Haroldo Lobo
Texto
Biografia
Haroldo Lobo (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 1910 - Rio de Janeiro, Rio de Janeiro 1965). Compositor. Seu pai, Quirino Lobo, flautista e violonista, influencia os filhos Osvaldo, compositor e baterista, e Haroldo, que se torna um dos mais importantes compositores do Carnaval carioca. Na Escola América Fabril aprende as primeiras lições de solfejo e teoria musical. Participa ativamente do Carnaval carioca desde pequeno, como folião, e, aos 13 anos, já compõe para o Bloco do Urso. Tem sua primeira composição, Metralhadora, em parceria com Donga (1890-1974) e Luis Meneses, samba que faz alusão à Revolução Constitucionalista de 1932, gravada por Aurora Miranda (1915-2005), em 1934. No ano seguinte Aurora e João Petra de Barros vão aos estúdios da Odeon para gravar um samba de Lobo em parceria com Vicente Paiva, De Madrugada. Entre 1937 e o ano de sua morte, 1965, as gravadoras registram mais de 400 canções de sua autoria, como as marchas Retrato do Velho, 1951 (com Marino Pinto), A-la-la-ô, 1941 [com Nássara (1910-1996) e arranjo de Pixinguinha (1897-1973)], Índio Quer Apito, 1960, com Milton de Oliveira (1916-1986).
Seu samba Juro, com Milton de Oliveira, é lançado com sucesso por J. B. Carvalho (1901-1979) e ganha um prêmio da Prefeitura do Rio de Janeiro, em 1937. Em 1939, funda o Bloco da Bicharada, com Humberto Matera, Floravante Garibaldi, Vadinho Lino, Bononi, Cabreira da Costa, entre outros. De acordo com jornalista Jota Efegê, o bloco é um "cortejo zoológico-carnavalesco" que firma tradição no bairro carioca da Gávea em que os foliões utilizam uma fantasia diferente para cada dia de festa. Tem como símbolo uma burrinha que, ao lado de muitos outros animais, é confeccionada em tamanho natural, tornando-se sua principal atração. Desde o Bloco do Urso, muitas de suas composições têm animais como temática, como O Passarinho do Relógio (1939), O Passo do Canguru (1940), ambas assinadas com Milton de Oliveira e gravadas por Aracy de Almeida (1914-1988). Esta última é lançada nos Estados Unidos com o título Brazilian Willy, por Carmen Miranda (1909-1955), em 1942. Por essa época, Lobo ganha o apelido de "Clarineta" por cantar em tom parecido com o instrumento.
Vassourinha (1923-1942) grava em 1941 o samba Emília, que Lobo compõe com Wilson Batista (1913-1968). Três anos mais tarde, a marcha Verão do Havaí, composta em parceria com Benedito Lacerda (1903-1958) e gravada por Francisco Alves (1898-1952) e Dalva de Oliveira (1917-1972), obtém o primeiro lugar no concurso de músicas para o Carnaval do então Distrito Federal. O mesmo prêmio é oferecido à marcha Espanhola, no ano seguinte, mas desta vez a parceria com Benedito Lacerda é lançada por Nelson Gonçalves. Além das destinadas ao Carnaval, Lobo cria inúmeras composições para serem cantadas nos festejos de meio de ano, como as marchas Festa no Arraiá, 1940 (com Milton de Oliveira) e O Sanfoneiro só Tocava Isso, 1950, em parceria com Geraldo Medeiros (1917-1978) e interpretação de Dircinha Batista (1922-1999), ou a valsa Baile na Roça, 1945 (com Milton de Oliveira), cantada por Linda Batista (1919-1988).
Análise da trajetória
Haroldo Lobo é, certamente, um dos compositores mais gravados da história da música popular brasileira. Ainda que seja um dos maiores vencedores de concursos carnavalescos, não é raro encontrar mais de uma composição sua fazendo sucesso no mesmo ano. No livro A Canção no Tempo, o crítico de música Zuza Homem de Mello afirma que no ano de 1940, por exemplo, quando a marcha Pele Vermelha (de Lobo com Milton de Oliveira) recebe o segundo lugar no concurso carnavalesco do Rio de Janeiro, Passarinho do Relógio também faz parte dos "outros sucessos" significativos daquele Carnaval. O mesmo ocorre em 1946, quando Lobo compõe dois sucessos: Espanhola e Vou Sambar em Madureira (com Milton de Oliveira). Lobo associa essa fecundidade ao fato de compor no calor do Carnaval os sucessos do ano seguinte. Segundo ele, dessa maneira a música é mais bem composta e com mais facilidade. Em 1941, compõe 12 músicas para as festas de Momo, incluindo A-la-la-ô. Essa marcha surge com o título Caravana, em 1940, para os desfiles do Bloco da Bicharada e, com a parceria de Nássara (na segunda parte da letra) e arranjo de Pixinguinha, transforma-se no maior sucesso do Carnaval do ano seguinte. A receita de Lobo é conhecida: "Os versos têm de ser simples. Tanto quanto possível devem explorar a repetição da palavra-chave e os sons onomatopaicos".1 Em O Passarinho do Relógio, por exemplo, as rimas repetitivas são enfatizadas pela melodia e, no último verso, no tom do pássaro mecânico dos relógios de pêndulo, os cantores entoam a onomatopeia "cuco", que vira subtítulo da música em algumas fichas técnicas de discos:
O passarinho do relógio está maluco
Ainda não é hora do batente
E ele fica impertinente
Acordando toda gente
Fazendo cuco, cuco, cuco
Outro ingrediente para o sucesso de Lobo nos carnavais das décadas de 1940 e 1950 é, certamente, a temática de suas canções, sempre muito próxima ao dia a dia da cidade e de seus habitantes. As mulheres que andam pela cidade e as manchetes de jornais são mote para suas composições, assim como o cotidiano de quem anda de transporte coletivo ou os últimos acontecimentos políticos, comentados até pelos mais simples. Surge, assim, Emília, 1942 (em parceria com Wilson Batista) e A Mulher do Leiteiro, 1941 (com Milton de Oliveira), que "passa, lava, cose / Controla e freguesia / E ainda lava garrafa vazia". Na marcha Oito em Pé, 1942 (com Milton de Oliveira), a intérprete Aracy de Almeida ordena:
Sobe seu José
Sobe seu José
Sobe, sobe, sobe
Que ainda cabem oito em pé
em uma alusão à autorização do poder público para que oito pessoas viajem em pé nos coletivos durante o racionamento de gasolina. O mesmo ocorre na marcha Tem Galinha no Bonde, 1942 (com Milton de Oliveira), composta quando da proibição do transporte de animais nos bondes:
Para, para, desce, desce
Salta, tem que saltar
Galinha e outros bichos não podem viajar.
