Cássia Eller
Texto
Cássia Rejane Eller (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1962 – idem, 2001). Cantora, compositora e instrumentista. É considerada um ícone do rock brasileiro da década de 1990. Com extensa capacidade interpretativa, também se destaca em outros estilos musicais, como o samba, o blues, o cancioneiro da vanguarda paulista e a canção francesa.
Aos 14 anos começa a tocar violão sob influência dos Beatles. A família muda-se para Brasília, e lá, com 18 anos, Cássia experimenta diversos estilos que formam seu ecletismo vocal e performático. Integra as bandas Artimanha, Trio Elétrico Massa Real e o Malas e Bagagens como cantora, compositora e instrumentista. Paralelamente, no teatro musical, faz parte da trupe do cantor Oswaldo Montenegro (1956) no espetáculo Veja Você, Brasília (1982), e compõe o coro da primeira montagem brasileira da ópera do compositor americano George Gershwin (1898-1937), Porgy and Bess, no Teatro Nacional, em 1984.
Cássia desenvolve uma personalidade teatral que serve tanto ao humor quanto ao drama. No palco, a intenção interpretativa da atriz e cantora “enxergava o ridículo da vida mas não o denunciava de forma explícita”1. Em 1985, torna-se sucesso de crítica e público em Brasília ao protagonizar, ao lado do ator Marcelo Saback (1962), o musical Gigolôs, com direção de Alexandre Ribondi (1952). Influenciada pelas cantoras americana Nina Simone (1933-2003) e francesa Edith Piaf (1915-1963), destaca-se no espetáculo com sua interpretação de “Ne me quitte pas”, parte do repertório das duas cantoras, composta pelo belga Jacques Brel (1929-1978).
Os anos em Brasília, entre apresentações informais em bares e na cena do teatro musical, definem as possibilidades de seu repertório futuro e de seu estilo interpretativo, mais afeito ao palco do que ao estúdio. De voz naturalmente rascante, meio-soprano, Cássia não se atém ao estereótipo vocal de rock and roll ao estilo da cantora americana Janis Joplin (1943-1970). Graças à inteligência cênica, desenvolve capacidades interpretativas mais viscerais, ligadas à intenção lírica das canções, o que resulta em um canto ao mesmo tempo resiliente e profundo.
Em 1987, muda-se para São Paulo, onde encontra o produtor musical Wanderson Clayton Eller (1959), seu tio. Com ele, Cássia grava uma fita demo que inclui, além de suas interpretações de Brel e Beatles, canções de compositores de São Paulo e sua versão de “Por Enquanto”, do cantor Renato Russo (1960-1996). Mayrton Bahia (1956), produtor musical da Legião Urbana e diretor artístico da gravadora Polygram, escuta a fita e firma um contrato de três discos com a cantora, que se muda definitivamente para o Rio de Janeiro.
Seu primeiro disco apresenta um equilíbrio eclético entre estilos, mediado por Cássia e Wanderson, produtor do álbum. Conta com a participação de músicos de origens musicais díspares, como o baixista Jorge Helder (1955), ligado ao jazz e à MPB, e o guitarrista e futuro produtor Tom Capone (1966-2004), representante do rock brasiliense.
Em 1992, Cássia lança O Marginal, disco também produzido por Wanderson, que traz composições de Arrigo Barnabé (1951), Luiz Melodia (1951-2017) e Itamar Assumpção (1949-2003), além de duas canções do americano Jimi Hendrix (1942-1970). Com apelo menos popular que o trabalho anterior, torna-se o disco menos vendido da carreira da cantora. Em 1994, o terceiro disco de sua carreira – homônimo, assim como o primeiro – alcança o topo das paradas de sucessos radiofônicas com a canção “Malandragem”, parceria dos compositores Cazuza (1958-1990) e Roberto Frejat (1962). Cássia Eller, com repertório mais pop, torna-se um sucesso comercial com mais de 150 mil cópias vendidas. Produzido por Guto Graça Mello (1948), o álbum é muito bem avaliado pela crítica.
