Thereza Simões
Texto
Maria Thereza Simões Correia Jabor (Rio de Janeiro, 1941). Pintora, desenhista, designer e escultora. É uma das poucas artistas mulheres a trabalhar diretamente com a produção de arte de guerrilha ditatorial1 e a incluir o neon como matéria-prima em peças de design e experimentações conceituais.
Frequenta como ouvinte o curso de gravura de Iberê Camargo (1914-1994), no Instituto Municipal de Belas Artes do Rio de Janeiro, Escola de Artes Visuais do Parque Lage (EAV-Parque Lage), entre 1964 e 1965. Passa a circular profissionalmente nos meios da criação visual e a consolidar uma carreira como jovem artista na vanguarda da nova figuração e nas primeiras ações conceitualistas no Rio de Janeiro.
Trabalha como designer gráfica na agência EPLuna Publicidade com o artista plástico Roberto Magalhães (1940) e o publicitário Aroldo Araújo, um dos patrocinadores do Salão da Bússola, do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-Rio) em 1969. Entre os variados trabalhos de artes gráficas realizados pela artista na agência publicitária e em contratos independentes destaca-se a produção de cartazes para filmes icônicos do cinema novo brasileiro, como a película O Anjo Nasceu (1969), do cineasta Júlio Bressane (1946). O cartaz em preto e branco mostra uma criança nua, com asas postiças de anjo e cabelo loiro e liso, posicionada ao centro, de costas para o observador e de frente para um muro caiado, segurando uma arma de fogo. O contraste doce e inocente da figura infantil com a arma em punho traz o tom de ambivalência do filme, em que crueldade e docilidade oscilam na narrativa fragmentada. Thereza Simões realiza também peças publicitárias com predomínio fotográfico e economia de elementos compositivos para os cineastas Glauber Rocha (1939-1981) e Arnaldo Jabor (1940).
Produz a série Faixas de Memória (1968), título dado pelo crítico de arte Frederico Morais (1936) a um conjunto heterogêneo de dez pinturas em vocabulário heráldico pop, em que a artista utiliza sobreposições chapadas de cor de imagens de acervo pessoal, como fotos antigas de sua família, com fotografias jornalísticas e de propaganda de cenas de violência contemporânea e panorâmicas topográficas. Essas composições de grande proporção articulam uma narrativa crítica de constituição da memória coletiva da nação com as rememorações privadas das famílias de classe média. A série tem bastante recepção pela crítica da época e participa de importantes exposições, como a 2ª Bienal da Bahia, em 1968, em que algumas das telas são apreendidas pela polícia militar e desaparecem.
Em concomitância a essa produção pictórica da nova figuração, desenvolve também experimentações de vertente conceitualista, como as peças integrantes do Salão da Bússola (1969), exposição que integra a convite de Frederico Morais. Nas lápides de acrílico, metal e madeira com inscrições geográficas em tupi e relevos topográficos nacionais, a artista elabora uma crítica aos processos de colonização nacional e apagamento da cultura indígena na sociedade brasileira. Nessa mesma linha conceitualista, há trabalhos com carimbos, um dos quais integra a exposição Objeto e Participação (1970), organizada por Frederico Morais em Belo Horizonte, que também é censurada pelo regime civil-militar. Nessa mostra, a artista carimba paredes, vidraças e papéis com palavras de ordem política em inglês e alemão, criticando o estado de medo coletivo da ditadura.
Simões integra a coletiva Agnus Dei (1970) na Petite Galerie, no Rio de Janeiro, mostra organizada também por Frederico Morais. A artista é responsável pelo cartaz de divulgação da exposição, e também apresenta telas brancas que ficam expostas às intempéries e fluxos de corpos em lugares povoados e de largo trânsito, como a estação Central do Brasil, e que, surpreendentemente, permanecem brancas até o momento da exposição, quando recebem inscrições políticas da artista e alguns carimbos.
Com as perseguições políticas e o clima de medo, em 1971 muda-se para Nova York, e, ao fim da estadia de seu trabalho, concedida a jovens artistas, retorna com sua família definitivamente ao Rio de Janeiro em 1981.
Na década de 1970, trabalha tanto com esculturas em mármore próximas a relevos topográficos e formações orgânicas massivas como com experimentações em neon, pautada por uma investigação da paisagem que se materializa e decodifica como veridicção do mundo. A paisagem, nesse momento da produção da artista, adquire um protagonismo como local de exercício político e de narração da memória histórica.
Retorna à pintura como meio de trabalho, dessa vez com uma pincelada mais expressionista do que sua produção juvenil, ligada ao vocabulário pop. Com base em fotografias pessoais, constrói narrativas subjetivas e fabulações de seu cotidiano eremita, em que a memória afetiva e sua admiração por culturas originárias adquirem protagonismo e se sobrepõem.
Theresa Simões é uma das artistas mulheres representativas dos estratagemas da arte de guerrilha do período ditatorial e uma das pioneiras em experimentações conceitualistas na cena artística brasileira.
Nota:
1. O termo arte de guerrilha é cunhado pelo crítico de arte Frederico Morais por ocasião da mostra Salão da Bússola, em 1969, no ensaio “O Corpo É o Motor da Obra”, em que analisa a produção conceitualista de jovens artistas que buscavam protocolos de crítica ao regime militar por meio de procedimentos “enviesados” na arte de cunho conceitual, na contramão de um vocabulário político mais explícito, e portanto, mais à mercê dos censores da ditadura.
Exposições 21
Fontes de pesquisa 9
- 150 anos de pintura no Brasil: 1820-1970. Rio de Janeiro: Colorama, 1989.
- AYALA, Walmir. Dicionário de pintores brasileiros. Organização André Seffrin. 2. ed. rev. e ampl. Curitiba: Ed. UFPR, 1997.
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- COLEÇÃO Gilberto Chateaubriand anos 60/70. Tradução Richards Speyer. São Paulo: Galeria de Arte do Sesi, 1992.
- LAMARE, Germana. Thereza de telas brancas: a arte em estado de graça. Jornal Correio da Manhã, Rio de Janeiro, p. 17, 26 jun. 1970.
- RANGEL, Maria Lúcia. As esculturas iluminadas de Thereza Simões. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 16 nov. 1977. Caderno B, p. 2.
- TRIZOLI, Talita. Atravessamentos Feministas: um panorama de mulheres artistas no Brasil dos anos 60/70. 2018. 434 f. Tese (Doutorado em Filosofia da Educação) - Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2018. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/48/48134/tde-03122018-121223/publico/TALITA_TRIZOLI_rev.pdf. Acesso em: 25 set. 2020.
- TRIZOLI, Talita. Brazilian Art Guerrilla: expansion of poetic fields during the Brazilian military dictatorship in Anna Victoria Mussi and Theresa Simões. N.Paradoxa, v. 35, p. 3, 2015.
- TRIZOLI, Talita. Leituras feministas da Arte de Guerrilha: Anna Vitória Mussi, Theresa Simões, Sonia Andrade e Anna Maria Maiolino. Anais do XXXVI Colóquio do Comitê Brasileiro de História da Arte, 2016, Campinas. Arte em Ação. Campinas: CBHA, 2017. v. 1. p. 571-579.
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THEREZA Simões.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa21419/thereza-simoes. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
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