Jorge Mautner
Texto
Henrique George Mautner (Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1941). Compositor, cantor, instrumentista, escritor, poeta, romancista, ensaísta, tradutor. Antropofágico, tropicalista e transgressor, é um artista múltiplo, cuja obra se destaca por seu aspecto inventivo, irreverente e profundamente comprometido com a miscigenação cultural, de estilos e de linguagens.
É filho de refugiados da Segunda Guerra Mundial. Em razão dos traumas que sua mãe iugoslava, Anna Illich (ca. 1914-ca. 1990), carrega por causa da guerra e dos afazeres do pai austríaco, Paul Mautner (1894-1984), que atua no Brasil na resistência judaica, fica até os sete anos sob os cuidados de sua babá Lucia, mãe de santo (Ialorixá), e frequenta os terreiros de candomblé, em meio a cânticos e batuques.
Em 1948, a separação dos pais faz com que Mautner se mude para São Paulo. A mãe se casa com o violinista Henri Müller. O padrasto, primeira viola da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal1, ensina-o a tocar violino e o leva aos bastidores dos programas da Rádio Nacional da capital paulista. Na rádio, ele tem contato com Aracy de Almeida (1914-1988), Nelson Gonçalves (1919-1998), Blecaute (1919-1983), Inezita Barroso (1925-2015), dentre outros artistas.
Nos anos 1950, período em que estuda no Colégio Dante Alighieri, escreve seu primeiro livro, Deus da chuva e da morte, que publica em 1962 e pelo qual recebe o Prêmio Jabuti de Literatura, no mesmo ano. Nesse período também produz suas primeiras composições musicais: “Iluminação”, “Olhar bestial”, “O vampiro”. Caetano Veloso (1942) ressalta que a música “O vampiro”, bem antes do movimento tropicalista, já aponta para as inovações estéticas desse movimento em meados dos anos 1960. A canção explora imagens da cultura pop e do consumo e funde elementos do rock com a música brasileira. Ainda segundo Caetano, na autobiografia Verdade tropical (1997), a inventividade e as ideias de Mautner foram determinantes para os tropicalistas consolidarem sua oposição à esquerda nacionalista dominante na MPB da época.
Mautner lança o Partido do Kaos e, de 1963 até o golpe militar de 1964, publica coluna diária no jornal Última Hora intitulada “Bilhetes do Kaos”. Nela, comenta sua visão de mundo baseada na trilogia sexo, sangue e futebol. Em 1963, lança seu segundo livro, Kaos. Adere ao Partido Comunista Brasileiro (PCB), convidado pelo crítico Mario Schenberg (1914-1990) para participar de uma célula cultural do Comitê Central com José Roberto Aguilar (1941). Em 1965, publica os livros Narciso em tarde cinza e O vigarista Jorge – que, apesar do título, não é autobiográfico –, encerrando a Trilogia do Kaos.
No ano seguinte, grava um compacto contendo as canções “Radioatividade” e “Não, não, não”. O conteúdo provocador de sua obra o leva a ser incluído na Lei de Segurança Nacional. Exila-se nos Estados Unidos e, em 1967, trabalha com o escritor americano Robert Lowell (1917-1977). Conhece Paul Goodman (1911-1972), teólogo da nova esquerda do anarquismo pacifista, de quem recebe influências sobre ecologia. Escreve músicas em parceria com a compositora e pianista Carla Bley (1936-2023), entre as quais “Olhos de gato”.
De volta ao Brasil, em 1968, trabalha no filme de Neville D’Almeida (1941), Jardim de guerra, escrevendo roteiro e argumento. O filme é censurado e filmado em Londres, em 1970, com participação de Caetano Veloso e Gilberto Gil (1942). Escreve no periódico O Pasquim e inicia longa parceria musical com Nelson Jacobina (1954-2012). Entre as músicas mais conhecidas dessa parceria está “Maracatu atômico”, gravada por Gilberto Gil, em 1974, e por Chico Science (1966-1997) e Nação Zumbi, em 1996.
Participa do espetáculo musical Pra Iluminar a Cidade, montado no Teatro Opinião, Rio de Janeiro, e lança disco homônimo, em 1972. O disco é boicotado pelos lojistas, assim como seu livro Fragmentos de sabonete (1973) e seus LPs Jorge Mautner (1974) e Mil e uma noites de Bagdá (1976). Nessa mesma década, participa do show e do disco idealizado e dirigido por Jards Macalé (1943), O banquete dos mendigos (1979), ao lado de Paulinho da Viola (1942), Chico Buarque (1944) e outros artistas. O show realizado no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (MAM-RJ), em 1973, comemora os 25 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos, um ato de resistência à ditadura militar2 vigente no país.
Na década seguinte, grava os discos Bomba de estrelas (1981), em parceria e participação de artistas como Caetano Veloso e Gilberto Gil, dentre outros artistas, e Antimaldito (1985). Lança, em 1987, o movimento Figa Brasil3. O manifesto do movimento proclama: “Figa Brasil é o desejo de uma alquimia que faça encontrar os que estão separados. Que faça sambar os que só escrevem, que faça escrever os que só têm sambado!”. Ao propor a discussão sobre a cultura brasileira, o compositor convida as pessoas a se reunirem para refletir e dialogar. E anuncia: “Está na hora do Macunaíma elaborar seu caráter”.
Comemora sua trajetória musical com a coletânea O ser da tempestade: 40 anos de carreira (1999) e, em 2002, o seu disco Eu não peço desculpa, em parceria com Caetano Veloso, ganha o prêmio Grammy Latino. Aos 72 anos, tem sua vida narrada no documentário, O filho do holocausto (2012), dirigido por Pedro Bial (1958) e Heitor D’Alincourt. Baseado no livro autobiográfico homônimo, conta a história de Mautner do nascimento até os 17 anos.
Com mais de uma dezena de discos lançados e uma concepção artística que nunca descansa ou se acomoda, Jorge Mautner se torna um dos nomes mais provocadores, críticos e criativos da música nacional.
Notas
1. Na década de 1940, passa a se chamar Orquestra Sinfônica Municipal.
2. Também denominada de ditadura civil-militar por parte da historiografia com o objetivo de enfatizar a participação e apoio de setores da sociedade civil, como o empresariado e parte da imprensa, no golpe de 1964 e no regime que se instaura até o ano de 1985.
3. O manifesto do movimento Figa Brasil foi publicado no Jornal da Tarde, em 13 de março de 1987, com o título “Um caráter para Macunaíma”.
Exposições 3
-
-
18/7/2002 - 18/8/2002
-
22/10/2002 - 30/11/2002
Mídias (1)
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 5
- MARCONDES, Marcos Antônio. Enciclopédia da música brasileira: erudita, folclórica e popular. 2. ed., rev. ampl. São Paulo: Art Editora, 1998.
- O FILHO do Holocausto. Direção de Pedro Bial e Heitor D'Alincourt. Rio de Janeiro: Canal Brasil, 2012.
- ORQUESTRA Sinfônica Municipal. Theatro Municipal. São Paulo, [s.d.]. Disponível em: https://theatromunicipal.org.br/pt-br/orquestrasinfonicamunicipal/. Acesso em: 14 ago. 2023.
- PANFLETOS da Nova Era. Site oficial do artista. Disponível em: < http://www.panfletosdanovaera.com.br >.
- VELOSO, Caetano. Verdade Tropical. Companhia das Letras, 1997.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
-
JORGE Mautner.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa7106/jorge-mautner. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7