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Enciclopédia Itaú Cultural
Literatura

Contos fluminenses

Por Editores da Enciclopédia Itaú Cultural
Última atualização: 31.10.2023
1870
Coleção Brasiliana Itaú / Reprodução Fotográfica Horst Merkel

Contos fluminenses, 1870
Machado de Assis

Contos fluminenses (1870) é o primeiro livro de contos de Machado de Assis (1839-1908) e o primeiro de gênero narrativo da carreira do escritor. Publicadas primeiramente em folhetim, as narrativas tratam de hábitos sociais e relações afetivas das elites na corte do Segundo Reinado, com tom moralizante. O livro introduz temas e técnicas que perpa...

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Contos fluminenses (1870) é o primeiro livro de contos de Machado de Assis (1839-1908) e o primeiro de gênero narrativo da carreira do escritor. Publicadas primeiramente em folhetim, as narrativas tratam de hábitos sociais e relações afetivas das elites na corte do Segundo Reinado, com tom moralizante. O livro introduz temas e técnicas que perpassam toda a carreira literária do autor. Como obra da primeira fase de Machado, contém traços do romantismo literário.

As sete histórias do livro são reedições de contos publicados entre 1865 e 1869 no Jornal das Famílias. As narrativas abordam o cotidiano da burguesia fluminense, tendo como principais temas o casamento, o patrimonialismo, o dinheiro, a morte e o amor. Elementos recorrentes em outras obras do autor são observados já neste primeiro livro, entre eles a psicologia feminina, a relação conturbada dos personagens com suas heranças, a confluência entre variados gêneros textuais e o diálogo com o leitor.

Em “Miss Dollar”, único conto do livro não publicado no Jornal das Famílias, o narrador introduz a protagonista por meio de interlocução com o público. Nas suas palavras, cada leitor pode ter uma imagem particular de Miss Dollar antes de conhecê-la, a depender da sua personalidade e ponto de vista. Porém, nenhuma das suposições corresponde à verdadeira Miss Dollar do conto. Em “O segredo de Augusta” e “Luís Soares”, o narrador apresenta figuras aflitas pela proximidade da falência. No primeiro, o personagem Vasconcelos planeja casar a filha com seu amigo Gomes, tendo em vista receber o dote matrimonial e se precaver da miséria. No segundo, Luís Soares esgota sua herança em prazeres fugazes e decide pedir ajuda ao tio, cujo nepotismo garante um cargo público ao sobrinho.

O conto “Frei Simão” narra a história de um frade beneditino cujo diário, lido após a sua morte, revela os desapontamentos amorosos da juventude que o levam à vida religiosa. O conto “Linha reta e linha curva” é uma adaptação da peça inédita As forças caudinas, descoberta em 1953 por Eugênio Gomes (1897-1972) e publicada postumamente. Estes dois últimos contos denotam a integração entre diferentes gêneros textuais na escrita machadiana. Em “Frei Simão”, há a predominância do estilo memorialista, escrito em primeira pessoa, enquanto em “Linha reta e linha curva” prevalece o estilo teatral, com abundância de diálogos e descrição de cenários.

O conto “Confissões de uma viúva moça”, publicado em 1865, torna-se pauta de debates e exemplifica como o público contemporâneo reage à escrita machadiana. A narrativa reproduz cartas (ficcionais) de Eugênia, viúva que confessa à amiga o interesse por Evaristo, rapaz de índole contestável. As cartas de Eugênia remetem à fórmula literária do “conto moral”, gênero narrativo que mobiliza expectativas no leitor pela identificação com os personagens e contém um desfecho surpreendente com finalidade moralizante e educativa. Após a leitura, um leitor sob o pseudônimo de O Caturra escreve artigo no Correio Mercantil, no qual critica a imoralidade da narrativa. Sua indignação se justifica devido ao perfil conservador do Jornal das Famílias, que visa edificar os valores da sociedade brasileira, e ao seu público-alvo, majoritariamente feminino. Machado de Assis responde às considerações, sob pseudônimo.

