Maria Alcina
Texto
Biografia
Maria Alcina Leite (Cataguases, Minas Gerais, 1949). Cantora. Ainda criança contribui com o orçamento familiar, trabalhando como faxineira, servente de escola e, mais tarde, operária de fábrica. Interessada em teatro, frequenta o grupo do escritor mineiro Joaquim Branco (1940) na adolescência. Paralelamente, integra o coral da igreja e apresenta-se em peças e festivais de música da cidade.
Em 1969, levada pelos músicos Carlos Moura (1950) e Alfredo Condé, amigos de Cataguases, visita o Rio de Janeiro. Lá, participa, com eles, da trilha sonora do filme O Anunciador, o Homem das Tormentas (1970), dirigido por Paulo Bastos Martins. No estúdio de gravação, recebe convite do pianista e compositor Antônio Adolfo (1947) para permanecer na cidade e trabalhar como secretária em sua produtora, a Brazuca.
Em 1971, grava pelo selo Chantecler seu primeiro disco, um compacto com as canções “Azeitonas verdes”, de Marcus Vinicius (1949), e “Mamãe, coragem”, de Caetano Veloso (1942) e Torquato Neto (1944-1972). No ano seguinte, faz uma temporada de sucesso cantando na boate Number One, em Copacabana, o que lhe rende convite para participar do VII Festival Internacional da Canção (FIC – TV Globo). Vence a disputa interpretando “Fio maravilha”, de Jorge Benjor (1942), música que é destaque de seu álbum de estreia, Maria Alcina (1973).
Na década de 1980, viaja com frequência para os Estados Unidos, onde faz shows com repertório de músicas carnavalescas. Em 1995, ao lado das cantoras Aurora Miranda (1915-2005), Marília Pêra (1943-2015) e grande elenco, participa de tributo à Carmen Miranda (1909-1955) no Lincoln Center. Ainda em homenagem à “Pequena Notável”, integra a temporada do espetáculo Eles Cantam Ela, em Nova York.
Na TV Record, atua como jurada de programas de calouros apresentados por Raul Gil (1938) e Ed Banana. Em 2002, estrela o musical Maria Alcina, 30 Anos que Alucinam. Dois anos depois, protagoniza Por Lamartine... Babo, espetáculo dedicado ao repertório do compositor carioca, dividindo o palco com os cantores Ney Mesquita e Fabiana Cozza (1976).
Maria Alcina tem sete álbuns individuais em sua discografia – o mais recente é De Normal Bastam os Outros (2013) –, além de participações em coletâneas e shows de outros artistas, a exemplo das bandas Bojo e Funk Como Le Gusta e do grupo de rap Júri Popular.
Análise da trajetória
Maria Alcina é uma intérprete que se caracteriza pela voz rouca de contralto e figura andrógina, exótica e irreverente. Com gestos alegres e indumentária de plumas, paetês e muita maquiagem, apresenta um repertório variado de sambas, canções carnavalescas e forrós, com temas bem humorados ou de apelo sexual.
Em sua primeira aparição, quando defendeu “Fio Maravilha” na última edição do Festival Internacional da Canção, ela ostenta a exuberância performática que marca toda sua carreira artística. Vestida de odalisca e com um físico que lembra a vedete Josephine Baker (1906-1975), Alcina domina o palco ao cantar a música que celebra as façanhas do atacante flamenguista. Dando saltos e socos, ela imita os jogadores na hora da comemoração do gol, o que empolga a plateia do festival e a consagra diante da torcida rubro-negra.
Ela retorna à temática futebolística outras vezes, gravando, por exemplo, “Camisa 10 da Gávea” (Jorge Benjor), “Hino do Corinthians", (Lauro D’Avila), a marcha “Transplante corintiano” (Manoel Ferreira/ Ruth Amaral/ Gentil Júnior) e uma música de autoria de Pelé (1940), “Acredita no véio”.