A volta do presidente Getúlio Vargas ao poder, em 1950, e sua ideologia trabalhista não passam despercebidas aos olhos e ouvidos de Lobo. Na marcha Retrato do Velho, em parceria com Marino Pinto, faz uma alusão à prática inaugurada por Vargas, ainda em seu primeiro governo, de colocar a imagem do presidente nas repartições públicas:
Bota o retrato do velho outra vez
Bota no mesmo lugar
O retrato do velhinho faz a gente trabalhar.
Em meados da década de 1940 a música carnavalesca começa a entrar em declínio. O rádio vive sua época áurea, com programas de auditórios lançando estrelas como Cauby Peixoto (1931-2016) e Emilinha Borba (1923-2005). O registro em hi-fi das músicas em disco, com a utilização de vários canais, dá mais qualidade ao resultado da gravação e a música estrangeira entra em número muito maior do que nos primeiros 30 anos do século XX. A influência de gêneros internacionais, especialmente o bolero, dá mais visibilidade a uma nova versão do samba - o samba-canção ou "samba de fossa" -, cujos ícones são o compositor Antônio Maria e sua principal intérprete, Nora Ney (1922-2003). Além disso, a música nordestina ganha amplos espaços nas emissoras de rádio e nas empresas fonográficas, que lançam inúmeras gravações de Luiz Gonzaga (1912-1989) e Humberto Teixeira (1915-1979). Poucos são os compositores de música de Carnaval que permanecem na ativa. Lobo é um deles e segue compondo marchas e sambas.
Além dos sucessos carnavalescos, as músicas de meio de ano fazem parte do repertório de Lobo. O cantor Patrício Teixeira acentua o sotaque interiorano em Festa no Arraiá, 1940 (com Milton de Oliveira) quando convida sinhá para dançar o balancê; e Lauro Borges lança em 78 rpm a canção Viva a Fia do Seu Coroné, 1941. Essas gravações, realizadas nos meses de maio ou junho, compõem uma parcela menor do repertório de Haroldo Lobo. Mas elas revelam a versatilidade e o dinamismo de sua produção musical como compositor. Sua última criação, o samba Tristeza, 1965, parceria com Miltinho (1928-2014), interpretada por Jair Rodrigues (1939-2014), é sucesso no Carnaval de 1966, e tem várias regravações, sendo incorporada ao repertório dos bossa-novistas, com interpretação do Zimbo Trio, Tamba Trio Jongo Trio, Bossa Três, Milton Banana (1935-1999), Salvador Trio, Baden Powell (1937-2000), Sebastião Tapajós (1943), Toquinho (1946) e Vinicius de Moraes (1913-1980).
Nota
1 WEBER, Eduardo. Haroldo Lobo, 100 anos. Disponível em: http://www.culturabrasil.com.br/programas/78rpm/arquivo/haroldo-lobo-100-anos-3. Acesso em: 27 mar. 2012.
Fontes de pesquisa 5
- EFEGÊ, J. Figuras e coisas do carnaval carioca. Rio de Janeiro:MEC/Funarte, vol. I, 1978. p. 61
- INSTITUTO MOREIRA SALLES. http://ims.uol.com.br/, acesso em 29.04.2011.
- RÁDIO CULTURA. Programa Haroldo Lobo, 100 anos. Disponível em http://www.culturabrasil.com.br/programas/78rpm/arquivo/haroldo-lobo-100-anos-3, acesso em 29.04.2011.
- SEVERIANO, Jairo; MELLO, Zuza Homem de. A canção no tempo: 85 anos de músicas brasileiras (vol. 1: 1901-1957). São Paulo: Editora 34, 1997. (Coleção Ouvido Musical).
- SOUZA, Tárik (et. alii). Brasil Musical. Rio de Janeiro: Art Bureau Representações e Edições de Arte, 1988.
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HAROLDO Lobo.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa637074/haroldo-lobo. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7