Ordenação

Tipo de Verbete

Filtros

Áreas de Expressão
Artes Visuais
Cinema
Dança
Literatura
Música
Teatro

Período

A Enciclopédia é o projeto mais antigo do Itaú Cultural. Ela nasce como um banco de dados sobre pintura brasileira, em 1987, e vem sendo construída por muitas mãos.

Se você deseja contribuir com sugestões ou tem dúvidas sobre a Enciclopédia, escreva para nós.

Caso tenha alguma dúvida, sugerimos que você dê uma olhada nas nossas Perguntas Frequentes, onde esclarecemos alguns questionamentos sobre nossa plataforma.

Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Carmen Miranda

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 08.06.2020
09.02.1909 Portugal / Douro Litoral / Marco de Caneveses
05.08.1955 Estados Unidos / Califórnia / Los Angeles
Reprodução fotográfica Correio da Manhã/Acervo Arquivo Nacional

Carmen Miranda, 1955

Maria do Carmo Miranda da Cunha (Marco de Canaveses, Portugal, 1909 – Beverly Hills, Los Angeles, EUA, 1955). Cantora, atriz, dançarina. Com dez meses de vida vem com a família para o Rio de Janeiro, onde o pai instala sua barbearia. Recebe ainda criança o apelido de Carmen, nome da protagonista da ópera de Bizet. Estuda no Colégio Santa Teresa,...

Texto

Abrir módulo

Maria do Carmo Miranda da Cunha (Marco de Canaveses, Portugal, 1909 – Beverly Hills, Los Angeles, EUA, 1955). Cantora, atriz, dançarina. Com dez meses de vida vem com a família para o Rio de Janeiro, onde o pai instala sua barbearia. Recebe ainda criança o apelido de Carmen, nome da protagonista da ópera de Bizet. Estuda no Colégio Santa Teresa, o qual abandona para trabalhar. Entrega marmitas da pensão de seus pais, trabalha numa casa de chapéus e depois como balconista numa loja de gravatas. Por influência de Olinda, sua irmã mais velha, aprende a cantar tangos e costurar, confeccionando suas próprias roupas.

Inicia como cantora em 1929 num festival no Instituto Nacional de Música, onde conhece o violonista e compositor baiano Josué de Barros, que promove seu ingresso na Rádio Sociedade. No mesmo ano grava os sambas Se o samba é Moda, Não vá Simbora, Dona Balbina e a toada Triste Jandaia, todas deste compositor. Em 1930 grava as marchinhas Ioiô - Iaiá, de Barros, e Pra Você Gostar de Mim (Taí), de Joubert de Carvalho (1900-1977), sucesso no carnaval desse ano. Assina parceria com Pixinguinha (1897-1973) em Os Home Implica Comigo, e atua na revista Vai Dar o Que Falar, no Teatro João Caetano. Acompanhada pela orquestra da Guarda Velha nas festas do Fluminense F.C., da qual fazem parte Eleazar de Carvalho, Radamés Gnattali (1906-1988), Luiz Americano e Pixinguinha. 

Em 1930 grava o samba Burucutum, dois anos depois, Feitiço Gorado, de Sinhô; Tenho um Novo Amor, de Cartola e Noel Rosa; Bamboleô e Mulato de Qualidade, de André Filho. No ano seguinte, é contratada pela Rádio Mayrink Veiga. No mesmo ano grava a marcha junina Chegou a hora da fogueira, com Mário Reis, e o cateretê As cinco estações do ano, com Lamartine Babo, Mário Reis e Almirante, ambos da autoria de Babo. Com Patrício Teixeira, grava neste ano Perdi Minha Mascote (João da Bahiana), Quando Você Morrer, Bambu-bambu (Donga e Aldo Taranto) e Tempo Perdido (Ataulfo Alves). Participa do filme A Voz Do Carnaval, de Humberto Mauro e Adhemar Gonzaga. 

