Teatro Cacilda Becker (TCB)
Texto
A companhia Teatro Cacilda Becker (TCB) se forma de uma dissidência de profissionais oriundos do Teatro Brasileiro de Comédia (TBC). Sempre em busca da liberdade artística, Cacilda Becker (1921-1969) e Walmor Chagas (1930-2013) realizam, em nove anos de companhia, espetáculos memoráveis como Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite, Esperando Godot e Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?
Ao sair do TBC, Cacilda Becker leva consigo seu mestre, o diretor Ziembinski (1908-1978), seu marido, o ator Walmor Chagas, sua irmã, Cleyde Yáconis (1923-2013), e o parceiro de cena de nove anos, Fredi Kleemann (1927-1974). Antes mesmo de estrear, a companhia se vê diante de duas novas situações: o estrangulamento econômico, que não permite produções tão confortáveis como nos tempos áureos do TBC, e o crescente interesse pelas questões brasileiras que, no teatro, é liderado pela linha do Teatro de Arena. O primeiro projeto da companhia é a encenação de Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite, texto de Eugene O'Neill (1888-1953), ainda inédito no Brasil. Entretanto, por motivos políticos que envolvem a disputa por subvenções, o TCB estréia com um texto nacional.
O TCB, fundado em dezembro de 1957, estréia O Santo e a Porca, de Ariano Suassuna (1927-2014), em março, e Jornada de um Longo Dia para Dentro da Noite em maio de 1958. Os dois espetáculos são ensaiados simultaneamente. No segundo semestre, o TCB monta um espetáculo com duas peças - O Protocolo, de Machado de Assis (1839-1908), e Pega Fogo, de Jules Renard (1864-1910), remontagem bem-sucedida do período tebecista. Nesta última, Cacilda Becker tem, no papel do garoto protagonista, a sua consagração como atriz. O espetáculo, apresentado em várias cidades do Brasil e também nos países por onde o grupo faz turnê, torna-se um clássico.
Por não possuir um teatro próprio, o TCB se vê obrigado a estar em constante viagem, aproveitando as datas em que os teatros de outras cidades estão livres para recebê-lo. Assim, com esse repertório formado no primeiro ano de vida, o TCB viaja para o sul do país, onde estréia Maria Stuart, de Schiller (1759-1809), ainda em 1958, e, de lá, segue para Montevidéu. No ano seguinte, permanece em São Paulo, onde apresenta Os Perigos da Pureza, de Hugh Mills, e Santa Marta Fabril S. A., de Abílio Pereira de Almeida (1906-1977). No final de 1959, o TCB passa três meses em Portugal e em seguida faz temporada em Paris.
Todos os espetáculos de 1958 têm direção de Ziembinski, que depois se separa da companhia. O seu afastamento tem razões artísticas: o diretor se mostra menos disponível que os atores a fazer concessões de repertório para um público pouco receptivo às obras de maior vulto. No programa de Os Perigos da Pureza, Cacilda Becker aborda o problema, em um franco desabafo ao espectador. Em 1959, Benedito Corsi (1924-1996) e Cacilda Becker dirigem respectivamente A Dama das Camélias e Auto da Compadecida (Auto Sacramental Nordestino), e Ziembinski encena Os Perigos da Pureza e Santa Marta Fabril S. A. Nos anos seguintes, Walmor Chagas, que além de ator se ocupa também da produção e da administração da companhia, se reveza com diretores convidados: Antônio Abujamra (1932-2015), Jean-Luc Descaves, Maurice Vaneau (1926-2007), Hermilo Borba Filho (1917-1976), Gianni Ratto (1916-2005).
"O número de companhias cresceu, a concorrência se tornou fato concreto, mas o público não acompanhou esse crescimento. É ainda reduzido como era em 1940. Para fazer o teatro que gostaríamos de fazer temos sempre que nos dirigir a uma elite, e, no caso, pequena, para o tanto que pretendemos e sonhamos. (...) Tudo temos feito para conquistar esse público, desde a concessão banal e condenável, que faz de nossos repertórios "ecléticos" um pandemônio, até os mais variados truques... Quando temos a ousadia de apresentar uma Jornada, tentamos em seguida "caçar" mais público numa comédia "deliciosa", para depois ter novamente o ensejo de "sapecar-lhe" um outro drama de fôlego. Fizemos de tudo e, por isso, às vezes estonteamos o público ao mesmo tempo que nos estonteamos. E quando vem ao teatro, esse público vem atraído por tudo menos pelo próprio teatro!" 1
Com esse texto, Cacilda Becker inaugura um procedimento que se tornará marca de sua companhia: o diálogo aberto com o público, expondo as dificuldades por que passa o grupo. Em 1960, o TCB se fixa em São Paulo, e Cacilda Becker se torna a primeira-dama do teatro paulista. Depois do fracasso da comédia brasileira, Virtude e Circunstância, de Clô Prado, Cacilda e Walmor decidem correr um grande risco. Criam o Teatro Experimental Cacilda Becker e montam um texto poético de João Cabral de Melo Neto (1920-1999), Morte e Vida Severina, ainda inédito nos palcos do Sudeste (subira à cena em uma única versão, por um grupo do Pará). O fracasso artístico e financeiro da iniciativa chega a colocar em risco a subvenção que o governo oferecia às companhias.
