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Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Isaurinha Garcia

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 02.11.2021
26.02.1923 Brasil / São Paulo / São Paulo
30.08.1993 Brasil / São Paulo / São Paulo
Isaura Garcia (São Paulo, São Paulo, 1923-1993). Cantora. Nasce no bairro do Brás, é filha de um comerciante português e de uma operária descendente de italianos e sobrinha do pintor José Pancetti (1902-1958). Na infância, trabalha no empório do pai, lavando vasilhames e engarrafando vinho. Aos 13 anos, participa do programa de calouros A Hora d...

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Isaura Garcia (São Paulo, São Paulo, 1923-1993). Cantora. Nasce no bairro do Brás, é filha de um comerciante português e de uma operária descendente de italianos e sobrinha do pintor José Pancetti (1902-1958). Na infância, trabalha no empório do pai, lavando vasilhames e engarrafando vinho. Aos 13 anos, participa do programa de calouros A Hora da Peneira Rhodine, da Rádio Cultura, interpretando “Pelo Amor Daquela Ingrata”, música de André Filho (1906-1974), que faz sucesso na voz de Carmen Miranda (1909-1955). A mãe também se inscreve, mas ambas não se classificam.

Semanas depois, faz nova tentativa, dessa vez no programa Quá-Quá-Quarenta, comandado por Otávio Gabus Mendes (1906-1946), na Rádio Record, e conquista a primeira colocação ao interpretar o samba “Camisa Listrada”, de Assis Valente (1911-1958). Isaura torna-se participante regular das atrações musicais da emissora e, em 1938, é registrada como funcionária. Mantém-se vinculada à empresa até a aposentadoria. A princípio, forma dupla com o jovem cantor Vassourinha (1923-1942). 

Torna-se conhecida com a interpretação de um jingle do saponáceo Radium, que lhe rende convite para estrear em disco, em 1941, pela Columbia, com o choro “Chega de Tanto Amor”, de Mário Lago (1911-2002), e o samba “Pode Ser”, de Marino Pinto (1916-1965) e Geraldo Pereira (1918-1955)

No Rio de Janeiro, apresenta-se com regularidade em shows, gravações e transmissões radiofônicas. Convive e trabalha com artistas como Ataulfo Alves (1909-1969), Dorival Caymmi (1914-2008), Pixinguinha (1897-1973), Francisco Alves (1898-1952), Nelson Gonçalves (1919-1998) e Aracy de Almeida (1914-1988). Em 1946, grava “Mensagem”, de Aldo Cabral (1912-1994) e Cícero Nunes (1912-1993), a principal música de seu repertório. No mesmo ano, estreia no cinema, cantando no filme Caídos do Céu, do diretor Luiz de Barros (1893-1982). Em 1953, é eleita Rainha do Rádio Paulista.

Durante uma turnê no Nordeste, conhece o organista Walter Wanderley (1932-1986). Casam-se em 1959 e têm uma filha, Mônica. Apesar das sucessivas crises envolvendo traições e bebida, o relacionamento só termina sete anos depois, com a ida definitiva de Walter Wanderley para os Estados Unidos.

Nas décadas de 1960 e 1970, renova seu repertório gravando compositores mais jovens, como Chico Buarque (1944) e Martinho da Vila (1938). Participa da série de shows Seis e Meia (1978), no Rio de Janeiro, e do Projeto Pixinguinha (1979), com apresentações pelo Brasil. Interpreta uma velha dançarina de cabaré no Caso Especial - Chanel n. 5 (TV Globo, 1978), contracenando com as atrizes Regina Duarte (1947) e Lélia Abramo (1911-2004)

Análise

O estilo de Isaura Garcia caracteriza-se por apurado senso rítmico e interpretação sensível, impregnada de sentimento. Outro fator marcante é a maneira de dizer as palavras, carregada de sotaque ítalo-paulistano que lhe garante identidade artística e torna seu canto inconfundível. Os erres e tês acentuados, que poderiam ser um empecilho para sua carreira, configuram um elemento consagrador. Numa época em que o sotaque do meio radiofônico é o carioca, o linguajar de Isaura cativa o público de todo o país e é apelidada de “A Personalíssima”, em slogan criado pelo locutor Blota Júnior (1920-1999), de quem grava, em 1951, “Viver pra Que?”, parceria dele com José Roy.