Interpreta músicas de Alberto Ribeiro (Cachorro Vira-Lata, 1937), Alcyr Pires Vermelho (Tic-Tac do meu Coração, com Valfrido Silva, 1935); André Filho (Alô, Alô, 1934); Ary Barroso (Na Batucada da Vida, 1934, Quando eu penso na Bahia, 1937, parcerias com Luis Peixoto, Como Vaes Você?, 1934, No tabuleiro da baiana, Eu dei..., 1937, Boneca de Piche, com Luis Iglesias e Na Baixa do Sapateiro, 1938); Assis Valente (Good Bye, Boy, 1933, Minha Embaixada Chegou, 1934, Camisa Listada, 1937, Uva de Caminhão, 1939, Recenseamento, 1940); Benedito Lacerda (Querido Adão, com Osvaldo Santiago, 1936); Dorival Caymmi (Roda Pião, A Preta do Acarajé, 1939), Jararaca e Vicente Paiva (Mamãe Eu Quero, 1937), João de Barro (Primavera no Rio, 1934, Cantores do Rádio, 1936, com Babo e Alberto Ribeiro, interpretada em dueto com Aurora Miranda); Babo (Eta moleque bamba, Isto é lá com Santo Antônio, Alô, Alô Carnaval”, com Hervê Cordovil, 1936); e Sinval Silva (Ao Voltar do Samba, 1934, Coração e Adeus Batucada, ambas de 1935).

Estrela em Alô, Alô Brasil, musical de Adhemar Gonzaga. Em 1939 veste-se de baiana para interpretar O Que é Que a Baiana Tem (Dorival Caymmi), no filme Banana da Terra, traje que utiliza nos shows no Cassino da Urca, acompanhada pelo grupo Bando da Lua. Desperta a atenção do empresário norte-americano Lee Shubert, que a leva para os Estados Unidos. Estreia na Broadway no espetáculo Streets of Paris (1939), acompanhada pelo Bando da Lua e a dupla de cômicos Abbott e Costello. Em Nova York apresenta-se no rádio com os cantores Bing Crosby e Rudy Valee. Visita o Brasil em 1940, onde é recebida friamente pela plateia do Cassino da Urca, o que motiva a gravar dois sambas de Luis Peixoto e Vicente Paiva: Disseram que eu voltei americanizada e Voltei Pro Morro (1940).

Participa dos filmes Down Argentine Way (Serenata Tropical, 1940), Uma Noite no Rio (1941), Weekend in Havana (Aconteceu em Havana, 1941), Springtimes in the Rockies (Minha Secretária Brasileira, 1942), If I’m Lucky (Se Eu Fosse Feliz, 1946), Copacabana (1946), A Date With Judy (O Príncipe Encantado, 1948), Nancy Goes to Rio (Romance Carioca, 1950), Scared Stiff (1953). Depois de uma temporada no Brasil para se recuperar de uma estafa, volta aos Estados Unidos, onde falece aos 46 anos, após as gravações do programa The Jimmy Durante Show. Deixa 281 músicas no Brasil e 32 nos Estados Unidos, entre sambas, cateretês, marchas, rumbas, tangos e foxtrotes.

 

Análise

Carmen Miranda é um ícone do século XX. Mais que uma intérprete, é considerada por alguns dos compositores que grava, como Joubert de Carbalho e Ary Barroso (1903-1964), a coautora de suas músicas, dado à personalidade que ela imprime a elas. Ao longo de sua carreira, grava dezenas de compositores, lançando muitos deles, como Dorival Caymmi (1914-2008), além de dividir o microfone e números musicais de filmes com outros intérpretes importantes do período, como Patrício Teixeira, Sílvio Caldas, Lamartine Babo (1904-1963), Mário Reis, Castro Barbosa, sua irmã Aurora Miranda, Francisco Alves (1898-1952), Almirante (1908-1980), Luís Barbosa (1910-1938), Dorival Caymmi e Barbosa Júnior. 

