Julio Bressane
Texto
Júlio Eduardo Bressane de Azevedo (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1946). Cineasta e escritor. Em seus filmes, de estrutura poética e ensaística, usa com frequência a omissão narrativa no lugar de tramas claras, recorrendo a trocadilhos e citações e à música como elemento fundamental. É um dos nomes do chamado Cinema Marginal, tendência dos anos 1960 e 1970, marcada pela independência criativa e pelo baixo orçamento1.
Inicia carreira em 1965 como assistente de direção de Walter Lima Jr. (1938) no longa-metragem Menino de Engenho. Estreia como diretor no ano seguinte com os curtas-metragens documentais Lima Barreto – Trajetória e Bethânia Bem de Perto. Em 1967, dirige o primeiro longa-metragem, a ficção Cara a Cara, obra bastante influenciada pelo Cinema Novo, em especial pelos filmes de Glauber Rocha (1939-1981), referência presente no gesto desvairado do protagonista ao final. Na trama, um funcionário público que reside com a mãe idosa no subúrbio torna-se obsessivo por uma jovem da zona sul carioca, a ponto de chegar à violência.
Em 1969, funda com Rogério Sganzerla (1946-2004) a produtora Belair. O modelo de realizações de baixo custo permite lançar no mesmo ano O Anjo Nasceu e Matou a Família e Foi ao Cinema, retirado das salas pela censura, que engaveta o filme. O drama de violência familiar sem razão clara, com sequência de tortura e assassinatos, atrai o público e o olhar do regime militar. Filho de general, Bressane depõe e é ameaçado de prisão, acusado de manter ligações como o militante político Carlos Marighella (1911-1969). Decide exilar-se em Londres na companhia de Sganzerla e da atriz Helena Ignez (1939). Ali realiza Memórias de um Estrangulador de Loiras (1971), sobre um assassino em série, dessa vez com o deboche marcante de sua obra.
De volta ao Brasil no final de 1972, busca recriar a proposta da Belair de um cinema rudimentar na produção, mas criativo no conceito. Nas realizações que se seguem, cabe o interesse pela chanchada e pelos mitos de viagem, incorporando as experiências registradas pelo diretor em países do Oriente e no México. Com O Gigante da América (1980), faz a primeira parceria com a Empresa Brasileira de Filmes (Embrafilme)2. Não há trama nesse filme, mas uma sequência de quadros nos quais se vê o protagonista em um hospício ou transatlântico, por exemplo. Ao dispor de orçamento maior, o diretor fortalece elementos que lhe são caros, como a luz. Cita com frequência uma apreciação do cineasta francês Abel Gance (1889-1981) para valorizá-la: “Cinema é a música da luz”.
As referências contidas na frase sintetizam o período inaugurado por Tabu (1982). Trata-se de obra sem narrativa definida, que aposta na reunião ficcional entre os músicos Lamartine Babo (1904-1963) e Mário Reis (1907-1981) com o escritor Oswald de Andrade (1890-1954), intermediada pelo cronista João do Rio (1881-1921). O quarteto interage enquanto caminha sem destino pelas ruas do Rio de Janeiro. À música sempre presente, somam-se musas e ninfas, com erotismo e sensualidade que passam a marcar a produção do diretor.
Esses aspectos são somados ao apreço pela literatura, por meio de outras criações. Brás Cubas (1985) é definidor disso ao adaptar o clássico de Machado de Assis (1839-1908), ressaltando a verve irônica e o jogo de palavras tão fundamentais ao diretor. O interesse por captar um Brasil atrasado, antiquado, tem eco na história do protagonista que, morto, revisa sua vida para concluir uma existência quase nula.
Busca no movimento concreto3 a inspiração para renovar a obra do padre português Antônio Vieira (1608-1697) em Sermões (1989), com colaboração do poeta e tradutor Haroldo de Campos (1929-2003), um dos fundadores da tendência.