Sem ter passado por qualquer aprendizado formal em música, deve sua formação aos artistas que ouve no rádio na infância. Aprende a cantar imitando Aracy de Almeida e Carmen Miranda, suas principais referências vocais. Mais tarde, trabalhando na Record ao lado de conjuntos regionais ou da orquestra da emissora, então dirigida pelo maestro Gabriel Migliori (1909-1975), seu jeito intuitivo de compreender melodias e harmonias ajuda-lhe a conquistar o respeito dos músicos. 

Os êxitos discográficos começam em 1943, com músicas cujas letras parecem retratar sua própria desventura amorosa. Ela mesma costuma associar o apelo sentimental do repertório e as interpretações passionais à sua vivência pessoal. Em “O Sorriso do Paulinho”, de Gastão Viana (1900-1959) e Mário Rossi (1911-1981), ela enquadra seu homem: “Não é possível viver assim desse jeito / Chegando de madrugada sujo de rouge e de pó / Parece incrível, você perdeu o respeito”. Assim como Isaura, as personagens femininas das canções que interpreta brigam e maldizem os amantes, mas acabam lhes oferecendo o perdão. “Você quer voltar e eu gostei porque / Já estava louca pra ver você”, ela entoa em “Aperto de Mão”, de Jayme Tomás Florence, o Meira (1909-1982), Horondino Silva, o Dino (1918-2006) e Augusto Mesquita (1913). 

Na contracapa do LP Nua & Crua – Ao Vivo (1976), o poeta e compositor Hermínio Bello de Carvalho (1935) escreve: “Que ela é um poço de amargura, todo mundo sabe. Como sabe também que Isaurinha Garcia é uma das maiores estilistas de nossa música, uma cantora que grafa dramaticamente cada sentimento, que enfatiza o óbvio sem resvalar em redundâncias; porque tudo nela vem excessivamente de dentro, a intenção antes do efeito: sem filtros, sem policiamentos, sem pudores estéticos. Com o coração e as vísceras à mostra, exposta à lambeção dos gatos que arranham suas insônias”.

Também merece destaque a graça com que ela apresenta determinadas  canções, em uma espécie de comédia desavergonhada de costumes. No choro “Velho Enferrujado”, de Gadé (1904-1969) e Valfrido Silva (1904-1972), gravado por Isaura em 1950, um idoso inconveniente e assanhado tenta se aproveitar dela dentro de uma sala de cinema, mas é logo advertido: “Se você ficar me beliscando / Careca de uma figa, eu lhe meto a mão”. Em outro choro, “Marido Maluco”, de 1949, também de autoria de Gadé, a personagem é uma empregada que denuncia os abusos do patrão para a esposa: “Dona Júlia, seu marido me abraçou, me beijou / Quando eu dei de mão numa vassoura, ele correu / Eu creio que o velho enlouqueceu”. Até na dor-de-cotovelo, Isaura consegue inserir humor na interpretação. Em um samba canção gravado em 1957, “Contra-senso”, de Antonio Bruno (1923), após os versos finais (“Não sei por que não te esqueço / E tu não me esqueces”), ela carrega no sotaque: “Ai, que rrrrraiva!”.

A intérprete faz sua carreira no samba. De suas dez primeiras gravações registradas, oito se enquadram no gênero. Nas frequentes idas ao Rio de Janeiro, costuma entrar em contato com o violonista Horondino Silva, que a coloca a par das novas músicas que ele e outros compositores haviam acabado de criar. De autoria do amigo, por exemplo, Isaura grava sete sambas, incluindo o já citado “Aperto de mão”.

