Moreira da Silva
Texto
Biografia
Antônio Moreira da Silva (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1902 - idem 2000). Cantor e compositor. Autoapelidado como "Kid Morengueira", é considerado um dos criadores do samba de breque.¹ Filho mais velho de Bernardino de Sousa Paranhos, trombonista da Polícia Militar, e de dona Pauladina de Assis Moreira. Nasce na Tijuca, no Rio de Janeiro, e é criado no Morro do Salgueiro, onde se inicia no samba.
Com 9 anos, é matriculado na escola, mas abandona os estudos aos 11, após o falecimento do pai. Posteriormente, trabalha em fábricas e tecelagens, como chofer de praça e, finalmente,como motorista de ambulância, emprego que mantém até a aposentadoria.
Nos anos 1920, paralelamente ao trabalho, canta em festas e serenata, apresenta-se em bares e bailes da cidade e descobre sua vocação de sambista com os compositores Marçal, Bide, Baiaco e Ismael Silva do bairro do Estácio. Nessa época, frequenta o bairro da Lapa, região boêmia do Rio de Janeiro, transita por botequins, rodas de baralho, bordéis e convive com os malandros² Brancura, Manoel Carretilha, Waldemar da Babilônia e João Cobra.
Em 1931, grava seu primeiro disco, com as macumbas Ererê e Rei de Umbanda, ambas de Getúlio Marinho. No ano seguinte, grava mais duas obras de Marinho: os sambas Na Favela e Eu Sou É Bamba. No selo desse disco, seu nome aparece como Antônio Moreira "Mulatinho". O sucesso vem, porém, em 1932, com Arrasta a Sandália, de Aurélio Gomes e Osvaldo Vasques, o Baiaco. A partir daí passa a se apresentar em programas de rádio.
Por essa época, Moreira da Silva incorpora a figura do malandro, sempre de terno de linho, chapéu-panamá e sapato de duas cores. Lança, em 1934, o samba Confissão de Malandro, de Gilberto Martins, o primeiro que faz referência ao malandro e à malandragem. Em 1937, grava O Trabalho Me Deu o Bolo, samba dele e João Golô, um elogio à malandragem, pelo selo Columbia, e volta a gravá-la na Odeon, em 1939.
Faz sua primeira apresentação de samba de breque no Teatro Meyer, no Rio, em 1937, quando interrompe bruscamente o acompanhamento do samba Jogo Proibido, uma parceria sua com Tancredo Silva, José Gonçalves e David Silva. Nesse estilo, Moreira grava em 1940 o samba Acertei no Milhar, de Wilson Batista e Geraldo Pereira. Um ano antes, viaja para Portugal, se apresenta no Teatro Politeama e faz uma ponta no filme A Varanda dos Rouxinóis, de José Leitão de Barros. Nos anos 1940, grava uma série de sucessos como Amigo Urso, de Henrique Gonçalves, em 1941, e o samba Dormi no Molhado, em 1942, de sua autoria. Em 1955, lança seu primeiro LP, Moreira da Silva, o Tal, pela gravadora Santa Anita, que traz a composição Na Subida do Morro, lançado originalmente em 78 rotações, em 1952, música comprada de Geraldo Pereira, de coautoria de Moreira da Silva com Ribeiro Cunha, que fabrica seus chapéus. Grava o disco O Último Malandro, pela Odeon, em 1958.
Nos anos 1960, notabiliza-se por conta do super-herói fictício, o Kid Morengueira, cantando os sambas de breque O Rei do Gatilho, de Miguel Gustavo, Os Intocáveis, Morengueira contra 007 e O Último dos Moicanos, que dá título a seu LP de 1963.
Participa de um número musical no filme Sem Essa, Aranha (1970), de Rogério Sganzerla, em que faz o papel de Kid Morengueira, interpretando o samba Filmando na América.
