover o homem novo” (Grafito para Vladimir Maiacovski). De tal embate, Murilo Mendes acaba por reafirmar sua arte no compasso de um drama ainda atual.

Notas
1 FRIAS, Joana Matos. O erro de Hamlet: poesia e dialética em Murilo Mendes. Rio de Janeiro: 7 Letras; Juiz de Fora: Centro de Estudos Murilo Mendes-UFJF, 2002.
2 MOURA, Murilo Marcondes de. Murilo Mendes: a poesia como totalidade. São Paulo: Edusp: Giordano, 1995.

 

Fontes de pesquisa 4

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  • FRANCO, Irene Miranda. Murilo Mendes, pânico e flor. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2002.
  • FRIAS, Joana Matos. O erro de Hamlet: poesia e dialética em Murilo Mendes. Rio de Janeiro: 7 Letras; Juiz de Fora: Centro de Estudos Murilo Mendes (UFJF), 2002.
  • MOURA, Murilo Marcondes de. Murilo Mendes: a poesia como totalidade. São Paulo: Edusp: Giordano, 1995.
  • TINOCO, Robson Coelho. Murilo Mendes: poesia de liberdade em pânico. Brasília: Editora UnB, 2007.

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