Marlene
Texto
Biografia
Vitória De Martino Bonaiute (São Paulo, São Paulo, 1922 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2014). Cantora e atriz. É batizada com o nome do pai, vítima de tuberculose nove dias antes do nascimento da filha. Caçula de três irmãs, é criada com rigidez pela mãe evangélica. Marlene passa parte da infância como interna do Colégio Batista Brasileiro.
Em 1938, estreia como cantora no Hora do Estudante, programa da Rádio Bandeirantes. Participa da emissão às escondidas da mãe, contrária à pretensão artística da filha. Colegas sugerem que a jovem adote o nome Marlene – inspirado na atriz e cantora alemã Marlene Dietrich (1901-1992).
Em 1940, selecionada para cantar profissionalmente na Rádio Tupi, desiste do curso de contabilidade. Descoberta pela mãe, muda-se para o Rio de Janeiro. Trabalha nos Cassinos Icaraí e da Urca e, em pouco tempo, atua como crooner do Copacabana Palace.
Em 1946, lança o primeiro disco e, no ano seguinte, alcança o primeiro sucesso, com a marchinha carnavalesca “Coitadinho do Papai”, composição de Henrique de Almeida (1917-1985) e Augusto Garcez. Assina contrato com a Rádio Nacional em 1948 e torna-se uma das estrelas da emissora, ao lado de Cauby Peixoto (1931-2016), Emilinha Borba (1923-2005), Ângela Maria (1929) e Dalva de Oliveira (1917-1972).
Em 1949, é escolhida Rainha do Rádio, ocupando o posto de Emilinha. Na ocasião, Marlene é patrocinada pela Companhia Antarctica Paulista, que compra milhares de votos em favor de sua contratada. A manobra não é ilegal, pois o objetivo da eleição é angariar fundos para a construção de um hospital, mas o episódio deixa os fãs de Emilinha indignados. Começa a histórica rivalidade entre as duas intérpretes.
Em 1952, casa-se com o ator Luiz Delfino (1921-2005), com quem desenvolve diversos trabalhos para teatro e televisão. Em 1955, o casal estreia o programa Marlene, Meu Bem, para o qual a cantora grava a canção homônima composta por Mario Lago (1911-2002). Em 1958, apresenta-se em várias cidades francesas e abre os shows da cantora Edith Piaf (1915-1963) na sala de espetáculos Olympia, em Paris.
No cinema, participa de filmes como Pif-Paf (1945), dirigido por Luiz de Barros (1893-1982) e Adhemar Gonzaga (1901-1978); Um Beijo Roubado (1950), de Léo Marten (1897-1961); Tudo Azul (1951), de Moacir Fenelon (1903-1953); e A Volta do Filho Pródigo (1978), de Ipojuca Pontes (1942).
No teatro destaca-se em diversas em peças, como Depois do Casamento (1952), de Victor Ruiz Trad; Poeira de Estrelas (1956), de Dulcina de Moraes (1908-1996); Botequim (1972), de Gianfrancesco Guarnieri (1934-2006); e Ópera do Malandro (1979), de Chico Buarque (1944).
Em 1972, torna-se a primeira mulher a puxar um samba-enredo na avenida, com “Alô, Alô, Carmen Miranda”, da escola de samba Império Serrano.
Alguns dos álbuns de sua discografia registram shows de sucesso, como Carnavália (1968), – ao lado dos cantores Nuno Roland (1913-1975) e Blecaute (1919-1983) e da escritora Eneida (1904-1971) –, É a Maior! (1969) e Te Pego pela Palavra (1974). Em 2008, lança o DVD Marlene – A Rainha e os Artistas do Rádio.
Análise
Marlene destaca-se pela força de sua interpretação, em performances teatrais nos palcos e discos. Uma expressividade natural com a qual ela conquista, no primeiro momento, as plateias das casas noturnas do Rio de Janeiro e, logo depois, o grande público dos programas de auditório da Rádio Nacional. Sem passar pelo aprendizado formal de música, é com o auxílio dos chefes de orquestra e músicos de boates e cassinos que se desenvolve como cantora, com domínio rítmico e à vontade nas improvisações.
O trabalho na noite também contribui para o ecletismo de seu repertório. Desde cedo, Marlene passeia por diferentes gêneros e estilos: da canção ao maxixe, do mambo ao samba, passando pelo choro e, principalmente, pelas marchas carnavalescas, que lhe garantem os primeiros sucessos discográficos. No início da década de 1950, é uma das intérpretes a contribuir com o êxito do baião ao gravar, por exemplo: “Qui Nem Jiló”, de Luiz Gonzaga (1912-1989) e Humberto Teixeira (1915-1979); “Macapá”, dos mesmos autores; “Eu Vou Pro Ceará”, de Humberto Teixeira e “É Sempre o Papai”, de Miguel Gustavo (1922-1972).
É no samba, no entanto, que deixa sua marca, seja em músicas mais contidas – como “Mora na Filosofia”, de Monsueto (1924-1973) e Arnaldo Passos (1910-1964), ou a bossa “Brigas Nunca Mais”, de Tom Jobim (1927-1994) e Vinicius de Moraes (1913-1980) – seja no sambalanço de “O Apito no Samba”, de Luís Bandeira (1923-1998) e Luís Antônio (1921-1996) ou na batucada mais carnavalesca de “Se É Pecado Sambar”, de Manoel Sant'ana.
