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Enciclopédia Itaú Cultural
Música

Aracy de Almeida

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 24.06.2020
19.08.1914 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
20.06.1988 Brasil / Rio de Janeiro / Rio de Janeiro
Aracy Teles de Almeida (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1914-1988). Cantora. Cresce no Encantado, subúrbio carioca. Aprende a cantar no coro de igreja batista, da qual seu irmão é pastor. Em 1934, por intermédio do compositor Custódio Mesquita (1910-1945), canta na Rádio Educadora do Brasil e grava seu primeiro disco, com a marcha “Em Plena Foli...

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Aracy Teles de Almeida (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1914-1988). Cantora. Cresce no Encantado, subúrbio carioca. Aprende a cantar no coro de igreja batista, da qual seu irmão é pastor. Em 1934, por intermédio do compositor Custódio Mesquita (1910-1945), canta na Rádio Educadora do Brasil e grava seu primeiro disco, com a marcha “Em Plena Folia”, de Julieta de Oliveira. Na emissora, conhece o compositor Noel Rosa (1910-1937) e interpreta alguns de seus sambas nos álbuns Riso de Criança (1934) e Triste Cuíca (1935). Contratada pela Rádio Cruzeiro do Sul, integra o coro da gravadora Victor. Trabalha nas rádios Mayrink Veiga, Cajuti e Ipanema. Na Philips, divide o Programa Casé com o cantor Sílvio Caldas (1908-1998). Em 1936, vai para a Rádio Tupi e grava os sambas “Palpite Infeliz” e “O X do Problema”, ambas de Noel Rosa. 

Aracy de Almeida canta profissionalmente por mais de 30 anos e é reconhecida como a primeira grande cantora de samba – apesar de transitar em outros estilos, como rumba, bolero, baião, marchinha, cateretê e frevo-canção. Boa parte de sua carreira é dedicada ao gênero, tornando-se reconhecida como o “Samba em Pessoa”, apelido dado pelo radialista César Ladeira (1910-1969) e título de seu disco de 1958. 

Segundo o pesquisador Jairo Severiano (1927), sua carreira pode ser dividida em três fases: entre 1934 e 1949, a jovem cantora de sucessos; entre 1950 e 1967, a cantora consagrada, que divulga obras de grandes compositores, especialmente de Noel Rosa; e de 1968 a 1988, a velha senhora que explora sua veia cômica para dar vida à personagem da jurada ranzinza de programas de televisão. Nessa última fase, sente-se livre para falar que não gosta de cantar, mas que o faz para ganhar a vida.

Como é comum às cantoras aspirantes de sua época, estreia no rádio com uma música do repertório da cantora Carmen Miranda (1909-1955), o fox-canção “Bom Dia Meu Amor”, composto por Olegário Mariano (1889-1958) e Joubert de Carvalho (1900-1977). Com dois anos de atuação, desenvolve um estilo próprio e torna-se uma das intérpretes responsáveis por divulgar e dar forma ao samba moderno que se configura a partir da década de 1930. Essa sonoridade identifica-se com o grupo do Estácio, em substituição ao samba do início do século XX, de compositores como Donga (1890-1974) e Sinhô (1888-1930), mais próximos à métrica do maxixe. 

Desde o final dos anos 1930, os músicos envolvidos na modernização do estilo e o público consumidor de discos e de partituras aceitam o novo paradigma, considerado como o verdadeiro samba e a principal expressão musical do país1. Esse movimento é decisivo para o gênero, pois na época da canção “Pelo Telefone”, composta por Sinhô e lançada em 1917, o samba representa uma pequena parte da produção discográfica nacional. Os primeiros sambas são feitos sob forma “rapsódica”, com versos curtos, sem coerência, que remontam à origem folclórica. Na década de 1930, o samba adquire identidade própria e aumenta seu número de produção, que passa a corresponder a quase 33% dos gêneros gravados. A mudança de paradigma expressa-se também na poética e na maneira de interpretar, que assume um tom mais coloquial, próximo da fala cotidiana, caracterizado pela contrametricidade do canto, que é sincopado2. Isso se deve às transformações técnicas da indústria fonográfica e radiofônica, que conseguem dar maior extensão vocal aos cantores. 

O poeta Noel Rosa e a intérprete Aracy têm um papel significativo nos rumos do gênero. Com um timbre de voz anasalado – que se torna mais grave com o passar dos anos –, e certo acento tristonho, a cantora produz o balanço perfeito e a divisão exata do fraseado sambístico. O ponto de virada da carreira de Aracy dá-se no encontro com Noel Rosa, que identifica na cantora o potencial para se tornar “a pessoa que interpreta com exatidão o que produzo”3. Segundo o compositor, Aracy é a “melhor cantora de samba de batida”. Embora não seja esclarecido de imediato o que ele entende por samba de batida, é possível subentender que se refira ao ritmo bem marcado, ligeiro, com bossa, em contraposição ao samba-canção, mais lento, ou ao estilo de Carmen Miranda. O compositor influencia seu estilo e confia-lhe o registro de boa parte de sua obra. Apesar de Aracy ter um ouvido “duro” e a memória musical fraca, com dificuldade para aprender harmonizações complicadas e para lembrar as letras das músicas, ela é beneficiada pela capacidade de assimilar os sons de maneira mais intuitiva que técnica, ao contrário de Marília Batista (1917-1990), outra grande intérprete de Noel Rosa. 

