Habitat: Revista de Artes no Brasil
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A Habitat: Revista de Artes no Brasil colabora para a consolidação do campo cultural paulistano num momento em que a atividade crítica ainda é incipiente. Lançada em outubro de 1950 e dedicada às artes plásticas, ao teatro, à dança, à fotografia, ao cinema, à música, ao design e à arquitetura, é um veículo privilegiado para acompanhar os debates e dilemas da produção cultural brasileira até meados dos anos 1960.
Duas fases marcam a existência da revista. Na primeira, que se estende até abril de 1954, a Habitat é um dos vértices da ação cultural de Pietro (1900-1999) e Lina Bo Bardi (1914-1992) na cidade, que complementa a criação do Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand (Masp) e do Instituto de Arte Contemporânea (IAC). Aproveitando-se da experiência pregressa de Lina na Itália, especialmente nas revistas Lo Stile, Quadrante, L´Architecture d´Aujourd´hui, Domus e A – Cultura della Vita, o casal se empenha em ampliar os limites de produção e consumo das artes no país e promover a divulgação do modernismo.
Além das notícias institucionais, são publicados artigos e uma coluna de opinião intitulada Crônicas de Alencastro – ora atribuída à Lina, ora ao casal Bardi, ou ainda ao conjunto de colaboradores da publicação – que define a linha editorial da revista. Nessa fase, alguns temas são recorrentes, como o artesanato, tratado no artigo “Amazonas: o Povo Arquiteto” (1950). Nele, Lina Bo Bardi discorre sobre a existência de uma racionalidade popular, louvável pelo respeito à economia de meios, à lógica construtiva, às técnicas e ao clima local. Para ela, essas qualidades morais, técnicas e estéticas estão presentes nos melhores exemplos da arquitetura moderna brasileira como aponta no artigo “Bela Criança” (1951), uma defesa dessa produção diante das críticas estrangeiras que então são formuladas. Nesse mesmo artigo, contudo, Lina chama a atenção para o risco eminente de um formalismo vazio, advertência que é reiterada pela publicação da polêmica entrevista e de dois artigos do principal crítico da arquitetura moderna brasileira naqueles anos, o arquiteto e designer suíço e Max Bill (1908-1996). Acompanham essas críticas a indicação de outros caminhos para a modernidade arquitetônica no país, pautados no compromisso social, na preocupação urbanística e no esforço de produzir uma arquitetura que seja a expressão da vida do homem em seu tempo, identificados nos textos “Casas de Vilanova Artigas” (1950), nos edifícios do Convênio Escolar (1951) e no manifesto de Gregori Warchavchik (1896-1972) intitulado “Acerca da Arquitetura Moderna”, de 1925, republicado na seção Documentos de Arte Brasileira (1951).
Os números trimestrais e depois mensais dessa fase são vendidos nas bancas de jornais em São Paulo, Rio de Janeiro, Salvador, Porto Alegre, Portugal, Espanha e Estados Unidos e se destacam pela modernidade de seu projeto gráfico, concebido por Lina. A direção da revista é centralizada, composta de uma diretoria-geral, ocupada por Lina, Flávio Motta (1923-2016) e Pietro Bo Bardi em períodos alternados, um diretor responsável e um editor, Geraldo N. Serra e Roberto Klein respectivamente, que se mantêm nos cargos até o seu encerramento. Colaboram com a revista Wolfgang Pfeiffer (1912-2003), Alberto Cavalcanti (1897-1982), Ruggero Jacobbi (1920-1981), Jacob Ruchti (1917-1974), Giancarlo Palanti (1906-1977) e Abelardo de Souza (1908-1981).