Desde cedo, privilegia as letras de temática social, que falam das dificuldades enfrentadas pela população pobre. Desse repertório, destacam-se quatro sambas assinados pelo compositor Luís Antônio. Em “Zé Marmita”, Marlene narra o cotidiano do operário obrigado a se pendurar no trem para ir trabalhar, mas se esquece dos problemas num "bate-bola de meia" na hora do almoço. Já “Patinete no Morro”, fala de como é a infância das crianças da favela, que nunca recebem visita do Papai Noel no Natal: “E é assim que vai crescendo o cidadão / Vendo morrer ilusão sobre ilusão”.
Os outros dois sambas são uma parceria de Luís Antônio com o compositor Candeias Jota Júnior (1923-2009): “Sapato de pobre”
Sapato de pobre é tamanco
Almoço de pobre é café, é café
Maltrata o corpo como o quê, por que?
O pobre vive de teimoso que é
e “Lata d'Água”
Maria lava roupa lá no alto
Lutando pelo pão de cada dia
Sonhando com a vida do asfalto
Que acaba onde o morro principia,
uma das músicas mais emblemáticas da carreira da cantora.
Some-se a esse perfil artístico, uma personalidade não menos marcante. Marlene já se impõe com inteligência e independência, chocando a sociedade com roupas extravagantes e comportamento ousado.
Na Rádio Nacional, disputa espaço com a estrela Emilinha Borba. A rivalidade entre elas transforma-se em fórmula lucrativa, capaz de gerar altos índices de audiência e lotar o auditório da emissora. De um lado, Emilinha, chamada de "minha santinha" pela legião de fãs, acostumados com sua imagem de graça e doçura. De outro, Marlene, com sua postura de mulher extrovertida, moderna e sensual. Uma, de voz mais potente, mas gestos contidos; a outra, de voz "pequena" (como diziam seus críticos), porém capaz de dominar cada centímetro do palco com sua performance expansiva e segura, aperfeiçoada por suas atuações como atriz teatral.
Em 1963, Marlene promove o lançamento de um novo ritmo para dançar, o sassaruê, baseado na música homônima da dupla de compositores Marino Pinto (1916-1965) e João Pernambuco (1883-1947), e com direito a coreografia criada pelo dançarino Davi Dupret. Mas a moda não pega. Naquele momento, a música brasileira passa por mudanças, tanto do ponto de vista artístico, a partir da modernização promovida pela bossa nova, quanto mercadológico, com a televisão suplantando a hegemonia do rádio.
Marlene ressurge no final da década de 1960, reinventando a carreira numa sequência de espetáculos de alta densidade dramática, que a apresentam para um público mais jovem. Primeiro, Carnavália (1968) mostra a competência da intérprete de canções carnavalescas. Em seguida, sob direção de Hermínio Bello de Carvalho (1935) e Fauzi Arap (1938-2013), emenda dois shows – É a maior! (1969) e Na Boca da Noite um Gosto de Sol (1971) –, nos quais mescla os grandes autores do passado com compositores mais jovens, como Caetano Veloso (1942), Milton Nascimento (1942), Marcos Valle (1943) e Gonzaguinha (1945-1991). A cantora dá voz à música de protesto, interpretando temas como “Canção do Medo”, de Toquinho (1946) e Gianfrancesco Guarnieri e “Galope”, de Gonzaguinha.
Nesse período, sofre com a censura da ditadura militar. Durante um festival de carnaval, é proibida de dançar durante a música por considerarem seu rebolado extravagante. Depois, no engajado musical Botequim (1972), a direção é obrigada a excluir o trecho em que a personagem de Marlene faz uma cena de sexo com um homem e uma adolescente.
Uma forma de responder as críticas está nas canções que Marlene interpreta, como no samba “Queixa”, de Maurício Tapajós (1943-1995) e Hermínio Bello de Carvalho, escrito especialmente para ela:
É com o diabo no corpo
Que eu vou por aí
Jogando a vida pro alto
Largando os braços pra cima
Rezando por quem não soube rezar
[...]
Eu jogo a vida pro alto
Eu largo os braços pra cima
Me deram voz e não fica bem eu calar
Ao longo de sua carreira, Marlene renova-se constantemente. Na música ou nas artes cênicas, como rainha do rádio ou estrela do teatro engajado, revela-se uma intérprete sintonizada com a vida brasileira, com grande poder de comunicação com seus fãs e ouvintes.
Obras 1
Espetáculos 4
Exposições 1
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12/5/2015 - 20/9/2015
Fontes de pesquisa 5
- AGUIAR, Ronaldo Conde. As divas do rádio nacional: as vozes eternas da Era de Ouro. Rio de Janeiro: Casa da Palavra, 2010. 247 p.
- FAOUR, Rodrigo. Marlene. In: CD Te Pego pela Palavra, EMI, 2012.
- INSTITUTO Memória Musical Brasileira. Rio de Janeiro. Disponível em: http://www.memoriamusical.com.br. Acesso em: 7 dez 2013.
- MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998.
- MARLENE. A vida de Marlene: depoimento. Rio de Janeiro: Editora Rio, s.d.
Como citar
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MARLENE.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa12292/marlene. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7