Transa
Texto
Transa (Philips) é o segundo disco de Caetano Veloso (1942), gravado durante o exílio político em Londres, onde vive entre 1968 e 1971, mas é lançado em 1972, quando ele já está de volta ao Brasil. O show de lançamento ocorre no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro. O trabalho expressa tanto a saudade do país natal, com uma infinidade de referências à música brasileira e letras que abordam explicitamente a solidão do compositor, quanto absorve as referências da experiência londrina como a descoberta do reggae jamaicano e uma audição mais atenta às bandas de rock britânicas. Jards Macalé (1943) assina os arranjos e toca violão, Tutty Moreno (1947), bateria, Áureo de Souza, percussão, e Moacir Albuquerque, baixo, completam a banda. A produção é do inglês Ralph Mace. Gal Costa (1945) grava vocais secundários em You Don’t Know Me e Neolithic Man. Os músicos que participam da gravação não constam nos créditos do disco. Cinco músicas são cantadas em inglês, todas de autoria de Caetano, e outras duas em português: Triste Bahia, em que o compositor adapta um texto do poeta barroco Gregório de Matos (1636 - 1695), e Mora na Filosofia, de Monsueto Menezes (1924 - 1973) e Arnaldo Passos (ca.1910 - 1964), gravada por Doris Monteiro (1934), em 1954, e sucesso no Carnaval de 1955 na voz de Marlene (1922 - 2014). Nine Out Ten mistura inglês e português num jogo de palavras de determinado trecho que fala sobre “estar vivo”: “I’m alive e vivo / Muito vivo / Vivo / Vivo” (recurso parecido ao usado na música Maria Bethânia (1946), do disco anterior, de 1971).
O LP original traz uma capa desdobrável, que forma um poliedro triangular, concebido pelo produtor baiano Álvaro Guimarães e chamado de “disco-objeto”.
A primeira música do disco, You Don’t Know Me, tem estrutura de balada rock, embalada pelos violões e a letra que expressa a solidão de Caetano em Londres. O arranjo traz trechos incidentais de músicas brasileiras como Maria Moita, de Carlos Lyra (1939); Reza, de Edu Lobo (1943) e Ruy Guerra (1931); A Hora do Adeus, de Luiz Gonzaga (1912 - 1989) e Onildo Almeida; e Saudosismo, uma homenagem à bossa nova composta pelo próprio Caetano e gravada por ele e Gal Costa em 1969. A letra de Nine Out Ten fala sobre a experiência de descobrir o reggae em Londres: “Walk down Portobello Road / To the sound of reggae / I’m alive” (“Descendo a Portobello Road / Sob o som do reggae / Eu estou vivo”). Portobello Road é uma famosa rua londrina, conhecida por reunir grande movimentação cultural desde os anos 1970 até hoje em dia. Antes e depois do fim da faixa, a gravação mostra trechos instrumentais em que os músicos brasileiros tentam tocar a batida do reggae. Triste Bahia combina a melancolia dos versos de Gregório de Matos com a tensão do arranjo, em um diálogo entre baixo e berimbau que se estende por quase dez minutos de música e traz referências de cantos de capoeira e afoxé. It’s a Long Way abre o lado B do LP com referências explícitas aos Beatles (com letra que diz “Woke up this morning / Singing a old Beatles song”, que na tradução significa “acordei esta manhã, cantando uma antiga canção dos Beatles”, e citação a The Long and Widding Road, que o grupo britânico lança no disco Let it Be, de 1970) e mais trechos incidentais de música brasileira: Sodade, Meu Bem Sodade, de Zé do Norte (1908 - 1979); Consolação, de Baden Powell (1937 - 2000) e Vinicius de Moraes (1913 - 1980); e A Lenda do Abaeté, de Dorival Caymmi (1914 - 2008).
O emaranhado de citações, colagens, apropriações e experimentações do disco prefacia o disco mais vanguardista de Caetano, Araçá Azul, lançado no ano de 1972. A sonoridade da obra inaugura um outro jeito de fazer rock brasileiro, diferente das experiências vividas na jovem guarda e no tropicalismo. Transa é gravado, em sua maior parte, ao vivo no estúdio e com os músicos da banda tocando juntos. As faixas You Don’t Know Me e Nine Out Ten têm solos e introduções tipicamente roqueiros, mas com violão no lugar da guitarra elétrica. Em entrevista à publicação Bondinho, em abril de 1972, Caetano comenta a influência que os shows de rock de John Lennon (1940 - 1980) e Yoko Ono (1933), Jimi Hendrix (1942 - 1970) e Rolling Stones, vistos em Londres, exercem na gravação de Transa.
De volta ao Brasil, Jards Macalé grava seu primeiro disco homônimo, também de 1972, com formação (Macalé no violão e na voz, Tutty Moreno na bateria e Lanny Gordin (1951) no baixo e no violão de aço) e sonoridade semelhantes às de Transa.
Em relação ao primeiro disco do exílio, nota-se uma mudança em relação às letras. Em Caetano Veloso, de 1971, a abordagem é mais triste, como em A Little More Blue e Maria Bethânia. Transa é gravado depois de uma visita de Caetano ao Brasil (em fevereiro de 1971) e, quando volta a Londres, o compositor está mais esperançoso e já consegue compensar os sentimentos de saudade e depressão com o desfrute da agitada vida cultural londrina e a perspectiva de voltar definitivamente ao Brasil.
Na turnê do disco Cê, de 2006, que Caetano grava com um trio de sonoridade roqueira (o guitarrista Pedro Sá, o baixista Ricardo Dias Gomes e o baterista Marcelo Callado), o repertório do bis inclui as duas primeiras faixas de Transa: You Don’t Know Me e Nine Out Ten.
Fontes de pesquisa 6
- 72 Rotações 3, podcast sobre Transa. Disponível em: < https://soundcloud.com/radiola-urbana/72-rota-es-vol-3-transa >. Acesso em: 15 maio 2012.
- ABRAMO, Bia. Discoteca Básica – Transa. Bizz, São Paulo, 1987.
- ALEXANDRE, Ricardo. 1970-1972 – Um conto de duas cidades. Superinteressante especial, São Paulo, 2004.
- ALMEIDA, Hamilton. Caretano. O Bondinho, abr. 1972.
- GAVIN, Charles (org.), SOUZA, Tárik de; CALADO, Carlos; DAPIEVE, Arthur. 300 Discos Importantes da Música Brasileira, 1ª edição. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2008.
- NATAL, Bruno. Os 100 maiores discos da música brasileira. Rolling Stone Brasil, out. 2007.
Como citar
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TRANSA.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra69196/transa. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7