Retorna aos palcos ao lado de Jards Macalé no Projeto Seis e Meia, no Teatro João Caetano, em 1976. No ano seguinte, inauguram o Projeto Pixinguinha e passam a fazer shows por todo o Brasil. A parceria dos dois rende o samba Tira os Óculos e Recolhe o Homem. Macalé homenageia Moreira da Silva no disco Macalé Canta Moreira, em 2001. Em 1995, Moreira grava seu último disco, com Bezerra da Silva e Dicró, Os 3 Malandros in Concert.
Análise
Moreira da Silva assimila à sua performance musical o modo de vida identificado como malandragem, que aprende em suas andanças pelo bas-fond do Mangue (região próxima à Praça Onze, reduto dos sambistas do Rio de Janeiro nos anos 1920 e 1930), onde conhece as manhas dos jogos de carta e bilhar bem como a ginga e o vocabulário característicos do malandro carioca. Seu nome, Moreira da Silva, é indissociável do estilo samba de breque, criado pelo cantor Luís Barbosa nos anos 1930. Barbosa, usando o chapéu de palha para marcar o ritmo do samba, se consagra como iniciador desse estilo, que enfatiza a síncopa do ritmo, além da incorporação de pausas ao longo da melodia, denominada breque. No entanto, cabe a Moreira da Silva o mérito de ter dado contornos definitivos ao estilo, além de se transformar em um dos seus mais conhecidos intérpretes. É ele quem cria o comentário falado, imediatamente depois do breque. Nesse espaço, executa uma impostação de voz e uma gestualidade própria, jogando com traços de humor e com a ginga, a manha, a fala e a astúcia do malandro. Por exemplo, na interpretação do Dormi no Molhado, samba do próprio Moreira da Silva, gravado em 1942, logo após os primeiros versos:
"Eu quando vejo um rapaz, da sua idade estendo a mão,
dele não tenho compaixão,
porque não me conformo ver um homem de talento não querer trabalhar (...)",
tem-se o breque e em seguida o comentário do sambista:
"Sempre no me dá, me dá".
A figura do malandro é vista com simpatia e cai no gosto popular. Herói e anti-herói, ele é bom de briga, não trabalha, veste-se bem e compõe sambas. Nascido nas rodas de capoeira na Bahia e no Rio de Janeiro, em fins do século XIX, aos poucos se aprimora. Terno branco, chapéu-panamá, sapato de duas cores, navalha na cinta, boa lábia e andar macio são suas marcas nos anos 1920 e 1930. Moreira da Silva, assim como outros sambistas, a exemplo de Wilson Batista, Geraldo Pereira e, mais recentemente, Bezerra da Silva e Dicró, cantam a epopeia desse personagem.
A gravação do samba Jogo Proibido, em 1937, além de um marco de sua interpretação do samba de breque é referência da forma como ele vai narrar a malandragem. No entanto, no ano em que esse samba é lançado, o malandro e a temática da vadiagem sofrem os reveses da intervenção do governo de Getúlio Vargas no campo da cultura popular, em especial, na música.
O Estado Novo (1937-1945), por meio do Departamento de Imprensa e Propaganda (DIP), implanta a censura e coopta alguns artistas em prol do regime. Trata-se de propor a apologia à pátria, ao trabalho e a Getúlio Vargas e, ao mesmo tempo, a conversão do malandro às virtudes do trabalho. As pressões do Estado Novo fazem, assim, o malandro mudar, ao menos na aparência. Já não se veste como nos anos 1930, elogia Getúlio, valoriza o trabalho, não reclama da condição socioeconômica e, por fim, idealiza a mulher que será sua companheira por toda a vida. Mas Moreira da Silva vai cantar o malandro num disfarce de regenerado, mostrando sua vocação crítica e satírica. A gravação do samba Acertei no Milhar, em 1940, é exemplar nesse sentido. A história do trabalhador que é contemplado pela sorte e ascende à classe burguesa serve como pretexto para o humor em forma de crítica social, tão bem explorado pela interpretação de Moreira da Silva e suas intervenções no breque. Outras, como Dormi no Molhado, exploram um sentido ambíguo sobre o valor do trabalho.
