Aldomar Conrado
Texto
Aldomar D'Almeida Conrado da Costa (Recife, PE, 1936 - Arraial do Cabo, RJ, 2018). Autor, professor e tradutor. Descendente direto de dramaturgos como Hermilo Borba Filho e Ariano Suassuna, sua obra se caracteriza pelo diálogo com os cânones da dramaturgia ocidental, aclimatando-os ao universo telúrico do Nordeste, e pela abordagem de temáticas de cunho existencialista, em que contrapõe o amor e a sexualidade aos dogmas da religião e da sociedade.
Entusiasmado com o ambiente teatral recifense, ainda estudante secundarista, funda com Clênio Wanderley e Luiz Mendonça, entre outros, o Teatro do Estudante Secundário de Pernambuco - TESP, no qual assume a função de secretário-geral. O espetáculo de estreia do TESP é Cana Brava, de Aristóteles Soares, com direção de Clênio Wanderley.
Conrado estuda direito e filosofia entre 1954 e 1958. Em 1954, escreve sua primeira peça, O Livro de Davi, que é premiada num concurso instituído pelo governo do Estado de Pernambuco, em 1957, e publicada no ano seguinte. Nessa peça, o dramaturgo acompanha a vida de Davi por meio de uma estrutura narrativa que torna a ação dramática descontínua. Para o dramaturgo Ariano Suassuna, O Livro de Davi lembra, em alguns momentos, "o sopro juvenil e o ardor que perpassam pela Ester, de Racine. Principalmente nas falas do coro, nas quais o autor consegue momentos de grande beleza, com uma linguagem à altura da dignidade do tema".1
Aproximadamente em 1956, Aldomar Conrado escreve sua segunda peça, A Grade Solene. Integrando a realidade social brasileira, particularmente a nordestina, Conrado transpõe o mito de Édipo Rei para os engenhos de açúcar, evidenciando seu desprezo pela moral social, ao mesmo tempo que a liberdade do amor é poetizada a ponto de não aceitar nenhuma lei, seja ela da sociedade, seja ela dos deuses. A Grade Solene estreia em janeiro de 1959, com direção de José Pimentel, montado pelo Teatro Adolescente do Recife - TAR. Nesse ano, uma nova versão da obra, dirigida por Clênio Wanderley, participa do 2º Festival Nacional de Teatro de Estudantes, em Santos, São Paulo, e ganha o prêmio de melhor peça.
Em avaliação dos espetáculos apresentados, o crítico Sábato Magaldi, integrante do júri do evento, afirma que A Incubadeira, de José Celso Martinez Corrêa, e A Grade Solene são as grandes revelações do festival: "Duas promessas, dois nomes a figurar, talvez, no futuro, entre os poucos dramaturgos de mérito com que contamos".2 Em seguida faz uma análise minuciosa dos aspectos positivos e negativos da peça: "Aldomar Conrado ainda sobrecarrega o texto de inusual fraseado literário, mas, no reconhecimento do amor verdadeiro pelos protagonistas, mostra como um arcabouço mítico pode se justapor à audácia intelectual moderna. Liberto da formação literária e mais fiel à experiência pessoal, Aldomar Conrado poderá escrever outras peças de qualidade".3
Paralelamente aos estudos de filosofia e direito e às atividades teatrais, Aldomar Conrado se engaja na militância estudantil como membro da União da Juventude Comunista. Em 1958, escreve o Auto de João Evangelista. Um ano depois, ingressa no Curso de Arte Dramática da Escola de Belas Artes da Universidade do Recife, atual Universidade Federal de Pernambuco - UFPE, e se diploma em dramaturgia, em 1961. Torna-se sócio-fundador do Teatro Popular do Nordeste - TPN, em 1960. Mas, no ano seguinte, quando o TPN passa a receber patrocínio do Governo do Estado, sob administração de centro-direita, Aldomar Conrado é afastado do grupo por divergências ideológicas. Muda-se para o Rio de Janeiro, com o objetivo de viver exclusivamente de teatro.
Escreve Os Peregrinos e A Grande Noite de Olívia, em 1961. A Grande Noite de Olívia é ambientada em uma casa-grande de engenho de Pernambuco, e nela percebe-se o choque de dois universos distintos: o rural e o urbano. O campo como um lugar de opressão e de preservação de tradições que aprisionam e aniquilam o ser humano, enquanto a cidade aparece como um ponto de fuga, exílio, onde a liberdade e a individualidade podem ser exercidas para além dos deveres familiares. A sexualidade e as relações entre pais e filhos são os temas centrais desse drama psicológico de feições trágicas.
