Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Te Pego pela Palavra

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 21.03.2024
1974
O álbum Te Pego pela Palavra é resultado do espetáculo homônimo que Marlene (1922 - 2014) estreia em junho de 1974, na boate carioca Number One, em Ipanema, e com o qual viaja por diversas cidades brasileiras numa turnê que dura até 1978. Com Carnavália (1968) e É a Maior! (1970) – shows que também são transpostos para o disco –, Te Pego pela Pa...

Texto

Abrir módulo

O álbum Te Pego pela Palavra é resultado do espetáculo homônimo que Marlene (1922 - 2014) estreia em junho de 1974, na boate carioca Number One, em Ipanema, e com o qual viaja por diversas cidades brasileiras numa turnê que dura até 1978. Com Carnavália (1968) e É a Maior! (1970) – shows que também são transpostos para o disco –, Te Pego pela Palavra forma uma trilogia responsável pela consagração artística da cantora em sua fase pós-Era do Rádio, sendo a principal obra fonográfica desse segundo momento de sua carreira. Ao ganhar o formato de LP, no segundo semestre de 1974, o espetáculo já é unanimidade entre a crítica e a classe artística. Alguns dos elogios colecionados pela produção enfeitam o encarte do álbum.

O crítico Armindo Branco, do jornal Última Hora, descreve o espetáculo da seguinte forma: “Marlene, caso raro de evolução, dá uma aula de como tudo é teatro. Uma cançoneta pode virar um quadro de comédia. O drama explode nas palavras exatas e no gesto narrativo de uma crônica de morro. O humor assume todas as formas nos fulgurantes apontamentos em que se resume a alma de uma cidade e dos seus artistas. A alma, os medos, as angústias, as dúvidas, as esperanças. Tudo isso com um ritmo alucinante”.[1]

Roteiro e direção levam a assinatura do poeta e compositor Hermínio Bello de Carvalho (1935), que trabalhara com Marlene em duas produções: É a Maior! e Na Boca da Noite um Gosto de Sol (1971), ambas com codireção de Fauzi Arap (1938). O repertório escolhido por Carvalho alterna antigos sucessos da intérprete e algumas das mais representativas canções de protesto que cutucam a ditadura militar no ano de 1974.

Uma seleta plateia é convidada para assistir à gravação do disco, numa época em que registros ao vivo nos shows ainda tropeçam em problemas técnicos,  no antigo estúdio da Odeon, no Edifício São Borja, na avenida Rio Branco, no centro do Rio de Janeiro. Em 2012, o álbum é relançado no formato CD.

Os momentos de ironia ou de grande vibração se misturam aos de extrema dramaticidade, num roteiro em que as músicas dialogam entre si, com as letras servindo de fio condutor. “O título [Te Pego pela Palavra] é uma tentativa de demonstrar o amor de Marlene pelo texto”, explica Carvalho ao jornal O Globo, na época. “Quem escreve letras de músicas sabe que a grande deficiência da maioria dos nossos cantores é justamente não captar o sentido básico do texto. De sua experiência de atriz, Marlene retirou essa paciência com que constrói cada canção"[2]

A banda que executa os arranjos de Arthur Verocai (1945) é formada por Eduardo Prates (piano), Chiquinho Brasão (bateria), Toninho Costa (guitarra), Tranka (contrabaixo), Suely e Zaida (vocais) e Grupo Re-lax, com a participação especial de Octavio César (vocal). São eles que abrem o disco, emendando Lata d’Água (Luís Antônio/Jota Júnior) e Zé Marmita (Luís Antônio/Brasinha), prefixos musicais do tempo em que Marlene reina na Rádio Nacional e no Carnaval. Em seguida, surge a cantora, entoando outro de seus sucessos: “Se é pecado sambar / A Deus eu peço perdão / Eu não posso evitar / A tentação”.

Num corte brusco, o êxtase se dissipa e dá lugar ao clima tenso que prevalece na vida nacional naqueles tempos. “Tenho medo, muito medo / Se o desejo é forte de ver / Minha vida se modificar”, diz a letra de Canção do Medo, de Toquinho (1946) e Gianfrancesco Guarnieri (1934 - 2006), música extraída da engajada peça Botequim (1972/1973), protagonizada pela cantora-atriz. Depois, em tom festivo, a inédita marcha Primeira Bateria,  de Taiguara (1945 - 1996), disfarça sua intenção política com uma proposta etílica: “Vira, vira, vira / Virou / Acaba com essa cana / acaba com essa cana / Acabou (...) Companheiro / Nossa mesa tem que virar / Vira, vira, vira”.

O roteiro explora todas as facetas da intérprete, que consegue ser bem- humorada (Na Subida do Morro), brejeira (Trem das Alagoas) e também visceralmente romântica, como no bolero Dois pra Lá, Dois pra Cá, no tango Cabaré, ambos inéditos, da dupla João Bosco (1946) e Aldir Blanc (1946) e no clássico samba-canção Ronda, de Paulo Vanzolini (1924 - 2013).

Na embolada Pra Onde Vai, Valente?, de Manezinho Araújo (1913 - 1993), com a participação especial do sanfoneiro Sivuca (1930 - 2006), a cantora, na época com 51 anos, demonstra sua vitalidade em alta rotação, numa interpretação virtuosística de tirar o fôlego.

Marlene dá voz a uma nova geração de compositores, como a dupla Eduardo Souto (1951) e Geraldo Carneiro (1952), Debaixo do Sol, e o paraense Vital Lima, Rock’n’Roll, mas principalmente a nomes ligados ao Movimento Artístico Universitário (MAU). A sigla MAU representa o grupo de jovens artistas que se reúne na casa do médico Aluízio Porto Carreiro de Miranda, na Tijuca, em princípios da década de 1970. Além de Aldir Blanc, que tem quatro de suas parcerias com João Bosco gravadas em Te Pego pela Palavra, Gonzaguinha é outro integrante do MAU a ter a carreira impulsionada por Marlene.

Na parte final do disco, o roteiro retoma o tom contestatório, valendo-se das canções desses autores. Para manter a saúde, O Chefão (João Bosco/Blanc) recomenda deixar as janelas bem fechadas, contra o perigo de um golpe... de ar. “O coração gritando que é o cúmulo / E a boca fechada como um túmulo”, canta Marlene, que, na faixa seguinte, faz uma interpretação consagradora de Galope, de Gonzaguinha (1945-1991): “Quem não bole em espinho nunca vai se dar mal / E quem não dança a minha dança / É melhor nem chegar / Se puxou do punhal, ai, tem que sangrar”.

Também de Gonzaguinha ela interpreta Meu Coração É um Pandeiro, cuja ironia dos versos ufanistas Marlene explica na canção seguinte, Roupa Prateada, de Zé Rodrix (1947 - 2009). O roteiro termina com a canção confessional Catedral do Inferno, parceria de Cartola (1908 - 1980) e Hermínio Bello de Carvalho feita especialmente para a cantora: “Louca, muito louca, endoidecida / Vou fazendo desta vida / Tudo aquilo que bem quero”, e só regravada pela cantora baiana Marcia Castro (1978) em seu disco De Pés no Chão, de 2012.

Notas
[1] Rodrigo Faour, no CD Te Pego pela Palavra.
[2] No Segundo Caderno de O Globo na edição de 26 de setembro de 1974.

Fontes de pesquisa 5

Abrir módulo

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: