Machado de Assis

Machado de Assis, s.d.
Texto
Joaquim Maria Machado de Assis (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1839 - idem, 1908). Contista, romancista, cronista, poeta, dramaturgo, crítico literário. Responsável pela criação de uma prosa realista tipicamente brasileira, o escritor deixa como legado obras em diferentes gêneros que colaboram com a análise de como nossa sociedade se constitui a partir de suas relações sociais, familiares, étnicas e de gênero.
Filho do pintor de casas Francisco José Machado de Assis, brasileiro e filho de negros escravizados alforriados, e da açoriana Maria Leopoldina Machado de Assis, agregados da família de Maria José de Mendonça Barroso Pereira, dona de vasta propriedade no morro do Livramento e madrinha do escritor.
Em 1856, emprega-se na Tipografia da Imprensa Nacional, onde permanece por dois anos. Com o padre Antônio José da Silveira Sarmento, aprende francês e latim e, em 1858, torna-se revisor e colaborador do jornal A Marmota1. A partir de então, colabora ininterruptamente com os principais jornais e revistas cariocas, publicando contos, crônicas e críticas.
Estreia como dramaturgo em 1861, com a publicação da comédia Desencanto e da sátira Queda que as Mulheres Têm para os Tolos, e três anos depois como poeta com Crisálidas. Em 1867, recebe a Ordem da Rosa, no grau de cavaleiro2, e, nomeado ajudante do diretor do Diário Oficial, inicia sua carreira burocrática, alcançando altos cargos e encerrando-a como diretor-geral de Contabilidade do Ministério da Viação.
A obra de Machado de Assis é tradicionalmente dividida em duas fases, justificadas pelas características que acompanham sua produção, sendo o romance Memórias Póstumas de Brás Cubas (1881) o marco divisor de sua trajetória. A primeira fase (denominada de romântica) mostra-se ainda presa às características mais gerais do século XIX, como a maior preocupação com a trama e a continuidade, o desenrolar do drama representado, embora se alegue que já exista preocupação com o perfil das personagens, como na obra Contos Fluminenses (1870) e em Ressurreição (1872), sua estreia no romance.
A partir de 1881, com a publicação do romance Memórias Póstumas de Brás Cubas, transforma significativamente sua produção literária, iniciando a segunda fase de sua produção e inaugurando no Brasil uma prosa realista não mais subordinada exclusivamente aos modelos franceses, mas em diálogo com outras vertentes e tradições, como a ficção de língua inglesa, a exemplo do escritor irlandês Laurence Sterne (1713-1768). Além disso, se particulariza pelo fato de os romances serem construídos em torno da análise dos personagens, buscando uma visão mais profunda de sua realidade interior e de sua moral. Assim, o enfoque passaria do plano das relações humanas e sociais a um outro, mais elevado, da investigação do destino, chegando, por fim, ao do reconhecimento de nossa condição solitária, conforme definição de críticos como Antonio Candido (1918-2017). Outras características marcantes nessa segunda fase são a ironia e o humor desencantado; as digressões constantes; as citações filosóficas e literárias; a linguagem clara, concisa e elíptica; e a visão pessimista da humanidade.
O crítico Roberto Schwarz (1938), busca precisar a especificidade da obra machadiana através de uma análise que mantém em tensão a forma literária e o processo social. A fundamentação histórico-social que orienta sua abordagem é delineada no primeiro de seus estudos sobre o autor, Ao Vencedor as Batatas (1977), dedicado à primeira fase da ficção machadiana. No capítulo de abertura, “As ideias fora do Lugar”, Schwarz examina a “vida ideológica” brasileira da segunda metade do XIX, que se organiza em torno da prática do favor, baseada nas relações dos homens livres pobres com a classe dominante. Ele considera a ideologia e prática do favor (paternalismo, clientelismo) o disfarce da violência, existente na relação do latifúndio sobre o escravizado.
É assim que nos primeiros romances machadianos, Schwarz examina como problemática central a racionalização do paternalismo e a ideologia do favor pelo ângulo do favorecido ou do dependente, como em seus trabalhos Helena (1876) e Iaiá Garcia (1878). Chegando a Memórias Póstumas de Brás Cubas, promove-se uma reviravolta. Primeiramente, a adoção de uma perspectiva extremamente crítica em relação ao paternalismo posto em confronto com a ideologia liberal. Processa-se, também, uma mudança significativa do foco de análise: ao invés da perspectiva do dependente, adota a perspectiva do senhor, justamente para desqualificá-la. Por isso, diz Schwarz que livros como Memórias Póstumas e D. Casmurro (1900) são escritos contra seu pseudo-autor ou narrador, ambos representantes das elites locais, visando seu desmascaramento. Além disso, Machado mostra o pleno domínio do estilo, tom e técnicas narrativas adequados para explorar as contradições entre a realidade local e as ideologias importadas.