Entre final dos anos 1940 e inicio da década de 1950, diversifica seu repertório com a inclusão de toadas, fados e baiões. Na época, o sucesso do ritmo propagado pelo pernambucano Luiz Gonzaga (1912-1989) contagia a intérprete paulistana. Grava em disco “Festa Junina” (1952), de Denis Brean (1917-1969) e Osvaldo Guilherme (1919), “Pé de Manacá” (1950) e “Baião da Solidão” (1952), ambas de Hervé Cordovil (1914-1979) e Marisa Pinto Coelho. O destaque de sua incursão pelo gênero nordestino é “Baião no Brás” (1950), de Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira (1915-1979): “Ai, baião / Ai, baião / que dança boa / paulistinha aceita o abraço / do Norte pra terra da garoa”.

Por sua ligação com o samba-choro, além de muitas composições de Dino e Meira (dupla central do conjunto Regional do Canhoto), ela grava também os raros choros letrados: em 1949, “Sofres Porque Queres” e “Seresteiro”, ambas de autoria de Benedito Lacerda (1903-1958) e Pixinguinha (1897-1973); em 1954, “Doce de Coco”, de Jacob de Bandolim (1918-1969) e João Pacífico (1909-1998)

Mudança significativa vem com a chegada da bossa nova eo casamento de Isaura com o músico Walter Wanderley. O órgão Hammond e os arranjos do marido trazem modernidade e renovam a sonoridade dos discos da cantora. Ao mesmo tempo, seu repertório incorpora canções de Tom Jobim (1927-1994), Vinicius de Moraes (1913-1980), Tito Madi (1929), Johnny Alf (1929-2010) e a dupla Roberto Menescal (1937) e Ronaldo Bôscoli (1928-1994).

A essência da cantora, no entanto, não se altera. Prova disso é a gravação de “Meditação” (1960), de Tom Jobim e Newton Mendonça (1927-1960), que antecede em alguns meses o lançamento da clássica versão de João Gilberto (1931). Na interpretação de Isaurinha, não há qualquer conotação de bossa nova, em coerência com sua personalidade, conforme observam os pesquisadores Jairo Severiano (1927) e Zuza Homem de Mello (1933).  

Fontes de pesquisa 11

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  • CASTRO, Ruy. Chega de Saudade: a história e as histórias da bossa nova. São Paulo: Companhia das Letras, 1990.
  • EFEGÊ, Jota. Figuras e coisas da música popular brasileira – v. I. 2. ed. Rio de Janeiro: Funarte, 2007.
  • FAZENDA, Regina. A personalíssima Isaura Garcia. Monografia inédita. São Paulo: versão da autora, 2002.
  • GUIMARÃES, Hélio. Isaurinha Garcia morre aos 70 em São Paulo. Folha de S. Paulo, São Paulo, 31 ago. 1993. p. 4-3.
  • MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998.
  • MELLO, Zuza Homem de; BRANCO, Frederico. Do Brás para o Brasil, impondo um estilo. O Estado de S. Paulo, São Paulo, 8 abr. 1979. p. F2.
  • NEPOMUCENO, Eric. Não acredito em ponto culminante. Última Hora, Rio de Janeiro, 3 maios 1970. p. 10.
  • PENTEADO, Regina. Os homens, as brigas, as tréguas e as dores-de-cotovelo de uma personalidade chamada Isaurinha Garcia. Revista Lui, n. 20, [s.d.], p. 13-17.
  • POSTAIS.funarte. Série "Seis e Meia". Disponível em: http://portais.funarte.gov.br/brasilmemoriadasartes/acervo/serie-cartazes-da-sala-funarte/serie-seis-e-meia/. Acesso em: 11 set. 2019.
  • SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (vol. 2: 1958-1985). São Paulo: Editora 34, 1998. (Coleção Ouvido Musical).
  • SILVA, Alcione T. A Isaurinha de hoje e dos bons tempos. Folha de S. Paulo, São Paulo, 7 mai 1975. p. 36.

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