Jovem Guarda
Texto
Com origem em um programa musical televisivo criado em 1965 e voltado para o comportamento dos jovens do país, a Jovem Guarda se torna um movimento musical e cultural de larga abrangência, que dita novos rumos para a música, a moda e o comportamento social no Brasil.
A juventude europeia e norte-americana nascida com a Segunda Guerra Mundial, percebe-se, na década de 1960, como um grupo social autônomo no ocidente. Não tardaria para que sua expressão comportamental se transformasse em novos produtos culturais, principalmente na música e no cinema. O rock and roll se torna a expressão principal da geração, logo mimetizado pela juventude brasileira. Com o sucesso internacional das novas bandas da Inglaterra, como os Beatles e os Rolling Stones, surge o termo "iê-iê-iê" para denominar o rock do início da década de 1960. O apelido é uma apropriação do inglês "yeah, yeah, yeah", expressão presente em várias canções, como por exemplo "She Loves You", lançada pelos Beatles em 1963.
O canal de televisão TV Record, ao encomendar uma pesquisa de público para a agência de publicidade Magaldi, Maia e Prosperi (MM&P), percebe a escassez de produtos televisivos voltados para o nicho consumidor adolescente no país. A agência propõe ao canal um programa de música dominical voltado para a juventude brasileira, aos moldes das atrações já existentes nos Estados Unidos e na Europa. A partir de uma citação de Vladimir Lenin (1870-1924), "O futuro pertence à jovem guarda porque a velha está ultrapassada”, os publicitários cunham o nome Jovem Guarda. Como estrela principal do programa, alguém "moderno ao ponto de atrair os jovens, mas sem ultrapassar os limites da ousadia que chocasse os adultos"1, a Record contrata o jovem cantor e compositor Roberto Carlos (1941), após as respostas negativas de Celly Campello (1942-2003) e Ronnie Cord (1943-1986). Roberto indica os amigos Erasmo Carlos (1941) e Wanderléa (1946) para acompanhá-lo no programa dominical. Estreando no dia 22 de agosto de 1965, Jovem Guarda torna-se o principal sucesso da grade da emissora. Ao longo dos próximos dois anos em que fica no ar, define o gênero rock and roll no país e promove transformações peremptórias na música popular brasileira.
Diferentemente do discurso engajado do cancioneiro universitário brasileiro da época, que fala em nome do outro, tomando a voz de outras classes sociais, as canções dos integrantes da Jovem Guarda são compostas a partir da vivência e dos anseios da juventude. Ao cantar o primeiro amor, o desejo sexual ("Terror dos namorados"), a atitude narcísica afirmativa ("Quero que vá tudo pro inferno"), a exibição de poder por meio do automóvel ("O calhambeque") e as aventuras adolescentes, Roberto, Erasmo e Wanderléa respondem não só aos próprios anseios, mas aos anseios da crescente juventude urbana do país.
Em paralelo, cantores e compositores como Sérgio Ricardo (1932-2020), Edu Lobo (1943) e Geraldo Vandré (1935) têm o apoio dos centros populares de cultura e da esquerda universitária brasileira. Em sua pesquisa estética, buscam valorizar as ditas "raízes" musicais do país e assumem em seus versos a crítica às injustiças sociais e à ditadura civil-militar. Sob a ótica desse grupo, a Jovem Guarda, ao fazer uso da guitarra elétrica e criar versões de sucessos internacionais do rock and roll, representa a alienação e submissão à influência cultural do imperialismo estadunidense. Enquanto reação aos avanços da Jovem Guarda, é exemplar a Marcha contra a Guitarra Elétrica, que ocorre no dia 17 de julho de 1967, em São Paulo. A manifestação conta com a participação de Elis Regina (1945-1982), Jair Rodrigues (1939-2014), do conjunto MPB-4, entre outros artistas, em defesa da música popular brasileira com o slogan "Defender o que é nosso".
Outros grupos artísticos, como os concretistas e os futuros tropicalistas como Caetano Veloso (1942), atentam, porém, para o caráter reacionário da passeata. Em outubro do mesmo ano, no 3º Festival de Música Popular Brasileira, também exibido pela TV Record, Caetano e Gilberto Gil (1942) assimilam o rock disseminado pela Jovem Guarda em suas respectivas apresentações, dando início ao movimento tropicalista na música.
Antes, em 1966, o poeta Augusto de Campos (1931), em seu texto "Da Jovem Guarda a João Gilberto", expõe sob aspecto diverso as potencialidades culturais geradas por Roberto, Erasmo, Wanderléa e seus convidados. Segundo Campos, o canto de Roberto Carlos concilia o apelo às massas com um uso funcional e moderno da voz. Para o poeta, "a Jovem Guarda provocou um curto-circuito na música popular brasileira, deixando momentaneamente desnorteados os articuladores do movimento de renovação, iniciado com a bossa nova"2.
Mesmo após o seu fim, o sucesso do programa solidifica a alcunha de "rei" a Roberto Carlos, que se torna o maior recordista de vendas da história da indústria fonográfica brasileira. Suas composições em parceria com Erasmo Carlos, são parte indelével do cancioneiro popular brasileiro do século XX. A Jovem Guarda, enquanto primeiro movimento centralizador da música rock brasileira, é influência para as gerações subsequentes de cantores, compositores e músicos do país dentro e fora do rock and roll.
Criada como produto televisivo voltado para o nicho de jovens consumidores urbanos brasileiros, durante o período de 1965 a 1968, a Jovem Guarda se expandiu enquanto movimento cultural. Ao apropriar-se da música e da estética do rock anglófono, Roberto e Erasmo Carlos incorporaram características de suas próprias vivências e influências, inéditas ao estilo musical, tornando a Jovem Guarda a linguagem pioneira do rock and roll brasileiro.
Notas
1. SANTOS, Maria Fernanda Malozzi dos. A Jovem Guarda, a moda, a TV: o papel do programa de televisão na difusão da cultura Jovem Guarda nos anos 60. 2014. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014. p. 8.
2. CAMPOS, Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974. p. 56
Fontes de pesquisa 3
- CAMPOS, Augusto de. Balanço da bossa e outras bossas. São Paulo: Editora Perspectiva, 1974.
- MEDEIROS, Paulo de Tarso C. A aventura da Jovem Guarda. São Paulo: Brasiliense, 1984.
- SANTOS, Maria Fernanda Malozzi dos. A Jovem Guarda, a moda, a TV: o papel do programa de televisão na difusão da cultura Jovem Guarda nos anos 60. 2014. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2014.
Como citar
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JOVEM Guarda.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/termo14384/jovem-guarda. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7