A partir de então, a cantora é reconhecida como uma das principais intérpretes do Brasil. De acordo com o cantor Caetano Veloso (1942), com o canto e a presença de Cássia Eller é possível remontar a uma linhagem que começa em Aracy de Almeida (1914-1988), passa por Carmen Costa (1920-2007), Maysa (1936-1977), Dolores Duran (1930-1959) e Almira Castilho (1924-2011). Segundo Caetano, “não é por acaso que seu rock’n’roll se refere ao flamenco, à canção francesa mais visceral e ao blues”2.
Com o sucesso de “Malandragem”, Cássia retorna ao estúdio para gravar Veneno Antimonotonia, álbum dedicado ao repertório de Cazuza e produzido por Waly Salomão (1943-2003). As apresentações, também dirigidas por Waly, rendem o disco Veneno Vivo (1998).
Em Com Você… Meu Mundo Ficaria Completo (1999), Cássia estabelece uma virada em sua carreira. Com o cantor Nando Reis (1963) como seu novo produtor, ela reavalia sua trajetória: “Fui ouvir meus outros CDs e vi que estava gritando o tempo todo. Agora vejo que consigo fazer de forma diferente”3. Com um repertório de canções inéditas do próprio Nando, de Caetano Veloso, Gilberto Gil (1942) e Luiz Melodia, Cássia busca novas formas de interpretação, ao mesmo tempo que explora sua extensão vocal e faz uso de um canto mais contido. O Acústico MTV, último álbum lançado em vida pela cantora, coroa a carreira musical de Cássia em sua breve e intensa turnê de mais de cem shows ao longo de seis meses.
Se por um lado Cássia Eller permanece vinculada à linguagem performática do rock, sua trajetória contesta reiteradamente esse estereótipo. O repertório extenso e heterogêneo registrado em sua discografia é fruto da inteligência musical da cantora, aliada a uma ideia de construção de uma obra que, em retrospecto, é das mais relevantes da música popular brasileira do final do século XX.
Notas
1. MONTENEGRO, Oswaldo. Depoimento em Cássia Eller. Direção: Paulo Henrique Fontenelle. [S.l.]: Migdal Filmes, 2015.
2. Box de discos de Cássia Eller tem texto de Caetano Veloso. O Globo, 4 jun. 2015. https://blogs.oglobo.globo.com/gente-boa/post/box-de-discos-de-cassia-eller-tem-texto-de-caetano-veloso-ela-e-verdade-pura.html.
3. ESSINGER, Sílvio. "Nova Cássia Eller". Jornal do Brasil. 17 jul. 1999. Caderno B. p. 1.
Fontes de pesquisa 6
- CÁSSIA Eller. [Documentário]. Direção: Paulo Henrique Fontenelle. [S.l.]: Migdal Filmes, 2015.
- ESSINGER, Sílvio. Nova Cássia Eller. Jornal do Brasil, [s.l.], 17 jul. 1999. Caderno B, p. 1.
- FRANÇA, Jamari. Desagrava à genial Cássia Eller. Jornal do Brasil, [s.l.], 15 ago. 1992. Caderno B, p. 6.
- FRANÇA, Jamari. O disco que ela mereceria. Jornal do Brasil, [s.l.], 28 jun .1994. Caderno B, p. 7.
- GUIMARÃES, Cleo. Box de discos de Cássia Eller tem texto de Caetano Veloso. O Globo, [s.l.], 4 jun. 2015. Gente boa. Disponível em: https://blogs.oglobo.globo.com/gente-boa/post/box-de-discos-de-cassia-eller-tem-texto-de-caetano-veloso-ela-e-verdade-pura.html.
- MONTENEGRO, Oswaldo. Depoimento em Cássia Eller. [Documentário]. Direção: Paulo Henrique Fontenelle. [S.l.]: Migdal Filmes, 2015.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
CÁSSIA Eller.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa610865/cassia-eller. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7