Em abril de 1954, o casal Bardi deixa a Habitat alegando que para o bem da crítica é preciso fazer uma troca de editores, sob o risco de “repetir o que já foi dito”. A revista então é reestruturada com a extinção do cargo de diretor-geral e a criação das direções de artes plásticas, arquitetura, teatro e literatura, assumidas por José Geraldo Vieira, Abelardo de Souza, Ruggero Jacobbi e Maria de Lourdes Teixeira (1907-1989). Essa reestruturação não altera o projeto gráfico e a linha editorial da revista, que se mantém a mesma até a extinção das direções de teatro e literatura, em abril de 1955, e a nomeação de Geraldo Ferraz (1905-1979) para a direção de arquitetura, em outubro do mesmo ano, quando Abelardo de Souza deixa o cargo alegando a impossibilidade de conciliar suas atividades como professor, arquiteto e editor.
Sob a direção de Ferraz, dá-se início a uma nova fase, cuja editoria é marcada pela ênfase nas artes plásticas e arquitetura em detrimento dos outros campos artísticos. Além disso, alguns temas ensaiados no período anterior ganham importância e se radicalizam. É o caso da questão urbana tratada por Ferraz em vários artigos, como “Meditação de Fim de Ano” (1955), em que denuncia a precariedade das condições de vida da população e clama por uma formação mais ampla e um envolvimento maior dos profissionais com o tema. Ferraz também desenvolve uma revisão historiográfica que parte da crítica declarada à hegemonia da “escola carioca”, explícita no artigo “Formalismo, Continuidade do Academismo” (1956) para valorizar outras “escolas” por meio das colunas “Individualidades” e “Novos Valores da Arquitetura Brasileira” dedicadas a Warchavchik, Affonso Eduardo Reidy (1909-1964), Rino Levi (1901-1965), MMM Roberto, Lucio Costa (1902-1998), Abelardo de Souza e Oswaldo Bratke (1907-1997). Outra característica marcante nessa segunda fase é a atenção à produção estrangeira presente na coluna “Pioneiros da Arquitetura Moderna” e ao conjunto de notícias sobre eventos e debates internacionais, além de notas sobre a presença de profissionais estrangeiros em São Paulo, muito distante do interesse pela produção local que marca a primeira fase.
Em março de 1958 a revista volta a ser bimestral, para retomar a trimestralidade em janeiro de 1961, ampliando a sua distribuição para todo o país, além de Argentina, Uruguai e Portugal. Apesar de sua importância, a Habitat encerra suas atividades em dezembro de 1965, diante das dificuldades impostas pela ditadura militar às diversas publicações do período.
Fontes de pesquisa 7
- DEDECCA, Paula Gorenstein. Crítica paulista de arquitetura carioca: recepção e diferenciação da produção brasileira moderna nas revistas especializadas de São Paulo (1945-1960). 162 f. Relatório (Iniciação Científica) – Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, São Paulo, 2006.
- FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. Prefácio Pietro Maria Bardi. São Paulo: Masp, 1965. 277 p., il. p&b.
- MIRANDA, Clara Luiza. A crítica nas revistas de arquitetura nos anos 50: a expressão plástica e a síntese das artes. 337 p. (Dissertação de mestrado), Departamento de Arquitetura e Urbanismo da Escola de Engenharia de São Carlos da Universidade de São Paulo, São Carlos, 1998.
- RUBINO, Silvana Barbosa. A escrita de uma arquitetura. In: Lina por escrito. Textos escolhidos de Lina Bo Bard. Organizado por Silvana Rubino e Marina Grinover. São Paulo: Cosac Naify, 2009. p. 19-40, 208 p., ils p&b.
- RUBINO, Silvana Barbosa. Rotas da modernidade: trajetória, campo e história na atuação de Lina Bo Bardi, 1947-1968. (Tese de doutorado.) Departamento de Antropologia do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp, Campinas, 2002.
- SEGAWA, Hugo. Arquiteturas no Brasil, 1900-1990. 2.ed. São Paulo: Edusp, 1999.
- STUCHI, Fabiana Terenzi. Revista Habitat: um olhar moderno sobre os anos 50 em São Paulo. 2007. 187 p. (Dissertação de mestrado), Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, 2007.
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HABITAT: Revista de Artes no Brasil.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/obra71080/habitat-revista-de-artes-no-brasil. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7