É como cantor de samba de breque que o intérprete Moreira da Silva se consagra, numa época em que as ondas do rádio são dominadas por vozes como a de Francisco Alves, Silvio Caldas, Mário Reis, Aracy de Almeida, Carmen Miranda. Sua interpretação inova no sentido de o cantor amplificar a narrativa poética do samba, como no caso de sua gravação de Na Subida do Morro, de 1952, e Amigo Urso, de 1942, de Henrique Gonçalez.
Um dos seus grandes sucessos da década de 1960 é o samba O Rei do Gatilho, de Miguel Gustavo, cuja letra fala de um caubói brasileiro. Além de suas intervenções no breque, o arranjo é pontuado por efeitos de sonoplastia. A gravação traz o sambista novamente para a rádio e o leva aos canais de televisão. Na mesma linha é a gravação de O Último dos Moicanos, também de Miguel Gustavo.
Em 1991, Moreira da Silva é escolhido pela Prefeitura do Rio de Janeiro para inaugurar com um show a reurbanização da Lapa, o velho reduto da malandragem, dos bares e cabarés, uma vez que o artista representa o verdadeiro espírito do bairro, apesar de seu vínculo ter sido sempre com o Mangue. Mais conhecido das novas gerações exatamente pela fase Kid Morengueira, Moreira da Silva é, sem dúvida, um sambista raro. Apesar de vestir-se de terno branco e chapéu-panamá, encarnando o estereótipo do malandro, ao mesmo tempo recusa ser chamado como tal. "Eu não sou malandro. Sou um trabalhador que já sofreu com alguns espertos, que levantaram uma grana em cima de mim", declara certa vez.
O disco Os 3 Malandros in Concert, de1995, gravado com Bezerra da Silva e Dicró, seguindo a linha da malandragem, tem como inspiração Os 3 Tenores in Concert, dos tenores Luciano Pavarotti, José Carreras e Plácido Domingo, por ocasião da Copa do Mundo da Itália, em 1990. Jogando com humor, o irreverente encontro tem a foto dos três malandros em trajes de gala, produzida para a capa do disco, nas escadarias do Teatro Municipal do Rio de Janeiro. De Moreira da Silva, contribuem para o disco Chave de Cadeia, parceria com Geraldo Gomes, Jogando com o Capeta, com Ribeiro Cunha, e Na Subida do Morro.
Apesar de ser conhecido como intérprete do samba de breque, Moreira da Silva usa a voz extensa em outros tipos de samba, como em Arrasta a Sandália e É Batucada, de Caninha e Visconde Bicoíba, e Implorar, de Kid Pepe, Germano Augusto e João da Silva Gaspar. No decorrer da carreira grava Noel Rosa (Conversa de Botequim), J. Cascata (Minha Palhoça), Pedro Caetano (Pedra que Rolou), Adelino Moreira (A Volta do Boêmio), Lupicínio Rodrigues (Cigano), Newton Teixeira (Adeus) e Ary Barroso (Na Baixa do Sapateiro).
Notas
1 A denominação breque vem da palavra inglesa break, que significa freio ou parada. O samba de breque é caracterizado por pequenas paradas repentinas na música, na qual o intérprete inclui algum comentário, geralmente em tom humorístico.
2 Malandro representa um tipo de personagem da noite carioca, que se caracteriza pelo modo peculiar de se vestir, falar e andar.
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 5
- AUGUSTO, Alexandre. Moreira da Silva - O último dos malandros. Rio de Janeiro, Record, 1996.
- COLEÇÃO História do Samba. São Paulo, Globo, 1998.
- MARCONDES, Marcos Antônio. (Ed.). Enciclopédia da Música Popular Brasileira: erudita, folclórica e popular. São Paulo: Art Editora,1977. 2 v.
- MATOS, Cláudia Neiva de. Acertei no milhar: malandragem e samba no tempo de Getúlio. Rio de Janeiro, Paz e Terra, 1982.
- SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (vol. 1: 1901-1957). São Paulo: Editora 34, 1997. (Coleção Ouvido Musical).
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
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MOREIRA da Silva.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa284922/moreira-da-silva. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7