Chico Science
Texto
Francisco de Assis França (Olinda, Pernambuco, 1966 - Recife, Pernambuco, 1997). Cantor e compositor. Líder da banda musical Chico Science & Nação Zumbi (CSNZ), que marca época pela sonoridade criada a partir da combinação de diversos estilos musicais e pelas letras que retratam aspectos sociais e culturais do Recife. Ao longo da carreira meteórica de apenas seis anos com sua banda mais famosa, Chico Science grava dois álbuns que entram para a história do rock brasileiro e se torna o principal expoente da cena musical conhecida como manguebeat.
Passa a infância em Rio Doce, bairro populoso de Olinda, Pernambuco, onde cata caranguejos no mangue para vendê-los na feira. Inspirado pelos passos de dança de Michael Jackson (1958-2009), entra em 1984 para o grupo de dança de rua Legião Hip Hop. Em 1987, integra o conjunto de black music Orla Orbe, que tem existência curta. Em seguida, forma a banda Loustal, que combina rock e ska com soul, funk e hip-hop.
No início de 1991, é atraído pela percussão do bloco afro Lamento Negro e convida seus integrantes a criar outra banda, apostando na união da linguagem do rock com as da black music do samba-reggae e de outros ritmos regionais. Assim, Loustal e Lamento Negro se fundem sob o nome de Chico Science e Lamento Negro, logo substituído por Chico Science & Nação Zumbi (CSNZ). A formação original tem Chico Science (voz), Lúcio Maia (guitarra), Alexandre Dengue (baixo), Toca Ogam (percussão/efeitos), Canhoto (caixa), Gira (tambor), Gilmar Bola 8 (tambor) e Jorge Du Peixe (tambor).
CSNZ estreia em junho de 1991 e passa a se apresentar com bandas de sonoridade e temáticas afinadas com ela, como Mundo Livre S/A. Essa cena musical chama a atenção da mídia local, que logo a denomina manguebeat1, alusão à batida da percussão e à temática de muitas letras. Chico Science é reconhecido como figura catalisadora para o despertar desse estilo. Prestes a formar a CSNZ, relata a amigos: "Fiz uma jam session com o Lamento Negro, aquele grupo de samba-reggae, peguei um ritmo de hip-hop e joguei no tambor de maracatu... vou chamar essa mistura de mangue!"2. O mangue, ecossistema que sofre com a degradação proveniente da ocupação desordenada do Recife, é escolhido para servir de metonímia da cidade em um discurso que realça tanto sua riqueza e diversidade cultural quanto seus problemas sociais.
A CSNZ articula uma fusão bem-sucedida de signos tradicionais e modernos, regionais e cosmopolitas, em performances e letras que combinam crítica social e elogio hedonista da vida. A linguagem musical da banda une elementos da música pop (como as guitarras distorcidas do rock e os ritmos do reggae, do funk e do hip-hop) a estilos diversos, como samba, ciranda, coco, embolada e maracatu. Diversas canções tematizam essa proposta “neotropicalista”, como “Mateus Enter” (“Cheguei com meu universo / E aterriso no seu pensamento / Trago as luzes dos postes nos olhos / Rios e pontes no coração / Pernambuco embaixo dos pés / E minha mente na imensidão”) e “A Cidade” (“Eu vou fazer uma embolada, um samba, um maracatu / Tudo bem envenenado, bom pra mim e bom pra tu / Pra gente sair da lama e enfrentar os urubus”).
As letras incorporam a linguagem cotidiana recifense, com uso de gírias e de léxico próprio, metafórico, preenchido em grande parte por componentes da paisagem do mangue. Termos como “caranguejos” e “urubus”, “mangue” e “lama”, “mocambos” e “molambos” assumem significados variados. Denunciam pobreza e precariedade e, ao mesmo tempo, atuam como totens de resistência dos excluídos, como em “Manguetown” (“Andando por entre os becos / Andando em coletivos / Ninguém foge à vida suja / nos dias da Manguetown”)
Esse repertório colhido do mangue é empregado de forma alusiva e irônica, combinado a registros provenientes de outras fontes. Uma delas é o manancial da tradição cultural nordestina, com a citação da figura de Virgulino Ferreira da Silva, o Lampião (1898-1938) na descrição do cotidiano violento das favelas do Recife em “Banditismo por uma questão de classe” (“Oi sobe morro, ladeira, córrego, beco, favela / A polícia atrás deles e eles no rabo dela / Acontece hoje e acontecia no sertão / Quando um bando de macaco perseguia Lampião”).
Science valoriza os contornos linguísticos da região também como cantor ao entoar o sotaque de seus pares e o das camadas populares do Recife. Alterna diferentes registros, como a fala cantada rítmica do rap e da embolada com o canto e os gritos próprios do rock. Nos shows, circula na linha de frente, com os percussionistas ao fundo: sua linguagem corporal alterna o gestual performático com passos de dançarino folclórico, além de mimetizar os movimentos não lineares de um caranguejo e o modo agachado e arrastado de se locomover de um catador de caranguejo.
No início de 1994, é lançado o primeiro disco da CSNZ, Da lama ao caos, que conquista crítica e público, com inclusão em trilha sonora de novelas das músicas “A praieira”, “A cidade” e “Da lama ao caos”. A banda excursiona por Brasil, Estados Unidos e Europa.
O segundo trabalho, Afrociberdelia (1996), conta com a participação de artistas convidados, como Gilberto Gil e Marcelo D2. A regravação de “Maracatu atômico”, com ênfase em recursos eletrônicos e na percussão, somada ao sucesso de canções como “Manguetown”, “Cidadão do mundo” e “Macô” fazem da CSNZ uma das bandas mais reverenciadas do país.
Em 1998, é lançado o CD duplo póstumo CSNZ, com cinco faixas ao vivo com artistas convidados, como Jorge Ben Jor (1942), e músicas inéditas com vocal de Jorge Du Peixe (1967), a nova voz do conjunto, que passa a se chamar Nação Zumbi.
Chico Science ganha projeção no cenário musical brasileiro no início dos anos 1990 como líder da Chico Science & Nação Zumbi (CSNZ), que, com uma mistura original de sonoridades, torna-se uma das bandas de maior prestígio da música brasileira. Antes de morrer precocemente, aos 30 anos, deixa gravados dois álbuns icônicos, nos quais canta as mazelas sociais e a diversidade cultural do Recife, em primeiro plano, mas também de Pernambuco e do Nordeste.
Notas
1. Inicialmente Chico Science sugere o nome mangue para a sonoridade produzida por sua banda, mas o termo passa a abranger uma cena musical pernambucana e, por conta de uma canção homônima gravada por Fred 04 e Mundo Livre S/A no disco Samba Esquema Noise, de 1994, muda a nome para mangue bit. Por fim, graças às repetidas menções na imprensa, o termo se populariza como manguebeat.
2. Depoimento de Renato L. In: MATOS, Rejane Pires Calazans. Mangue: a lama, a parabólica e a rede. Soropédica, 2008. 260 p. Tese (Doutorado em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade) – Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro (UFRRJ), Soropédica, 2008. p. 20.
Exposições 1
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4/2/2010 - 4/4/2010
Links relacionados 1
Fontes de pesquisa 6
- CHICO Science. In: Dicionário Cravo Albin da Música Popular Brasileira. Rio de Janeiro: Instituto Cultural Cravo Albin. Disponível em: http://www.dicionariompb.com.br/chico-science/biografia. Acesso em 25 setembro 2011.
- CHICO Science. In: JC CBN/Recife: NE10. Disponível em: http://www2.uol.com.br/JC/chicoscience/carreira.htm. Acesso em 23 Setembro 2011.
- CHICO Science. In: Letras.com.br. Disponível em: http://www.letras.com.br/biografia/chico-science. Acesso em 27 Setembro 2011.
- MATOS, Rejane Pires Calazans. Mangue: a lama, a parabólica e a rede. Tese de Doutorado, Curso de Pós-Graduação em Desenvolvimento, Agricultura e Sociedade da UFRRJ, 2008.
- Montenegro, Fred. Caranguejos com cérebro. Manifesto, 1992.
- SHARP. Daniel Berson. A satellite dish in the Shantytown Swamps: musical hybridity in the 'New Scene' of Recife, Pernambuco, Brazil, The University of Texas at Austin, 2001.
Como citar
Para citar a Enciclopédia Itaú Cultural como fonte de sua pesquisa utilize o modelo abaixo:
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CHICO Science.
In: ENCICLOPÉDIA Itaú Cultural de Arte e Cultura Brasileira. São Paulo: Itaú Cultural, 2025.
Disponível em: https://front.master.enciclopedia-ic.org/pessoa359495/chico-science. Acesso em: 04 de maio de 2025.
Verbete da Enciclopédia.
ISBN: 978-85-7979-060-7