Dotada de um carisma inigualável, a “pequena notável” - como fica conhecida no meio radiofônico - não só é responsável pela divulgação de vários músicos como marca uma nova era na música popular brasileira, em que o samba no Rio de Janeiro adquire suas feições modernas e é tomado como sinônimo de música nacional. Seu sucesso se inscreve na linha divisória entre o declínio do teatro de revistas e a ascensão do disco e do rádio, mídias ideais para sua voz, meio-soprano de curta extensão e grande modulação. 

Apropriando-se destes atributos, a cantora cria um estilo peculiar de interpretação, que subverte os modelos tradicionais. Até então, o canto na música popular caracteriza-se pela impostação de voz operística, na qual a tensão física corresponde quase sempre à tensão emotiva. Ou seja, o ouvinte se habitua a ouvir a voz do cantor em alta frequência, com inflexão da voz em regiões agudas acrescida de prolongamento das durações das vogais, quando a temática da canção é amorosa, na qual há uma perda ou separação. Carmen, por sua vez, introduz no canto popular elementos da fala cotidiana e diferentes modulações. Mesmo em suas primeiras gravações, onde há ainda a influência dos tangos argentinos e do canto operístico – como na marcha Taí –, percebe-se em sua performance entoações alegres, às vezes caricaturais, que oscilam do canto à fala, dando por vezes uma conotação irônica. Assim, ela parodia os costumes estabelecidos, conferindo sentido ambíguo à interpretação, ao alterar a modulação da voz, acrescentar uma palavra, ou introduzir um breque. Aliado à sua performance vocal, seu gestual – de mãos, a piscadela de olhos, o sorriso maroto – ora complementa, ora nega o sentido das palavras, atribuindo significados às letras diferentes daqueles imediatos ao discurso, mas sabendo o momento de torna-lo mais ingênuo no momento em que a picardia passa a ser uma ameaça à moral vigente. 

Versátil, a cantora transita entre diferentes gêneros musicais. Com ela a marchinha carnavalesca adquire fisionomia própria, libertando-se da tutela da cançoneta cômica, embora ela tenha extraído desse gênero a malícia e o tom brejeiro característicos de sua interpretação. 

Carmen também se destaca como uma inventora de modas. Utilizando sua aptidão para a costura, ela cria trajes que valorizam sua movimentação no palco. O traje de baiana não é uma novidade na cultura popular carioca na primeira metade do século XX: esta figura permanece no Rio, devido à religiosidade afro, sendo incorporada às festas e diversões populares, como o carnaval de rua e o teatro de revista. No cinema norte-americano, este traje já é usado pela protagonista de Voando Para o Rio (1934), a atriz mexicana Dolores del Rio, que interpreta uma brasileira. No entanto, esta era uma herança cultural estigmatizada, e foi a partir da estilização feita por Carmen, em 1939, que ele ganhou uma recepção mais ampla. A cantora inspira-se na cultura nativa para criar um visual glamuroso e cosmopolita, que aliado à sua expressividade, no gestual, no olhar e na voz, é capaz de envolver pessoas de diferentes culturas. Não é à toa que ela consegue vender 25 mil cópias de Alô, Alô no Japão, em 1938, antes mesmo que sua persona ganhasse maior destaque visual. A cantora forja uma identidade multifacetada: uma portuguesa de nascimento, criada na Lapa, cantando samba e se vestindo como as celebridades de Hollywood. Seus turbantes, as blusas que deixam a barriga à mostra, as bijuterias, os balangandãs e os tamancos ditam moda e passam a ocupar lugar de destaque nas vitrines da Macy´s, uma das principais lojas de departamento norte-americana. 