Instalado no Teatro Federação, o TCB estréia, ainda em 1960, um de seus maiores sucessos, Em Moeda Corrente do País, de Abílio Pereira de Almeida. Ao completar três anos, em 1961, a companhia tem na bagagem 800 apresentações em 30 cidades. A companhia se recupera do mau resultado artístico e financeiro de Raízes, de Arnold Wesker (1932-2016), com o caixa de Oscar, de Claude Magnier (1920-1983), que revela o comediante Jô Soares (1938) em uma peça pouco ambiciosa. Em 1962, Cacilda e Walmor, tendo ao seu lado Sergio Cardoso (1925-1973), conquistam o público com um texto menor, A Terceira Pessoa do Singular, de Andrew Rosenthal. O trabalho dos atores e em especial a interpretação de Cacilda Becker garantem o relativo êxito de A Visita da Velha Senhora, de Dürrenmatt (1921-1990). Em 1963, Ziembinski retorna ao TCB para uma empreitada mal-sucedida: César e Cleópatra, de Bernard Shaw (1856-1950) não é bem recebida pelo público e pela crítica. Seguem-se O Santo Milagroso, de Lauro César Muniz (1938), direção de Walmor Chagas; Onde Canta o Sabiá, de Gastão Tojeiro (1880-1965), dirigido por Hermilo Borba Filho, ambos ainda em 1963 e, no ano seguinte, A Noite do Iguana, de Tennessee Williams (1911-1983), mais uma direção de Walmor Chagas, e O Preço de um Homem, de Steve Passeur (1899-1966), direção de Maurice Vaneau.
O sucesso artístico retorna apenas em 1965, com Quem Tem Medo de Virgínia Woolf?, de Edward Albee (1928-2016), em que Cacilda e Walmor assumem a crueldade do diálogo e a violência do texto com absoluta sinceridade, causando impacto na platéia. A dupla inaugura, no teatro particular de 60 lugares de sua residência, o Centro de Estudos Teatrais, com o objetivo de divulgar novos autores por meio da leitura de suas obras. O autor de maior destaque nessas leituras, Bráulio Pedroso (1931-1999), escreve mais tarde Isso Devia Ser Proibido, em que Cacilda e Walmor, sozinhos em cena, misturam vida e ficção interpretando um ator e uma atriz. Em 1969, Cacilda Becker falece durante a temporada do espetáculo Esperando Godot, de Samuel Beckett (1906-1989), com direção de Flávio Rangel (1934-1988), um dos papéis de maior ousadia e brilho da atriz. Walmor Chagas prossegue com o trabalho da companhia por mais quatro anos.
A luta para manter a estabilidade da equipe, característica de todos os conjuntos profissionais da época, parece tornar-se especialmente desgastante no TCB, cada vez que os artistas se vêem obrigados a fazer concessões de repertório. Ainda assim, a companhia é talvez a que mais se dispõe ao risco com autores como João Cabral de Melo Neto, Eugène Ionesco (1909-1994), Dürrenmatt e Samuel Beckett (1906-1989).
Notas
1. BECKER, Cacilda. Programa do espetáculo 'Os Perigos da Pureza'. Citado por ALMEIDA, Maria Inez Barros de. Panorama visto do Rio: Teatro Cacilda Becker. Rio de Janeiro: Inacen, 1987. p. 51-52.
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Fontes de pesquisa 4
- ALBUQUERQUE, Johana. Teatro Cacilda Becker (ficha curricular). In: __________. ENCICLOPÉDIA do Teatro Brasileiro Contemporâneo. Material elaborado em projeto de pesquisa para Fundação VITAE. São Paulo, 2000.
- ALMEIDA, Inez Barros de. Panorama visto do Rio: Teatro Cacilda Becker. Rio de Janeiro: Inacen, 1987.
- BRANDÃO, Tania. As modernas companhias de atores. In: O TEATRO através da história. Rio de Janeiro: Centro Cultural Banco do Brasil, 1994. v. 2.
- TEATRO Cacilda Becker. Rio de Janeiro: Funarte / Cedoc. Dossiê Grupos Artes Cênicas.
Como citar
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TEATRO Cacilda Becker (TCB).
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/grupo399343/teatro-cacilda-becker-tcb. Acesso em: 03 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7