Em 1996, publica o livro de ensaios Alguns, no qual discute seu cinema e os interesses prediletos. Em 2005, com o livro Fotodrama, analisa o cinema alheio, como Limite (1931), de Mário Peixoto (1908-1992), e a obra do casal francês Jean-Marie Straub (1933) e Danièle Huillet (1936-2006). Essa ampla referência ensaística se reflete em Filme de Amor (2003), no qual a encenação é trabalhada a partir de pinturas clássicas e do mito das três graças, mas com um homem no lugar de uma delas. O trio, então, se encontra em apartamento do subúrbio para beber, conversar e buscar o prazer, com intenção de esquecer o mundo lá fora. Com A Erva do Rato (2008) recupera certo tom escatológico explorado à época do cinema marginal. A história se desenrola em um ambiente soturno, onde um casal levado a conviver na mesma casa por um acontecimento trivial tem em comum uma fantasia sobre a morte. Enquanto ela escapou de um assassinato, o rapaz demonstra uma personalidade patológica, evidenciada pelo ataque cruel a um rato.
Em Educação Sentimental (2013), volta-se à fase feminina e, a partir de mito grego, explora a trama de uma mulher mais velha que acolhe um adolescente como seu ouvinte e pupilo. Sedução da Carne (2018), originado de um sonho do cineasta, é mais econômico: uma jovem viúva tem longas conversas com um papagaio enquanto é observada por grandes porções de carne.
Ao trabalhar com contextos diversos, por meio de motivações autorais, Júlio Bressane cria uma obra vasta, que se torna uma das mais notáveis e coerentes do cinema nacional.
Notas
1. O Cinema Marginal é um movimento inovador da linguagem cinematográfica, afinado – e ao mesmo tempo contrário em diversos aspectos – com o Cinema Novo, com o qual coexiste nos anos de 1960 e 1970. Diferentemente da preocupação realista e da crítica social deste, pauta-se por um tom descontraído, voltado à paródia e ao sentido carnavalesco da cultura brasileira.
2. Empresa estatal de apoio à produção e distribuição existente entre 1969 e 1990
3. Tendência a partir da metade dos anos 1950, o concretismo propõe na literatura o fim dos versos e da sintaxe tradicional.
Obras 3
Espetáculos 1
Exposições 2
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6/8/1996 - 7/9/1996
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7/10/2006 - 17/12/2006
Fontes de pesquisa 7
- BERNARDET, Jean Claude. Cinema Marginal? Folha de S.Paulo, São Paulo, 10 jun. 2001. Caderno Mais! Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/fsp/mais/fs1006200107.htm. Acesso em: 27 dez. 2019
- BERNARDET, Jean Claude. O vôo dos anjos: Bressane, Sganzerla. São Paulo: Brasiliense, 1991.
- BIENAL INTERNACIONAL DE SÃO PAULO, 27., 2006, São Paulo, SP. 27a. Bienal de São Paulo: guia. Curadoria Lisette Lagnado; versão em inglês Alberto Dwek, Alison Entrekin, Christopher Ainsbury, Luiz Roberto Mendes Gonçalves, Regina Alfarano; tradução Ann Robertson, Robert Culverhouse, Carlos Eugênio Marcondes de Moura, Michael Sleiman, Odile Cisneros, Susana Vidigal. São Paulo: Fundação Bienal de São Paulo, 2006. 700 BI588sp 27/2006 guia
- BRESSANE, Júlio. Alguns. Rio de Janeiro: Imago, 1996.
- BRESSANE, Júlio. Fotodrama. Rio de Janeiro: Imago, 2005.
- CINEMATECA Brasileira - Filmografia: base de dados. Disponível em: http://bases.cinemateca.gov.br/cgi-bin/wxis.exe/iah/?IsisScript=iah/iah.xis&base=FILMOGRAFIA&lang=p. Acesso em: 27 dez. 2019
- RAMOS, Fernão Pessoa; MIRANDA, Luiz Felipe (Orgs). Enciclopédia do cinema brasileiro. São Paulo: Senac, 2000.
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JULIO Bressane.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa397271/julio-bressane. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7