Assis Valente
Texto
José de Assis Valente (Santo Amaro, Bahia 1911 – Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1958). Desenhista, protético e compositor. Nascido em 19 de março de 1911, separa-se dos pais muito cedo. Segundo ele, é roubado dos pais, José de Assis Valente e Maria Esteves Valente, e entregue a outra família para ser criado. A família adotiva força-o a realizar tarefas domésticas, além de trabalhar como ajudante em uma farmácia e estudar à noite.
Na escola, conhece a obra de poetas como Castro Alves (1847-1871) e Guerra Junqueiro (1850-1923) e desenvolve habilidade como orador. Aos 10 anos, emprega esse talento atuando como comediante em um circo. Mais tarde, frequenta cursos de desenho no Liceu de Artes e Ofícios de Salvador e forma-se como especialista em próteses dentárias, profissão que exerce quando se muda para o Rio de Janeiro, em 1927. Ao chegar à capital carioca, Assis Valente publica alguns desenhos em revistas como Shimmy e Fon-Fon. O trabalho, entretanto, não lhe rende o bastante para substituir o ofício de protético, atividade que exerce até o ano de sua morte.
No início dos anos 1930, começa a compor sambas, interpretados por vários cantores. As canções lhe rendem popularidade e, nessa década, consagra-se como compositor. Entrosado no ambiente musical carioca, lidera o conjunto Bando Carioca, que se apresenta durante o ano de 1936 na Rádio Tupi do Rio. Embora lance grandes sucessos, Assis Valente não consegue viver de suas músicas e o laboratório dentário permanece como principal fonte de renda.
Em 1941, casa-se com a datilógrafa Nadyle da Silva, com quem tem uma filha, Nara Nadili. O casamento não dura muito e eles se separam logo após o nascimento da menina. Ainda nesse ano, endividado, o compositor tenta o suicídio, atirando-se do alto do Corcovado. Preso entre os galhos de uma árvore, é resgatado pelos bombeiros, fornecendo uma grande história à imprensa carioca. Recuperado do episódio, compõe o samba “Fez Bobagem” que, interpretado por Aracy de Almeida (1914-1988) em 1942 e embalado pela publicidade do ocorrido, torna-se sucesso.
Anos depois, abalado pela cobrança da dívida de quatro mil cruzeiros com a vedete Elvira Pagã (1920-2003), Assis Valente tenta cortar os pulsos com uma lâmina de barbear. Nessa época, sua situação financeira é desesperadora e ele vende alguns sambas a outros compositores. Estes, assumindo a autoria, gravam-nos e obtêm sucesso.
Em 10 de março de 1958, tenta, mais uma vez, o suicídio. Transmite instruções aos funcionários de seu laboratório sobre como proceder após sua morte. Telefona para seu editor Vicente Vitale e para o embaixador Pascoal Carlos Magno para lhes comunicar a decisão e ingere formicida com guaraná.
Seu corpo é encontrado em um banco da Praia do Russe, portando, além de outros pertences, sua carteira de identidade com a foto rasgada e uma carta à polícia, na qual deixa claro que se mata em razão das dívidas e pede ao público que compre seu último disco Lamento.
Análise
Durante toda a década de 1930 e início da seguinte, Assis Valente é um dos compositores mais cultuados da cena musical carioca. Ele tem como incentivadores o pintor e compositor Heitor dos Prazeres (1898-1966) e a cantora Carmen Miranda (1909-1955), sua maior intérprete. Escreve mais de uma centena de músicas entre sambas e marchinhas. Suas composições atravessam décadas, nas vozes de diferentes gerações de intérpretes, como Francisco Alves (1898-1952), Moreira da Silva (1902-2000), Carmem Miranda, Carlos Galhardo (1913-1985), Orlando Silva (1915-1978), Dircinha Batista (1922-1999), Nara Leão (1942-1989), Ney Matogrosso (1941), Caetano Veloso (1942), Gal Costa (1945), Maria Bethânia (1946), Maria Alcina (1949) e Mart’nália (1965) ou por Chico Buarque (1944) e o grupo Novos Baianos. A obra de Assis Valente constitui referência importante da música popular brasileira.