Aracy frequenta a casa de Noel e torna-se sua companheira de boemia  e contribui para divulgação da obra do Poeta da Vila, sobretudo na década de 1950, momento em que ele parece esquecido. Além de Noel, Aracy grava os principais compositores de seu tempo, como Capiba (1904-1997), Ary Barroso (1903-1964), Wilson Batista (1913-1968), Custódio Mesquita (1910-1945), Lamartino Babo (1904-1963), Assis Valente (1911-1958), Haroldo Lobo (1910-1965) e João de Barro. Por meio de sua voz, o samba-canção, ligado à desilusão amorosa, recebe interpretações marcantes, como em “Se Eu Morresse Amanhã”, de Antonio Maria, e “Quando Tu Passas Por Mim”, de Vinícius de Moraes (1913-1980) e Antônio Maria.

Notável pela sagacidade e franqueza, a cantora tem desentendimentos profissionais ao longo da vida, incluindo com o próprio compositor que a descobre: o samba de Noel Rosa, “Palpite Infeliz”, gravado por ela em 1936 e regravado em 1950, faria parte do filme Alô, Alô Carnaval (1936). A cantora, entretanto, recusa-se a interpretar a canção no papel de lavadeira, por considerá-lo depreciativo. A querela entre os dois não vai adiante, e Noel compõe outras músicas para que sejam interpretadas por ela. Outro caso é com Ary Barroso: a princípio, o compositor não gosta da cantora, mas quebra a resistência e concede permissão para que Aracy grave o samba “Camisa Amarela”. A canção torna-se sucesso do carnaval de 1939. 

Aracy causa alarde entre os conservadores por cultivar amizades e frequentar ambientes masculinos. E, sobretudo, pelo ar irreverente e vocabulário repleto de gírias e palavrões. Apesar de sua baixa escolarização, é uma mulher culta, apreciadora de quadros e amiga pessoal de poetas e pintores, como Vinícius de Moraes e Di Cavalcante (1897-1976). Casa-se duas vezes, mas se mantém como mulher livre e desempedida. Por esses atributos, Aracy é caracterizada como intérprete personalíssima, na vida e na arte.

Notas

1. SANDRONI, Carlos. Feitiço decente: transformações do samba no Rio de Janeiro (1917-1930). Rio de Janeiro: Jorge Zahar: Editora UFRJ, 2001, p. 217.

2. Em linhas gerais, a síncopa refere-se à forma de divisão do tempo na música, pela inclusão de células musicais não previstas dentro do compasso. No entanto, esse padrão de “normalidade” leva em conta a divisão da música ocidental. Na música africana, a contrametricidade é a regra, característica incorporada pelo samba brasileiro. 

3. MÁXIMO, João; DIDIER, Carlos. Noel Rosa: uma biografia. Brasília: Editora UNB: Linha Gráfica Editora, 1990, p. 323.

Obras 1

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Espetáculos 1

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Fontes de pesquisa 8

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  • ALMIRANTE. No Tempo de Noel Rosa. (Série em 22 capítulos). Rádio Tupi do Rio de Janeiro, 1951. Rio de Janeiro: Collector’s Studio, s/d. (Coleção Assim Era o Rádio, fitas cassete AER077 – AER087).
  • ARACY de Almeida. Ao Vivo e à Vontade. [São Paulo]: Continental, 1988. 1 encarte de CD.
  • MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998. R780.981 M321e 2.ed.
  • MÁXIMO, João; DIDIER, Carlos. Noel Rosa: uma biografia. Brasília: Linha Gráfica Editora: Editora UnB, 1990.
  • SEVERIANO, Jaime. Uma história da música popular brasileira: das origens à modernidade. São Paulo: Editora 34, 2008. 504p.
  • SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (vol. 2: 1958-1985). São Paulo: Editora 34, 1998. (Coleção Ouvido Musical).
  • SOUZA, Tárik de. Tem Mais Samba: das raízes à eletrônica. São Paulo: Editora 34, 2003. (Coleção Todos os Cantos).
  • THOMPSON, Daniella. The Aracy de Almeida Discography. A 50-year singing career on record. Disponível em: http://daniellathompson.com/Texts/Aracy_de_Almeida/Aracy.htm. Acesso em: 25 abr. 2012

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