Alcina também se aproxima das músicas de Carmen Miranda, de quem ela regrava, entre outras: “Alô, alô [André Filho (1906-1974)] e “Como ‘vaes’ você” [Ary Barroso (1903-1964)]. Ao mesmo tempo, dá espaço a compositores contemporâneos. Ao lançar seu segundo álbum, intitulado Maria Alcina (1974), torna-se uma das divulgadoras do trabalho de compositores contemporâneos como João Bosco (1946) e Aldir Blanc (1946). Deles, grava quatro canções, entre elas, o samba “Kid Cavaquinho”.
“Até hoje me perguntam se sou travesti”, comenta a artista. Com tom de voz grave e jeito moleque, Alcina explora uma ambiguidade de gênero comparável à de Ney Matogrosso (1941), do ponto de vista masculino, contemporâneo da cantora . Em 2013, eles gravam juntos o samba-coco “Bigorrilho” [Sebastião Gomes, Paquito (1915-1975), Romeu Gentil (1911-1983)], de letra satírica.
A sexualidade transborda no repertório de Maria Alcina. Em “Sem vergonha” (Jorge Benjor), ela entoa:
Ele me chamou de sem vergonha
Ele não entendeu meu instinto animal
(...) Será que ele não gosta?
Ser ou não ser, eis a questão.
O tom erótico fica ainda evidente em músicas cujas letras oferecem múltiplos sentidos, a exemplo de tradicionais cantigas nordestinas “Bacurinha” (“Papai, ai que calor/ calor na bacurinha”) e “É mais embaixo” (“Passei com meu amado/ peguei na cabeça dele/ e ele disse: ‘é mais embaixo, é mais embaixo’”). Já no refrão de “Concurso de Bichos” [Anastácia (1941), Liane ], ela repete o trocadilho: “A Ré ganha, a Ré ganha”.
Durante a ditadura militar, essa postura libertina representa ameaça à moral e aos bons costumes preconizados pelo governo autoritário. Em 1974, Alcina é proibida de se apresentar em público e a veiculação de suas músicas em rádio e televisão é vetada. “Eu não fazia aquilo pensando em contestar nada. Eu nem possuía preparo intelectual para fazer discursos ou contestar a ditadura”, admite em entrevista concedida a revista Carta Capital.1
Na virada dos anos 2000, a intérprete se associa ao grupo eletrônico Bojo, com o qual lança os álbuns Agora (2003) e Maria Alcina, confete e serpentina (2009), repletos de loops, samplers e sintetizadores.
Ao comemorar quatro décadas de carreira, Alcina é reconhecida e celebrada em música pelos compositores Arnaldo Antunes (1960) e Zeca Baleiro (1966), que escrevem para ela, “De normal bastam os outros” (“o desgosto se discute/ mas a vida é mesmo assim”), de Antunes, e a autobiográfica “Eu sou Alcina” (“Eu sempre fui mesmo da pá virada/ safada fada fadada/ a ser o que sou”), de Baleiro.
Nota
1 PAVAN, Alexandre. Sempre atrevida. Carta Capital. São Paulo, n. 276, 04 fev. 2004.
Fontes de pesquisa 6
- ESSENGER, Silvio. A musa alternativa dos anos 70. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 21 jun. 2002.
- FAOUR, Rodrigo. História sexual da MPB. Rio de Janeiro: Record, 2006.
- INSTITUTO MEMÓRIA MUSICAL BRASILEIRA. Disponível em: < http://www.memoriamusical.com.br >. Acessado em: 17 ago. 2015.
- PAVAN, Alexandre. Sempre atrevida. Carta Capital, São Paulo, n. 276, 04 fev. 2004.
- SANCHES, Pedro Alexandre. Vozeirões proibidos. Folha de S.Paulo, São Paulo, 18 jun. 2002.
- SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (vol. 2: 1958-1985). São Paulo: Editora 34, 1998. (Coleção Ouvido Musical).
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
MARIA Alcina.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa2368/maria-alcina. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7