De 1961 a 1967, Conrado trabalha intensamente no Rio de Janeiro, a antiga capital federal. Ingressa no Centro Popular de Cultura da UNE - CPC, entra para o Partido Comunista Brasileiro - PCB, e integra o Grupo Decisão, sendo assistente de direção de Antônio Ghigonetto, em O Patinho Torto, de Coelho Neto. Com Érico de Freitas e Thais Moniz Portinho, funda o Grupo 3, que encena, nesse período, O Triciclo, de Fernando Arrabal, direção de Álvaro Guimarães; As Criadas, de Jean Genet, direção de Martim Gonçalves; e A Filosofia da Libertinagem, de Sade, com adaptação do próprio Conrado e direção de Amir Haddad. Volta a trabalhar com Haddad na roteirização do espetáculo Verde que Te Quero Verde, com base na obra de Federico García Lorca, com Maria Fernanda no elenco e na produção do espetáculo. Escreve A Imensa Janela do Mundo, em 1963. Colabora com a Revista Civilização Brasileira e passa a trabalhar como tradutor para a editora da revista, vertendo para o português capítulos do livro Teatro Dialético, de Bertolt Brecht, em 1967; O Teatro de Meyerhold, em 1969; e Em Busca do Teatro Pobre, de Jerzy Grotowski, em 1971.
Por causa da perseguição do governo militar, Aldomar Conrado volta ao Recife, onde fica por quatro meses entre o fim de 1967 e o início de 1968. Nesse período, redige a peça O Apocalipse ou o Capeta de Caruaru, cuja trama é inspirada nas três bruxas de Macbeth e nas duas duplas de gêmeos de A Comédia dos Erros, de Shakespeare, além de aludir à própria situação política e social brasileira. De volta ao Rio de Janeiro, recebe, com esse texto, menção honrosa no concurso de dramaturgia do Serviço Nacional de Teatro - SNT, e o Grupo 3 o encena, em 1968, com direção de Amir Haddad. Em crítica ao espetáculo, Yan Michalski diz: "A vocação teatral de Aldomar Conrado me parece indiscutível, se é que esse tipo de julgamento pode ser feito baseando-se em apenas uma peça. Além da riqueza de imaginação e do caráter eminentemente popular dos seus meios de comunicação, o que agrada sobremaneira em O Capeta de Caruaru é a noção de espetáculo presente por trás de cada ideia: nada de verbosismo inútil - cada trecho do diálogo contém a sugestão de uma expressão visual, dinâmica e comunicativa".4
Conrado substitui Rubem Rocha Filho no Conservatório Nacional de Teatro, atual Uni-Rio, em 1968, como o responsável pela disciplina de literatura dramática, e, ainda no fim dos anos 1960, ingressa nos quadros do então SNT, atual Fundação Nacional de Arte - Funarte, permanecendo nas duas instituições até completar o tempo para as respectivas aposentadorias.
Em 1970, recebe o Prêmio Opinião pela peça A Ponte sobre o Pântano, encenada pelo Grupo Opinião no ano seguinte. O texto apresenta personagens anônimas em um mundo terrível. Maria, P e K encontram-se perdidos em um lugar qualquer, à procura de algo que não sabem o que é. Ao mesmo tempo que buscam se analisar, tentam se destruir num embate sem sentido e sem um fim aparente que parece refletir o próprio estado interior das personagens. Com direção de João das Neves, A Ponte sobre o Pântano é o último espetáculo da atriz Glauce Rocha. Esse texto inicia uma trilogia, denominada "três peças de encontro", composta ainda por Era uma Vez um Domingo Azul e O Voo dos Pássaros Selvagens, encenada em 1975, com direção de Aderbal Freire-Filho. Essa montagem alcança expressiva repercussão na imprensa graças à encenação de Freire-Filho e à cenografia de Martingil Egypto.
Para Yan Michalski, há "algo de tocante na trajetória dos dois pássaros selvagens, os amantes Mário e Maria, em angustiada busca de um amor total que, ao mesmo tempo em que os atrai irresistivelmente, também os amedronta, pelo que significa de envolvimento completo de dois seres, e consequente diluição das suas respectivas individualidades. Esta é uma paixão exaltadamente alegre, mas claramente trágica, que pesa sobre o casal como uma fatalidade, e cujo dilacerante processo conduz, no desfecho, a uma nova e mais harmoniosa visão do mundo, como acontece nas tragédias gregas. Uma paixão de um tipo que não se fabrica mais no teatro: uma paixão-destino, em nome da qual se torna doce, para cada um dos parceiros, abrir mão até mesmo do seu livre-arbítrio".5
Notas
1. SUASSUNA, Ariano. Apreciação sobre O livro de Davi. In: CONRADO, Aldomar. O livro de Davi. Recife: Secretaria de Educação e Cultura de Pernambuco, 1958. p. 9.
2. MAGALDI, Sábato. Espetáculos de Santos. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 8 ago. 1959. Apud: ANDRADE, Rose Mary Souza de. A trajetória do Teatro dos Estudantes Israelitas de Pernambuco (TEIP). 82 f. Monografia (Especialização em Jornalismo Cultural) - Universidade Católica de Pernambuco, Recife, 2008.
3. Idem.
4. MICHALSKI, Yan. O risonho apocalipse de Caruaru. In: ______. Reflexões sobre o teatro brasileiro no século XX. Fernando Peixoto (Org.). Rio de Janeiro: Funarte, 2004. p. 118.
5. ___________. Pássaros passionais. In: ______. Reflexões sobre o teatro brasileiro no século XX. Fernando Peixoto (Org.). Rio de Janeiro: Funarte, 2004. p. 222.
Espetáculos 16
Fontes de pesquisa 28
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ALDOMAR Conrado.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
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