Ela admite que seu sucesso nos Estados Unidos deve-se em grande parte às suas roupas, pois os americanos, habituados com a música caribenha, não conseguem distingui-la do ritmo do samba. Reforçando o estereótipo da mulher latino-americana, exótica, sensual e efusiva, sua imagem torna-se uma espécie de alegoria do território no período da “política da boa-vizinhança”. Junto com o Bando da Lua, que a acompanha em sua ida aos Estados Unidos, ela explora esta expressividade a seu favor, aproveitando a agilidade de sua fala e a diferença de sonoridades para “hipnotizar” a plateia. Como declara um dos integrantes do Bando, Aloysio de Oliveira (1914-1995), eles escrevem aquelas letrinhas “vagabundas” de brincadeira, de modo a usar a música americana em função do ritmo brasileiro. Lançar algo que este público reconhecesse e se identificasse era também uma forma de assegurar o êxito da gravação, ao invés de lançar uma música totalmente nova e desconhecida. Assim, se por um lado havia o deboche dos norte-americanos pela pronúncia macarrônica do inglês – a qual Carmen foi orientada pelos empresários a manter, mesmo que já pudesse falar perfeitamente o idioma –, por outro, Carmen sabe tirar partido desta situação, definindo uma carreira assentada mais em seu talento como comediante, e logrando ter o maior cachê dos Estados Unidos em 1945. 

Além de influenciar inúmeros artistas de sua época, como Carmélia Alves e Emilinha Borba, Carmen deixa marcas profundas na cultura popular. Sua dicção mais tarde é apropriada por Caetano Veloso (1942), que retoma a cantora no movimento tropicalista. Seu repertório é regravado por intérpretes como Gal Costa (1945)  (Balancê), Elis Regina (Na Batucada da Vida), Maria Alcina (1949) (Alô, Alô). Ganha tributos como Marília Pêra Canta Carmen Miranda, de 2006, e Balangandans, de Ná Ozzetti (1958), em 2009.

Obras 2

Abrir módulo

Exposições 1

Abrir módulo

Fontes de pesquisa 10

Abrir módulo
  • BANANAS is My Business. Direção: Helena Solberg. Grã-Bretanha/Brasil: Channel Four Films/Riofilme: 1995 [produção]. 1 filme (91 min), docudrama, 35 mm, p&b/color.
  • CASTRO, Ruy. Carmen: uma biografia. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.
  • GARCIA, Tânia da Costa. O “it verde e amarelo” de Carmen Miranda (1930-1946). São Paulo: Annablume; Fapesp, 2004.
  • MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998. R780.981 M321e 2.ed.
  • Mendonça, Ana Rita. Carmen Miranda foi a Washington. Rio de Janeiro; São Paulo: Ed. Record, 1999.
  • REVISTA da Música Popular. Edição nº8, jul-ago. 1955. In: COLEÇÃO Revista da Música Popular. Rio de Janeiro: Funarte : Bem-te-vi Produções Literárias, 2006. Edição fac-similada da coleção completa editada por Lúcio Rangel e Pérsio de Moraes, de 1954 a 1956.
  • SOUZA, Eneida Maria de. Carmen Miranda: do kitsch ao cult. In: CAVALCANTE, STARLING, EISENBERG (orgs.). Decantando a República: Inventário histórico e político da canção popular moderna brasileira. Vol.2. Retrato em branco e preto da nação brasileira. Rio de Janeiro: Nova Fronteira; São Paulo: Perseu Abramo, 2004.
  • SOUZA, Tárik de. Tem Mais Samba: das raízes à eletrônica. São Paulo: Editora 34, 2003. (Coleção Todos os Cantos).
  • TATIT, Luiz. Elementos para a análise da canção popular. In: Cadernos de Semiótica Aplicada. Vol. 1, nº2, dezembro de 2003. Disponível em: http://seer.fclar.unesp.br/casa/article/view/623/538. Acesso em: 18 set. 2012
  • TATIT, Luiz. O Cancionista: composição de canções no Brasil. São Paulo: Edusp, 1996.

Como citar

Abrir módulo

Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo: