Exposição de uma Casa Modernista
Texto
A Exposição de uma casa modernista é uma mostra que reúne diferentes manifestações das artes visuais e é a primeira apresentação pública no Brasil dos princípios que norteiam a arquitetura moderna internacional. Ocorre entre 24 de março e 20 de abril de 1930 na residência projetada pelo arquiteto Gregori Warchavchik (1896-1972), na rua Itápolis, em São Paulo.
Seguindo os preceitos arquitetônicos desenvolvidos na década de 1920 pelo francês Le Corbusier (1887-1965), pelo americano Frank Lloyd Wright (1867-1959) e pela escola alemã Bauhaus, Warchavchik verbaliza publicamente suas intenções precursoras no contexto local com a Exposição de uma casa modernista: “mostrar ao grande público, que até agora só conhece arquitetura e interiores modernos pelas fitas de cinema e pelas revistas europeias, uma destas casas realizada em São Paulo, dentro das possibilidades técnicas do momento, que por enquanto, são limitadas".1
A residência no bairro recém-urbanizado do Pacaembu é a evolução do esforço disruptivo feito anos antes por Warchavchik na Casa da rua Santa Cruz, no bairro paulistano da Vila Mariana. É uma busca pessoal e, na década de 1920, solitária de implementação da arquitetura moderna ante as restrições construtivas. Há de se notar o empenho do pioneiro em compreender e aplicar as premissas modernas internacionalmente debatidas, mas, na época, ainda pouco executadas: observa-se isso na aparente contradição entre a fachada composta por brancos planos geometrizados e o telhado tradicional que se esconde por trás do frontispício.
A Casa da rua Santa Cruz é recebida pela aristocrática e provinciana sociedade local com estranhamento, somado à rejeição da classe arquitetônica ligada a Academia de Belas Artes e ao Liceu de Artes e Ofícios cujo interesse mantinha-se em modelos palacianos do Classicismo e nos ornamentos e estilos do Ecletismo.
Na Casa Modernista da rua Itápolis é igualmente patente o contraste com as demais edificações construídas em São Paulo no período, como o poeta Mário de Andrade (1893-1945) manifesta: “Sua arquitetura gritava ante os bangalôs, chacrinhas neocoloniais, pudins, marmeladas e xaropes que andam por aí, com sua ignorância beata e beócia".2
Na Exposição de uma casa modernista, a aproximação com outros intelectuais participantes da Semana de Arte Moderna de 1922 observa-se na exibição de quatro obras de arte de Anita Malfatti (1889-1964), uma aquarela de Di Cavalcanti (1897-1976), três esculturas de mármore de Victor Brecheret (1894-1955), além de livros de diversos autores, dentre os quais estão Mário de Andrade e o poeta Oswald de Andrade (1890-1954), que atesta em artigo publicado em 15 de abril de 1930 no Diário da Noite: “A casa de Warchavchik encerra o ciclo de combate à velharia, iniciado por um grupo audacioso, no Theatro Municipal, em fevereiro de 1922. É a despedida de uma época de fúria demonstrativa.”3
Nos oito anos de diferença entre os dois eventos introdutórios às ideias das vanguardas modernistas no Brasil, percebe-se uma receptividade maior – mesmo que não isenta de críticas conservadoras – e uma ampliação do público que passa a abranger, além de setores da elite, membros da classe média paulistana. Embora aberta por poucas semanas, a exposição recebe mais de 20 mil visitantes e uma ampla cobertura tanto em jornais da época quanto em um curta-metragem feito no dia da inauguração e apresentado nos cinemas da cidade.4
O arquiteto e historiador José Lira observa uma passagem de um evento vanguardista em uma edificação pública eclética de caráter aristocrático – a Semana de Arte Moderna de 1922 – para uma exposição em ambiente residencial, intimista, de menor escala porém de estética moderna própria àquele momento histórico – onde “a casa encenava o ideal de habitação mínima e de reunificação da arquitetura com as artes, os ofícios e o design.”5
Verifica-se isso na visita aos aposentos da Casa da rua Itápolis, onde, acima da cama, vê-se Cartão Postal, de Tarsila do Amaral (1886-1973), uma das cinco pinturas da artista ali expostas. Quadros de Lasar Segall (1889-1957), Menotti del Picchia (1892-1988) e Cicero Dias (1907-2003) coabitavam os espaços íntimos com almofadas da artista franco-ucraniana Sonia Delaunay (1885-1979), pertencentes à coleção de Olívia Guedes Penteado (1872-1934), e um tapete produzido nas oficinas da Bauhaus, de propriedade da esposa de Gregori Warchavchik, Mina Klabin Warchavchik (1896-1969), que também é responsável pelo projeto de paisagismo de mesma índole modernista, como destaca a crítica Sophia Telles: “as plantas e arbustos recortam as superfícies claras e os planos sombreados, todos os elementos tratados com valores iguais, à la Leger, ou Tarsila.”6 Com caráter quase escultórico suprematista ou cubista, a Casa da rua Itápolis resulta da composição de volumes cúbicos e brancos.
O imóvel projetado por Warchavchik surge do intuito de ser alugado pela família e tornar-se chamariz para a Companhia City – empresa responsável pela urbanização e comercialização do Pacaembu. Porém, a residência converte-se em sede receptora de uma das mais importantes mostras das artes visuais e literatura modernas da história do Brasil, e, sobretudo, como o próprio título destaca, é uma exposição da casa em si, enquanto exemplo precursor da arquitetura moderna.
Notas
1. WARCHAVCHIK, Gregori. Em torno da casa modernista do Pacaembu. Diário de S. Paulo, São Paulo, 20 abr.1930.
2. ANDRADE, Mário de. Exposição duma casa modernista (considerações). Diário Nacional, São Paulo, 05 abr.1930.
3. ANDRADE, Oswald de. A casa modernista, o pior crítico do mundo e outras considerações. Diário da Noite, São Paulo, 15 abr.1930.
4. ROSSI FILM. Architectura modernista em S. Paulo. Vídeo. 1930. Disponível em: https://vimeo.com/128624346. Acesso em 01 abr. 2019.
5. LIRA, José. Warchavchik: fraturas da vanguarda. São Paulo: Cosac Naify, 2011. 195-196 pp.
6. TELLES, Sophia. A arquitetura modernista. Um espaço sem lugar. In: GUERRA, Abilio (Org.). Textos fundamentais sobre história da arquitetura moderna brasileira - parte 1. São Paulo: Romano Guerra, 2019. p.29.
Ficha Técnica
Fontes de pesquisa 13
- ANDRADE, Mário de. Exposição duma casa modernista (considerações). Diário Nacional, São Paulo, 05 abr.1930.
- ANDRADE, Oswald de. A casa modernista, o pior crítico do mundo e outras considerações. Diário da Noite, São Paulo, 15 abr. 1930.
- BRUAND, Yves. Arquitetura Contemporânea no Brasil. Tradução Ana M. Goldberger. 3. ed. São Paulo: Perspectiva, 1999.
- FERRAZ, Geraldo. Warchavchik e a introdução da nova arquitetura no Brasil: 1925 a 1940. Prefácio Pietro Maria Bardi. São Paulo: Masp, 1965. 277 p., il. p&b.
- JUSTE LORES, Raul. Arqueologia modernista. Folha de S. Paulo, São Paulo, 05 jul. 2011.
- LIRA, José. Warchavchik: fraturas da vanguarda. São Paulo: Cosac Naify, 2011. 552 p.
- POMPEU DE TOLEDO, Roberto. A Capital da Vertigem. São Paulo: Objetiva, 2015.
- SANTOS, Paulo. Gregori Warchavchik In: DEPOIMENTO de uma geração: arquitetura moderna brasileira. Organização Alberto Xavier. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 351-352
- TELLES, Sophia. A arquitetura modernista. Um espaço sem lugar. In: GUERRA, Abilio (Org.). Textos fundamentais sobre história da arquitetura moderna brasileira - parte 1. São Paulo: Romano Guerra, 2019. p. 23-34
- WARCHAVCHIK, Gregori. Acerca da arquitetura moderna. In: DEPOIMENTO de uma geração: arquitetura moderna brasileira. rev. ampl. Organização Alberto Xavier. São Paulo: Cosac Naify, 2003. p. 35-38
- WARCHAVCHIK, Gregori. Em torno da casa modernista do Pacaembu. Diário de S. Paulo, São Paulo, 20 abr.1930.
- WARCHAVCHIK, Gregori. Exposição de uma casa modernista: de 24 mar. e 20 abr. 1930, São Paulo, SP, 1930. 1 folder.
- WISNIK, Guilherme. Plástica e anonimato: modernidade e tradição em Lucio Costa e Mário de Andrade. Novos Estudos - Cebrap, São Paulo, n.79, nov. 2007.
Como citar
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EXPOSIÇÃO de uma Casa Modernista.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/evento226449/exposicao-de-uma-casa-modernista. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7