A mesma divisão em fases instituída nos romances ocorre em seus contos, com Papéis avulsos (1882) sendo o marco da virada. De acordo com o crítico Alfredo Bosi (1936-2021), em “A máscara e a fenda”, livros como Contos fluminenses e Histórias da Meia-noite, ambos de 1869 e correspondentes à primeira fase, trazem histórias de personagens cuja principal angústia, mais ou menos evidente, diz respeito à carência de patrimônio e status, a qual buscam suplantar seja através de heranças, seja através de um matrimônio. O que os particulariza, entretanto, em relação aos contos da segunda fase, é justamente o pouco grau de consciência do narrador em relação à ambigüidade de sentimentos e intenções que motivam os pretendentes. Na transição para a segunda fase, com Papéis avulsos cresce a suspeita de que o engano é necessidade, de que a aparência funciona universalmente como essência, não só na vida pública, mas no segredo da alma. A narrativa machadiana assume uma perspectiva mais distanciada e, ao mesmo tempo, mais problemática, mais amante do contraste. O tom empregado não é o sarcasmo aberto do satírico, nem a indignação ou a ira do moralista, mas o humor de quem observa a força de uma necessidade objetiva que prende a alma leviana das pessoas à rigidez das instituições e convenções.
Por outro lado, a ideia difundida das fases na obra de Machado tem recebido novos olhares e parte da historiografia de sua trajetória defende que não é possível dividi-la, já que os elementos presentes no que é considerado sua segunda fase, já se apresentam nos trabalhos iniciais, sendo apenas aprimorados ou gahando mairo protagonismo ao longo de sua longeva atuação.
Além de sua trajetória como escritor, atua também na institucionalização da literatura, sendo o idealizador da Academia Brasileira de Letras (ABL), participando de todas as decisões até sua fundação em 1897, assumindo o cargo de primeiro presidente.
Machado de Assis deixa para a literatura brasileira um legado de ficções permeadas de análise social e psicológica, não apenas da sociedade de sua época, mas sobre costumes e hábitos que permeiam as relações ligadas aos papéis atribuídos a diferentes sujeitos sociais ao longo de nossa história.
Notas
1. Editado de 1849 à 1861, o jornal sob a mesma linha editorial, teve ao longo de sua existência três nomes: Marmota da Corte (1849-1852); Marmota Fluminense (1852-1857) e A Marmota (1857- 1861 e 1864). No último período há a colaboração do escritor.
2. Ordem honorífica brasileira, criada por D. Pedro I (1798-1834) em ocasião de seu casamento com Dona Amélia (1812-1873) com o objetivo de perpetuar a memória sobre o matrimônio, premia militares e civis em diferentes graus (no caso de Machado de assis, como cavaleiro) e torna-se uma das mais importantes e cobiçadas honrarias do período.
Obras 30
Espetáculos 41
Exposições 5
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16/6/2009 - 17/5/2008
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15/7/2009 - 1/3/2008
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15/7/2008 - 23/11/2008
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25/5/2017 - 13/8/2017
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18/11/2024 - 4/2/2023
Links relacionados 3
Fontes de pesquisa 10
- ANUÁRIO de teatro 1994. São Paulo: Centro Cultural São Paulo, 1996. R792.0981 A636t 1994
- BOSI, Alfredo. Machado de Assis: o enigma do olhar. São Paulo: Martins Fontes, 2007.
- CORRÊA, Lorena P.N.R.M.S. Imperial Ordem da Rosa: uma história de amor e fidelidade. Jus. maio 2019. Artigos. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/73823/imperial-ordem-da-rosa-uma-historia-de-amor-e-fidelidade. Acesso em: 11 mar. 2022.
- HILÁRIO, Márcio Vinícius do Rosário. A desconstrução do romanesco nos primeiros romances de Machado de Assis. Rio de Janeiro: UFRJ, Faculdade de Letras, 2012. Tese de Doutorado em Literatura Brasileira.
- MERQUIOR, José Guilherme. Machado de Assis e a prosa impressionista. In: ______. De Anchieta a Euclides: breve história da literatura brasileira. Rio de Janeiro: J.Olympio, 1979.
- MERQUIOR, José Guilherme. O Romance Carnavalesco de Machado. In: ASSIS, Machado de. Memórias Póstumas de Brás Cubas. São Paulo: Ática, 1997.
- REGO, Enylton de Sá. O Calundu e a panacéia. São Paulo: Forense Universitária, 1989.
- SCHWARZ, Roberto. Ao vencedor as batatas: forma literária e processo social nos inícios do romence brasileiro. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2001.
- SCHWARZ, Roberto. Um mestre na periferia do capitalismo: Machado de Assis. São Paulo: Duas Cidades; Editora 34, 2001.
- SIMIONATO, Juliana Siani. A Marmota e seu Perfil Editorial: Contribuição para edição e estudo dos textos machadianos publicados nesse periódico (1855-1861). 2009. 301f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Comunicação) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009. Disponível em: https://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/27/27152/tde-02022010-175327/publico/Simionato.pdf. Acesso em: 4 mar. 2022.
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MACHADO de Assis.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa2815/machado-de-assis. Acesso em: 02 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7