Tanto o Jornal das Famílias, quanto o livro de Machado são financiados pelo francês Baptiste-Louis Garnier (1823-1893), editor expatriado no Rio de Janeiro. Entre as publicações no jornal e a edição do livro Contos fluminenses, observam-se alterações textuais, de curadoria do próprio Machado. Com tais mudanças, o escritor pretende renovar sua identidade literária, diferenciando o estilo folhetinesco padronizado daquele que tenciona estabelecer como seu próprio: provocativo, irônico e pautado pelo engajamento ativo do leitor frente à obra.

Apesar das alterações observadas, a influência editorial de Garnier é marcante na escrita incipiente do autor. As narrativas reproduzem o tom da cultura literária de sua época e o gosto do público feminino. Muitos desses traços divergem da produção machadiana posterior. A exemplo disso, nota-se ausência de crítica social no primeiro livro, sobretudo referente à escravidão, tema central em Memórias póstumas de Brás Cubas (1881). Também diferem dos demais livros do escritor o sentimentalismo exacerbado e a idealização da conduta humana. Devido a tais características peculiares, José Veríssimo (1857-1916) classifica Contos fluminenses dentro da fase romântica de Machado.

A historiografia enxerga o Jornal das Famílias como veículo de iniciação literária do jovem autor. Temas recorrentes na fase madura machadiana aparecem primeiramente nos Contos fluminenses, entre eles, o ciúme. As suposições de Mendonça em relação ao comportamento de Margarida em “Miss Dollar” remontam aos questionamentos de Félix, no romance Ressurreição (1872), e de Bento Santiago, em Dom Casmurro (1899). A profundidade psicológica das personagens femininas dos contos, descritas como misteriosas e dissimuladas, também é comum na obra ficcional de Machado e está presente no primeiro livro. A exemplo de Capitu, Emília, de “Linha reta e linha curva”, possui temperamento assertivo e provocador. Com aval da amiga Adelaide, ela planeja uma troça para partir o coração de Tito.

Estreia narrativa de Machado de Assis, Contos fluminenses é obra essencial na formação literária do escritor. Ao reformular tendências literárias típicas dos folhetins, o livro inaugura o estilo singular pelo qual Machado é conhecido.

Fontes de pesquisa 12

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  • ASSIS, Machado de. Contos fluminenses. Rio de Janeiro: B.L. Garnier, 1870. Biblioteca Brasiliana Guita e José Mindlin, São Paulo, [s.d.]. Disponível em: https://digital.bbm.usp.br/handle/bbm/7818. Acesso em: 16 mar. 2022.
  • AZEVEDO, Silvia Maria. A trajetória de Machado de Assis: do Jornal das Famílias aos contos e histórias em livro. 1990. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade de São Paulo, São Paulo, 1990.
  • CANDIDO, Antonio. Esquema de Machado de Assis. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. 3. ed. São Paulo: Duas Cidades, 1995.
  • GLEDSON, John. Machado de Assis: ficção e história. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1986.
  • GOMES, Eugênio. Peça inédita de Machado de Assis. Jornal do Brasil, Rio de Janeiro, 28 fev. 1953. Primeiro Caderno, p. 6.
  • GUIMARÃES, Hélio de Seixas. Os leitores de Machado de Assis: O romance machadiano e o público de literatura no século 19. São Paulo: Nankin Editorial: Edusp, 2004.
  • LOUREIRO, Jaime Eduardo. O papel da crítica jornalística e da ficção na educação do leitor: Machado de Assis e a reforma do gosto literário. 2003. Dissertação (Mestrado em Comunicação e Semiótica) – Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, São Paulo, 2003.
  • MAGALHÃES JÚNIOR, Raimundo. Vida e obra de Machado de Assis. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; Brasília: INL, 1981.
  • PINHEIRO, Alexandra Santos. Para além da amenidade: o Jornal das Famílias (1863-1878) e sua rede de produção. 2007. Tese (Doutorado em Letras) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2007.
  • SILVA, Ana Cláudia Suriani da. A gênese de um conto de Machado de Assis: implicações... 1998. Dissertação (Mestrado em Letras) – Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 1998.
  • SILVA, Ana Cláudia Suriani da. Linha reta e linha curva: edição crítica e genética de um conto de Machado de Assis. Campinas: Editora da Unicamp, 2003.
  • VERÍSSIMO, José. História da literatura brasileira: de Bento Teixeira (1601) a Machado de Assis (1908). São Paulo: Letras & Letras, 1998.

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