O compositor, assim como Noel Rosa (1910-1937), expressa uma percepção sensível do cotidiano e da sociedade de sua época. Produz em verso, melodia e ritmo um retrato singular da cidade do Rio de Janeiro nos anos 1930 e 1940. Seu primeiro samba “Tem Francesa no Morro”, gravado em 1932 por Aracy Cortes (1904-1985), ironiza a moda que toma como traço de elegância o uso de expressões e frases em francês. Nessa mesma linha, “Good-Bye, Boy” critica o modismo de misturar o inglês à língua nacional, marcha gravada por Carmen Miranda em 1933. Outra marcha desse mesmo ano, “Elogio da Raça”, tematiza a discriminação do negro, assim como o samba “Isso Não se Atura”, ambos também gravados pela cantora. O problema da falta de água é tema de seu samba “Um Jarro d'Água” (1939), interpretado por Cinara Rios. Já a venda de uva em caminhões em diversos pontos da cidade inspira o samba, “Uva de Caminhão”, gravada por Carmen Miranda, nesse mesmo ano. Em 1938, quando os jornais noticiam uma possível colisão do cometa Halley com a Terra, ele compõe “E o Mundo Não se Acabou”, um de seus maiores sucessos, um samba-choro também gravado por Carmen Miranda. Em 1940, o recenseamento realizado pelo governo do Estado Novo de Getúlio Vargas é motivo para outro samba, “Recenseamento”. O samba “Brasil Pandeiro” (1940) torna-se uma das maiores expressões do gênero samba-exaltação, característico desse contexto de afirmação do nacionalismo da Era Vargas. Na época, Carmen Miranda interessa-se pela composição, mas não manifesta o desejo de gravá-la. Um ano depois, a composição faz enorme sucesso na interpretação do conjunto Anjos do Inferno. Isso vale a inclusão de “Brasil Pandeiro” na trilha sonora da comédia musical Céu Azul (1940), um filme de Ruy Costa (1909-1980). Em 1973, outro conjunto musical, os Novos Baianos, repete o sucesso desse samba, um hino à brasilidade, no contexto da ditadura militar.
De grande versatilidade, Assis Valente escreve a marchinha “Boas Festas”, que se torna a canção natalina mais conhecida no Brasil. A gravação cabe a Carlos Galhardo, com acompanhamento dos Diabos do Céu, orquestração e regência de Pixinguinha (1897-1973), no ano de 1933. Na temática das festas juninas, escreve a marcha “Cai, Cai, Balão”, igualmente famosa, interpretada por Francisco Alves e Aurora Miranda (1915-2005), nesse mesmo ano. Ainda nesse tema, compõe as marchas “Acorda, São João” (1934); “Olhando o Céu Todo Enfeitado” e “Mais Um Balão”, ambas em 1935.
Desde que conhece Carmen Miranda, Assis Valente encanta-se com sua voz. Ele escreve "Etc.", cuja letra exalta a Bahia. Com esse samba, ganha a amizade e a voz da cantora, que o grava em 1932. A partir daí suas composições passam a ser identificadas com o timbre dessa intérprete, que registra dezenas de suas músicas. Exemplo emblemático é o samba-choro “Camisa Listrada”, sucesso do Carnaval de 1937, que se ajusta ao estilo brejeiro e malicioso da cantora.
Os grupos musicais encontram, nas composições de Assis Valente, material de qualidade. Foi assim com O Bando da Lua, que obtém sucesso com as marchas “Cirandinha” (1936) e “Só Conheço Uma” (1937) e com os sambas “Maria Boa” (1936) e “Que É que Maria Tem” (1937). Em 1950, o compositor lança seu último sucesso, um amargurado samba-canção “Boneca de Pano”, gravado pelo grupo Quatro Ases e um Coringa. Com exceção desse samba e de outra letra mais melancólica, as composições de Assis Valente, expressam alegria, razão do samba "Alegria", um de seus grandes sucessos, gravado por Orlando Silva em 1937. O compositor afirma:
Alegria pra cantar a batucada
As morenas vão sambar
Quem samba tem alegria
Minha gente era triste, amargurada, inventou a batucada
Pra deixar de padecer
Salve o prazer, salve o prazer
Durante as décadas de 1950 e 1960, suas músicas são praticamente esquecidas. São redescobertas e regravadas nas décadas seguintes por artistas como Nara Leão ("Fez Bobagem", 1969), Maria Bethânia ("Camisa Listrada", 1969), Maria Alcina ("Maria Boa", 1973) e Chico Buarque que, junto a Nara e Bethânia, canta "Minha Embaixada Chegou", no filme Quando o Carnaval Chegar (1972), de Cacá Diegues (1940).
Na década de 1980, “Brasil Pandeiro” intitula um programa exibido na Rede Globo, apresentado pela atriz Beth Faria (1941). Em 1994, a música volta a ser popular, graças à campanha publicitária relacionada à Copa do Mundo.
Nos anos 1990, a regravação de “E o Mundo Não se Acabou”, pela cantora Adriana Calcanhoto (1965), e o musical O Samba Valente de Assis, apresentam o compositor ao público mais jovem.
Obras 2
Espetáculos 1
Fontes de pesquisa 4
- HISTÓRIA da Música Popular Brasileira. Grandes Compositores – Assis Valente. São Paulo, Abril Cultural, 1982.
- MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998. p. 801-803.
- SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (vol. 1: 1901-1957). São Paulo: Editora 34, 1997. (Coleção Ouvido Musical).
- VASCONCELOS, Ari. Panorama da música popular brasileira – Volume 2. Rio de Janeiro: Martins, 1965.
Como citar
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ASSIS Valente.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa12149/assis-valente. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7